Como
prometido, a continuação do conto de amor.
Aluisio
e Djanira enfeitaram minha vida por muitos e muitos anos.
Um
dia, ela me ligou assustada, dizendo que ele tinha sido hospitalizado, em
emergência, e estava na Unidade Intensiva de Tratamento. Tinha tido um AVC.
Entre
os dois, ele era o centro de minhas atenções, desde criança, pois seu espírito
brincalhão não me deixava em paz. Tinha, na verdade, um jeito paternal de ser
e, para mim, isso fazia toda a diferença. Djanira era o tipo de mulher
dedicada, cuidadosa, super amiga, mas tinha uma forma mais formal de tratar as
pessoas. Não me lembro de seus abraços, embora ela fosse uma gracinha de
pessoa. Já o marido era dessas pessoas acolhedoras, de abraços sinceros e
cheios de vida. Assim, meu chamego acabou se virando mais para o "Sr.
Aluisio", que, muitas vezes, dizia que eu era mais uma filha que Deus
tinha colocado em seu caminho.
Você
pode imaginar, portanto, como essa notícia caiu em meus ouvidos. Despenquei
para o hospital, cheia de medos e cuidados. Sabia que não poderia vê-lo, mas
queria estar mais perto, unir-me à família, saber notícias. Mas era mesmo um
caso bem grave e ele estava inconsciente.
Essa
situação perdurou por quase um mês, até que ele fosse transferido para o
quarto, já um pouco consciente, sem prognóstico certo sobre sua recuperação. As
esperanças, no entanto, começavam a surgir e, pela primeira vez, em tantos dias,
vi Djanira sorrir novamente:
-
Acho que vamos para casa na semana que vem.
Mas
a alegria durou apenas um dia, pois novo AVC, do outro lado do cérebro, levou-o
novamente para a UTI por mais umas duas semanas.
De
volta ao quarto, ainda inconsciente, o parecer da equipe médica era avassalador:
ele sobreviveria, mas em estado vegetativo.
Para
um homem que não parava quieto nem para dormir, como dizia Djanira, isso era
mais do que fatal. Para ele e, evidentemente, para todos nós.
De
qualquer modo, sair do hospital não seria imediato. Talvez umas duas semanas,
se o quadro se mantivesse estabilizado. Ele poderia ter outro AVC a qualquer
momento.
Uma
semana depois, no entanto, Djanira observou:
-
Acho que ele mexeu um dedo da mão direita, eu vi!
-
Não é possível - disse a enfermeira - ele não teria condições.
Por
acaso eu fui ao hospital naquele dia e vi a certeza com que Djanira mantinha
suas convicções:
-
Eulalia, eu vi, ele mexeu um dedo da mão direita, eu não estou maluca! Ninguém
acredita em mim!
E
mexeu mesmo, pois no dia seguinte, eram dois dedos, depois três, até que
conseguiu abrir os olhos. Em uma semana, ele tinha uma expressão de olhar que
mostrava muito bem que sabia o que estava acontecendo.
Para
encurtar a história, Aluisio saiu do hospital de cadeira de rodas, sem falar,
mas com o olhar mais vivo do que o de muita gente que vejo andando por aí. É claro que os médicos apenas diziam que
coisas assim acontecem e que a família não deveria esperar muito mais do que
isso.
Dali
para diante, foi uma batalha entre fisioterapeutas, fonoaudiólogos e
atendimentos de toda sorte.
Três
meses depois, algumas pessoas conseguiam, embora a custo, entender o que ele
dizia. Como eu trabalhava com pessoas especiais, era uma delas.
Num
desses dias, quando fui visita-los, sentei-me ao lado de sua cadeira de rodas e
percebia toda sua ansiedade em comunicar-se. Eu sabia que era justamente essa
ansiedade que o levava para frente, para a melhora, para o sucesso. Era
evidente que todos sabíamos que ele poderia ter outro AVC a qualquer momento,
apesar da medicação. Todos sabíamos, mas acredito que ele não tinha isso em
mente. O que ele queria era lutar desesperadamente por uma qualidade de vida
melhor. Eu estava pensando nisso, ao olhar para aquele ser maravilhoso que
tinha a minha frente. Foi quando consegui entender, em frase trôpega, as
palavras que me fizeram acreditar na capacidade humana de vencer:
-
Eu vou conseguir levantar e andar até lá.
Esse
"até lá" significava uma distância de três metros entre a cadeira de
rodas e a beirada da varanda de seu apto.
Em
três meses, com muita ajuda, mas já em pé, ele realizou seu desejo. Em um ano,
estava falando normalmente. Ficou com uma sequela do lado esquerdo, que fazia
com que caminhasse um pouco devagar, mas sequer puxava a perna. Seu braço
esquerdo perdeu parte da mobilidade, mas ele ainda dizia que ele era mais
teimoso que o braço e vivia consertando, com sua mão direita, os dedos de sua
mão esquerda. Mas foi apenas essa a sequela que restou. Esqueci de dizer que
ele já estava com mais de sessenta anos. Para a idade, pelas dimensões do
trauma, uma recuperação quase impossível...
Conversávamos
muito, eu e ele, a cada visita. Na verdade, Djanira sempre percebera nossa
cumplicidade e com discrição nos mostrava seu carinho: dava um jeito de nos
deixar a sós, para "ir nos fazer um
chá", como dizia.
E
foi numa dessas conversas que ele me disse:
-
Eu estava lá, imóvel, com aqueles médicos dizendo que eu iria ter vida
vegetativa, se vivesse. Eles não sabiam, mas eu estava escutando e entendendo
tudo. Foi quando decidi que não seria assim. Como eu poderia deixar Djanira
viver sem mim, como sempre fui? Eu não ia mexer só minha mão. Eu ia me mexer
todo, eu ia caminhar, falar, voltar a ser o que sempre fui! Era isso ou morrer.
E eu não ia morrer.
Por
mais uns dez anos, pude conviver com esse exemplo de vida, com esse casal tão
especial.
Em
uma de minhas últimas visitas, fiz questão de fotografá-los e vale a pena revermos este
casal, em momentos de cuidados
de carinho
e, claro, de beijo
7 comentários:
Coisa mais linda! Me emocionou muito.
A vontade que move para frente.
Eu tinha pulado esse conto, mas acho que foi feito para que eu lesse ele hoje! Me fez um bem enorme.
Essa é uma história de que gosto muito de me lembrar... também me faz um bem enorme... e me emociona sempre! Te-los conhecido foi um privilégio para mim!
Essa é uma história de que gosto muito de me lembrar... também me faz um bem enorme... e me emociona sempre! Te-los conhecido foi um privilégio para mim!
Lindo!
Lindo!
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