sábado, 26 de novembro de 2011

RADAR


Radar era um cão fila que mais parecia um filhote de leão sem juba. Feroz. Tão feroz que seus donos tiveram de aumentar a altura dos muros de sua casa para que ele não se incomodasse tanto com os transeuntes. Uma casa suntuosa que se espalhava, em seus jardins e seus dois andares, numa esquina despreocupada de Pendotiba.

Eu conhecera Radar bem filhote e já era bem grandinho para que eu conseguisse coloca-lo em meu colo. Depois de crescido, soube, por acaso, que apenas quatro pessoas conseguiam colocar as mãos nele despreocupadamente: os donos, o veterinário e eu. Não conseguia ter medo dele. Era mesmo uma amizade sem cuidados. Confiança mútua, eu diria. Os familiares o temiam e eu não conseguia entender por quê. Quando eu chegava, era uma festa só! Remexia-se todo de contentamento e não saia de perto de mim o tempo todo da visita. Aliás, só ele chegava perto de mim, pois rosnava para todos que se aproximavam. Eu não conseguia fazer festa nem na fêmea, uma fila linda, delicada e gentil. Ele se interpunha entre mim e ela e não tinha jeito de eu conseguir afaga-la sequer.

Às vezes, eu ficava pensando se não seria exagero das pessoas pinta-lo de forma tão feroz: diziam que o entregador de pizza já mostrava certo receio quando anotava o endereço: é da casa do Radar? Ele sequer vira o cão, mas só os latidos o faziam tremer. Posso imaginar o que diriam do carteiro...

Embora Radar não tivesse acesso aos transeuntes, pois até o portão de entrada era indevassável, diziam que seu instinto fazia com que viesse latindo furioso batendo-se contra o portão ao primeiro estalar da campainha. Eu nunca presenciara esses desacatos e para mim, Radar era um amigo querido e sempre bem acolhido.

Veio o divórcio e todas as conseqüências que isso traz à vida da gente. Até que tudo se estabilize, você fica mesmo um pouco distante de muitas coisas, mesmo das que gosta. O meu, especialmente, com tantas dívidas advindas depois, me fez ficar imersa em trabalhos e compromissos por longo tempo.

Quando a vida começou a estabilizar-se, comecei a freqüentar meus amigos novamente. A casa de Radar era distante e ir lá exigia uma disponibilidade que eu não tivera até então. Estava com saudades de todos, mas, confesso, Radar tomou meus pensamentos a maior parte do trajeto entre minha casa e Pendotiba.

Toquei a campainha. Seria uma bela oportunidade de testar a fúria de meu amigo, pois, afinal, já havia uns dois anos que eu não ia lá... um pouco pensativa, temia, na verdade, que já tivesse se esquecido de mim. Ao ouvir os latidos furiosos que vieram de longe, dos fundos da casa em direção ao portão, tão logo toquei a campainha, lembrei-me do entregador de pizzas e sorri. Naquele instante, passei a acreditar em todas as histórias. Nenhum entregador poderia se esquecer daquele rugido que de cão pouco parecia... mas usufruí desse episódio por muito pouco tempo: no meio do caminho, os latidos pararam abruptamente. Radar ganiu, baixinho a princípio, depois mais alto e desapareceu. Soube depois que fora como uma flecha buscar meus amigos, agoniado, acompanhando-os, empurrando-os para o portão. Ele havia sentido a minha presença.

Quando entrei nem pude cumprimenta-los. Meu olhar estarrecido, contemplou aquele animal enorme, indócil, nervoso, me empurrando contra a parede com o focinho. Ele não se esquecera! Pelo contrário, mostrava a falta que eu tinha feito durante todo aquele tempo. O ritual completava-se como antigamente: ele sabia que eu não poderia conter seu peso e nunca pulou sobre mim, quando eu chegava. Pelo contrário, empurrava-me para a parede e, como parte da brincadeira, eu sempre me fazia de difícil, até que ele conseguia me encurralar com o focinho. Uma vez encostada contra um muro ou parede da casa, ele levantava suas patas dianteiras e as colocava uma em cada lado do meu corpo. Significava que elas ficavam mais ou menos acima da minha cabeça, de modo que, ali presa, eu não tivesse outra opção senão coçar o seu peito, como carinho. Radar era muito inquieto e não permitia que ninguém o abraçasse, nem seus donos. Mas fazer carinho, coçar suas costas, cabeça ou peito, era tudo de bom. E o peito era a parte em que ele mais gostava de receber minhas coçadinhas. Ficava assim por um tempo e não havia meios de alguém o arredar de seu ensejo. Rosnava até para os donos, se fosse necessário. Confesso que me sentia uma princesa, ali, dona da situação. A fera domada pelo suave toque de minha mão.

Este ritual sempre impressionara muito as outras visitas da casa:

- Você não tem medo?

- Como posso ter medo diante de tanto carinho?


Eles não percebiam o cuidado de Radar de me empurrar para a parede por saber que eu não agüentaria que ele se apoiasse em meu ombro. Sequer percebiam o movimento de levantar a cabeça para que eu pudesse acariciar o seu peito. Eles só viam os dentes, não o pelo, as garras, não a atitude... coisas que só o amor pode compreender. E amor era o que ocorria ali. Um amor bem possessivo, mas que eu sabia contornar, embora, muitas vezes, um pouco exagerado. Radar não permitia que ninguém chegasse muito perto.

Lembro-me de uma vez em que fui com um namorado. Discretamente, ele logo entendeu que era mais conveniente se sentar um pouco mais distante de mim, melhor dizendo, do outro lado da mesa do jardim. Menos do que isso, não foi permitido pelo meu ilustre cão companheiro.

Eu tenho a impressão de que para Radar eu não era propriamente uma amiga, era uma posse. Ele era o meu dono, um dono sem espaço para meio termo. Ao me sentar, deitava-se ao meu lado o tempo quase todo. Sua cabeça repousava tranqüila em um dos meus pés. Quando não era a cabeça, era uma das patas. Não era para ter dúvidas: eu pertencia a ele, desde a hora da entrada, até a despedida. Leva-lo para o canil, quando eu estava lá, era quase uma injúria e ele reclamava disso a altos brados, quero dizer, a altos latidos e muitos ganidos. Melhor deixa-lo solto e ao meu lado. Aliás, no fundo, eu adorava o escândalo ele que fazia e solicitava “condescendente” (na verdade, suplicante), que ele ficasse por ali. Era mais confortável para todos e melhor para nós dois. Confesso que me agradava muito ter ao meu lado, como se fosse um gatinho, um “filhote de leão”.

Essas visitas, embora não freqüentes, povoam até hoje, com alegria, minhas lembranças. Até mesmo a última vez em que vi Radar foi gratificante, embora extremamente comovente.

Aconteceu que ele ficou gravemente doente. Câncer ósseo, sem cura. Cuidado com carinho e desvelo por seus donos, foi tratado para usufruir do melhor conforto durante a doença. Não me disseram nada, até bem perto do fim. Mas este, um dia, chegou, pois o veterinário aconselhou um término para a dor. Ele estava muito mal.

Eu estava sem ir lá há uns três meses e não sabia o que estava acontecendo, até que eles me ligaram e contaram, de uma vez só, toda a história. Senti uma facada no peito:

- Acho melhor você vir para se despedir, pois ele não consegue mais sequer se levantar e achamos que devemos dar um fim a esse sofrimento.

Fui no dia seguinte, não deixei para depois. Ao tocar a campainha, não fui saldada com os latidos de sempre. Ele deveria estar lá nos fundos. Ao abrir a porta me disseram que seria melhor eu me preparar, pois ele estava deitado e quieto, que eu me aproximasse devagar a falasse com ele.

Ao entrar na parte interna do jardim, vislumbrei seu vulto ao fundo. Sua cabeça levantou-se, ele, a custo, levantou-se e caminhou meio rastejante em minha direção. A cena, em si comovente, surpreendeu os donos e a mim. Corri para evitar que ele fizesse mais esforço. Meu ímpeto foi o de abraça-lo. Com certeza, não teria forças para reagir e evitar o movimento. Mas me contive. Quis respeitar seus princípios. Apenas afaguei-o e ele, imponente, empertigou-se. Magro, fraco, abatido, mas altaneiro. Foi assim que tiramos nossas fotos. Ele se sustentando em pé o mais que podia. E foi a última vez que se pôs em pé.


Enfim, deitou-se, colocou como sempre sua cabeça em um dos meus pés e não mais se levantou, mesmo na minha saída.

Ficamos ali, por muito tempo e conversamos muito. Eu lhe falei de todos os momentos incríveis que ele me proporcionou e ele me respondia, vez ou outra, com pequenos ganidos baixinhos, quase suspiros - doces, embora doloridos suspiros. Nós dois sabíamos que seria a última vez. Mas também sabíamos que seria eterno.

Lembro-me que se queixou quando me levantei para ir embora. Apoiou com mais força sua cabeça, tentando me reter ali. Ao mesmo tempo, sabíamos, ambos, que era esforço demasiado. E foi por isso que me despedi.

Afaguei-o com todo o carinho de uma vida a dois. Sua testa enorme na palma da minha mão. Seus olhos fechados internalizando o momento. Eu sabia. Ele sabia. Minhas lágrimas pingavam em sua face. Nós sabíamos.

Radar, meu querido, doce e meigo amigo, aquela estrela lá no céu, eu bem sei, te pertence. Sei reconhece-la onde quer que eu esteja...

domingo, 20 de novembro de 2011

FERNANDO DE NORONHA (2)


Como prometi, na semana passada, continuação do meu encantamento por Fernando de Noronha.

Entre os passeios que fiz, destaco o de barco. Este, fiz em excursão, pois seria a única forma de dar uma volta pela ilha pelo mar, com direito e um mergulhinho para ver peixes por ali. O barco tinha dois andares e o dono deixou bem claro que, em cima, só caberiam seis pessoas de cada vez e que poderíamos revezar. Éramos cerca de quinze pessoas e a vista, no segundo andar, era das melhores. Esperei que as pessoas resolvessem quem gostaria de ir, mas notei que todas, sem exceção, se esparramaram pelo piso de baixo, sem nenhuma intenção de subir. Conversavam, entre elas, animadamente, sobre suas aventuras de férias, sobre assuntos gerais e até sobre capítulos de novela, em alto e bom som. Notei que, na verdade, não estavam dando muita atenção à maravilhosa vista que se estendia por todos os lados. Não entendi nadinha o que eles estavam fazendo ali, mas não me fiz de rogada: me encarapitei no segundo piso e fiquei soberana da vista o tempo todo, desfrutando sozinha alguns dos recantos marítimos mais bonitos de nosso país.




Estava assim, embevecida com o lugar, quando o dono do barco, um marinheiro simpático, veio me fazer companhia. Brinquei com ele sobre minha soberania local e, ele, sorridente, disse que eu era uma exceção.


Geralmente, os turistas só pegavam o barco por causa do mergulho e para verem se tinham sorte de filmarem alguns golfinhos. Mas como ele notara que eu estava mesmo interessada pelo passeio, resolvera subir para me dar “umas lições sobre a ilha”.


Assim, de mão beijada, fui orientada a buscar os melhores recantos, onde ver o melhor por-do-sol e também a buscar um nativo para o tal passeio pelo mar, que já contei na semana passada.

Aproveitei e perguntei se valia a pena pegar a excursão para ver a entrada dos golfinhos na chamada enseada dos golfinhos, cuja propaganda, aliás, muito badalada, eu vira na portaria da pensão. A excursão saía às 4 horas da manhã e se dirigia para a enseada dos golfinhos, a 70 metros de altura sobre o mar, para esperar o cardume que deveria chegar às 5 horas. Não era permitido ir sem excursão, pois é zona protegida pelo IBAMA e cada dia conta com um número determinado de visitantes. A empresa responsável nos pegava nas pensões, já com o aval do IBAMA estabelecido para o dia e, depois, nos trazia de volta, às 7 da manhã. Os turistas tinham permissão para permanecerem no local das 5 às 6 horas. Após esse horário, o mirante era fechado para dar espaço aos pesquisadores. O preço era bem salgado e eu queria estar certa de que valeria a pena. Perguntei-lhe, portanto, se a 70 metros acima do mar, no mirante, poderíamos ter uma boa vista dos animais.

Nosso ilustre marinheiro, em sua simplicidade, apenas respondeu:

- Valer vale, se os golfinhos resolverem aparecer. Os pesquisadores dizem que eles entram entre cinco e seis da manhã, mas... a senhora sabe... os golfinhos não usam relógio nem para chegar, nem para ir embora...

Resolvi trocar, ali mesmo, meus planos de excursão ao mirante dos golfinhos pelo passeio pelo mar com um nativo, segundo as prescrições desse simpático marinheiro e não me arrependi, é claro... até porque uma grande e maravilhosa surpresa me esperava naquela tarde mesmo. Continuamos a conversar e perguntei se ele achava que este passeio nos brindaria com a vista de golfinhos. Ele disse que seria pouco provável, segundo os biólogos, pois já eram quase duas horas da tarde e eles dizem que os golfinhos voltavam para o mar alto lá pelas 13 horas... mas ele disse isso com um sorriso matreiro, logo acompanhado por mim.

E não deu outra... assim que o barco deu meia volta, meu novo amigo me alertou:

- Prepare sua máquina, vamos ter um belo espetáculo! Apontou para o horizonte. Eu, naturalmente, nada vi. Mas os olhos acostumados do pescador me sorriram e ele disse;

- Lá vem os golfinhos! Estão saindo agora.


Em seguida, alertou os demais turistas para que ficassem quietos. Seria a melhor maneira de manter os animais mais próximos do barco por mais tempo. O que se seguiu foi puro encantamento. Como ninguém subiu, continuei sozinha com o dono do barco que sussurrando em meu ouvido e apontando os lugares mais exatos com sua experiência, me permitiu antever onde os animais iriam aparecer e, portanto, tirar as melhores fotos. Cheguei a ter tempo de filmá-los, além das fotos e também de abandonar os apetrechos fotográficos para apenas admirar suas acrobacias. De brinde, como estava acima da linha direta do mar, pude ver, mais um pouco afastadas do barco, movimentos de tartarugas, aqui e ali, sempre sob a supervisão de tão gentil cavalheiro. Que presente!!!



Depois da visita de tão brilhantes e graciosas personagens marinhas, o barco parou e pudemos nos fartar com mergulhos com snorkel em pleno mar. Que coisa magnífica! Um mundo de encantamento e sedução. Eu já tinha visto, no dia anterior, um barco parado no mar com turistas nadando em volta. Mal sabia eu que seria uma dessas privilegiadas no dia seguinte.


Voltar desses passeios era garantir deliciosas visões em sonhos noturnos e o despertar visualizando peixes soltos no mar, como se fossem em um aquário gigantesco no interior da mente. Que maravilha! Depois de voltar ao Rio, acordei várias vezes com essa sensação pelo menos por uns 10 dias.




O sol tórrido era a única preocupação, mesmo para mim que adora o calor. Em dezembro é simplesmente escaldante e você não consegue transitar pela ilha sem muita proteção solar e tendo o corpo coberto por uma canga. Foi o que fiz, todo o tempo. Mesmo assim, voltei bem queimada, aliás, com uma cor belíssima.


Sair desse paraíso só mesmo com promessa de volta. E voltarei, estou bem certa, pois as sensações de descanso e paz nos marcam para sempre. Quem foi, sabe disso.

Ali, acompanhada de meu cicerone do mar, vi um belíssimo por-de-sol, de um recanto pouco conhecido pelos turistas, uma pedra a qual você chega, se embrenhando com cuidado pelas ruínas do forte. É preciso conhecer o caminho para chegar lá e ficar colada ao paredão para ver no ângulo certo.


Finalmente, na véspera de voltar, recebi meu último presente da natureza: estávamos em lua cheia. Eu queria ver a lua de uma das praias, já que a ilha não é iluminada a não ser em alguns pontos bem específicos, como o Bar do Cachorro, por exemplo. O pescador nativo prontificou-se a me levar e combinamos estar a postos logo depois da “escola”.

Assim que saí do centro cultural, lá estava ele a minha espera. Tomamos uma das vans e descemos no centro da cidade. De lá, fomos a pé. Achei estranho sermos os únicos. Pensei que seria óbvio que os visitantes quisessem ver a lua em praias, nos espaços magníficos da ilha, junto ao som natural do mar. Mas não: ou vão para o Bar do Cachorro ou talvez para a cama. O fato é que me vi completamente sozinha, na praia mais próxima do centro e, portanto, a mais accessível àquela hora da noite. Perguntei ao meu guia se as pessoas costumavam escolher outra praia. Ele apenas respondeu que não era hábito os turistas fazerem esse tipo de pedido. Ele mesmo não se lembrava de ter levado ninguém para esse tipo de passeio. Mas que eu ficasse tranqüila, a ilha era segura e ele estava comigo. Confesso que fiquei estarrecida. Como as pessoas, numa ilha paradisíaca como aquela, iriam preferir o Bar do Cachorro a curtir uma lua quase cheia enorme, refletida sobre a água, numa praia imensa, ao som do mar, sem luzes da cidade? Pois é... ninguém.

O guia postou-se no início da praia e me disse que eu poderia ficar quanto tempo quisesse. Ele estaria ali, a minha espera. Eu poderia caminhar sem susto pela areia, curtindo a lua como bem entendesse. Assim fiz e não me lembro de outro lugar ou outro momento em minha vida em que tivesse podido ficar entre o mar e a montanha, com o som das ondas calmas em meus ouvidos e a companhia daquela lua enorme, cheia de luz e de paz... esta foi a minha despedida dessa ilha colocada no meio do nada, nesse mundão dos meus deuses... uma ilha que fala por si mesma, por seu povo, por seu porte, por seu encantamento e aconchego.

Parti da ilha no dia seguinte. Na saída, ainda uma última delicadeza: ao acertar as contas com a dona da pensão, perguntei pela taxa extra por ter usado a cozinha do filho, incluindo o gás utilizado. A prestativa senhora apenas respondeu:

- Imagine, foi um prazer para nós. Eu nem sei como iria lhe cobrar isso! Que bobagem!

Não adiantou insistir. Notei que seria uma ofensa a sua hospitalidade. Agradeci, prometendo voltar. E, claro, como boa moça, não vou poder morrer sem cumprir a promessa...

sábado, 12 de novembro de 2011

FERNANDO DE NORONHA (1)


Andar pelas estradas da vida, sem eira nem beira, como quem não quer nada, querendo tudo. Foi o que me levou a Fernando de Noronha.

Tudo começou por causa de Dani, uma amiga que fora passar uma semana por lá com o marido. Veio literalmente enfeitiçada pela ilha. Não sabia descrevê-la, apenas dizia que eu teria de ir lá.

Fiquei com a informação na cabeça e marcar a passagem se deu sem que eu notasse. Caminhava para o consultório, algumas semanas depois e, quando me dei conta, estava dentro do loja da VARIG que existia perto do Copacabana Palace. Passava por lá no meu caminho e quando percebi, estava com a senha nas mãos. Ah, o inconsciente...

Já que estava ali, não me custava assuntar. Tinha milhas sobrando, a coisa era ver se havia voos para a época desejada, fazer a marcação e deixar a vida correr, se fosse o caso. Havia para quase oito meses depois, exatamente em pleno verão, consultório na baixa estação. Reservei as passagens e deixei os meses passarem tranquilamente. De vez em quando me lembrava das férias programadas.

Os meses passaram depressa, como acontece, principalmente, nas cidades grandes. Muito bulício, muitas coisas a fazer. Muito trabalho, felizmente. Mas dezembro chegou e com ele, o sol tórrido. Estávamos perto do Natal, época fantástica para sair da cidade e passar uns dias tranqüilos numa ilha qualquer.

Ilha qualquer? Eu não tinha a mínima idéia do encantamento que me esperava!!!

Naida, irmã da vida de anos e profunda conhecedora dos encantos da natureza brasileira, em suas viagens sem fim, me emprestou pés de pato, um snorkel e os óculos para mergulhos de superfície. Eu nunca tinha feito nenhum, mas ela me garantia que era só colocar o rosto na água que a natureza faria o resto, tal a sensação de encantamento que a vista sob a superfície me causaria. Enfiei os apetrechos na pequena mala, que só precisaria de roupas de banho, bermudas ou shorts, blusas de verão e, para conferir, um pequeno agasalho que só usei no avião.

Desembarquei na ilha, acolhida por uma espécie de “alfândega” para ingresso na natureza. O passaporte é uma taxa cobrada pelo governo federal para manutenção da ilha e também para limitar o número de turistas, com dia de chegada e partida, pois a ilha só suporta um número específico de visitantes por dia. Quanto mais tempo você fica, mais alta é a taxa, em progressão quase geométrica.

Uma boa medida é mesmo uma semana. Não é necessário mais do que isso para conhecer toda a ilha e curtir tudo o que se tem direito. Uma semana por vez, é claro, pois quem vai fica cativo do feitiço do lugar. Posso garantir isso aos amantes das belezas naturais, como eu.

Dani estava certíssima. Eu já estava encantada só no percurso da “alfândega” para a pensão. Quando fui, praticamente não havia hotéis ou eram mais do que caríssimos. Há um estímulo especial para que os visitantes fiquem em pousadas que são adaptações de antigas moradias do lugar. Assim, os nativos ganham seu sustento, diversificando atividades. As reservas tem de ser feitas antes da chegada e os donos das pensões nos vão buscar no aeroporto, assinando um termo de compromisso pela hospedagem. Se você não tem hospedagem previamente reservada, não entra.

Pois bem... lá estava eu, na Pensão da Tia Zete. Logo de saída a primeira delicadeza, tendo em vista minha dificuldade com a alimentação. A pensão oferecia o café da manhã e saí em busca de um lugar que me desse a alimentação adequada. Na época, não achei um lugar em que pudesse comer a meu modo por uma semana. Voltei para a pensão e a própria tia Zete me indicou supermercados e lugares onde poderia me alimentar com algo mais suave. Depois, imediatamente, mudou de idéia. Pediu que esperasse um minuto, embrenhou-se por dentro da pensão e voltou com uma chave. Colocou-a em minhas mãos e disse que pertencia à cozinha de seu filho, da casa quase ao lado. Eles estavam em Recife e eu poderia me servir da cozinha do casal para cozinhar minha própria comida, se quisesse. Melhor que isso, só se fosse igualzinho!


Nem sabia como agradecer, mas ela tratou o caso como a coisa mais natural do mundo. Então, eu mesma passei a fazer minha comidinha quentinha e gostosa a qualquer hora que chegasse, quando não quisesse comer na rua, tendo a chave da casa de seu filho nas mãos! Incrível.

Dali, me mandei para a aventura. E é aqui é que este conto empaca. Não dá para descrever. Não mesmo, sem as fotos que contem a história por si mesma. Na verdade, muitas vezes, elas são o texto, por cima e por dentro do mar:



Uma caminhada pela ilha de apenas 17 quilômetros foi feita, palmo a palmo, no decorrer da semana. Os dias foram exatamente iguais e totalmente diferentes, cada um. Descobri desde o primeiro momento que poderia fazer o que quisesse sozinha, entrando em uma ou duas excursões no máximo. O resto era só colocar o pé na estrada e andar. Os turistas começavam a aparecer nos passeios só depois das 9 horas. Se eu acordasse cedo, teria a ilha só para mim até essa hora, podendo caminhar sozinha pelas praias e recantos, aproveitando os sons da natureza sem o bulício das pessoas espantando os animais. Assim fiz, deixando que a paisagem, os animais e os sons naturais se misturassem comigo nas primeiras horas da manhã.




Depois, que aparecessem as pessoas, mas eu já tinha aproveitado boa parte do paraíso. Uma bolsa leve com o essencial e muita água me faziam voltar apenas ao entardecer.


O resto era curtição. Eu fui na época mais árida, sem flores e relva. E já achei linda!





De brinde, uma aula de ecologia, em plena medição rotineira de tartarugas por um cientista do IBAMA.



Na volta, um banho, uma boa comidinha e ir para o que comecei a chamar de “escola”, que começava exatamente às 20 horas, no centro cultural: um filme sobre a natureza da ilha e uma palestra de um dos pesquisadores do IBAMA. Naquele dia da foto da tartaruga, por coincidência, o palestrante era o mesmo das fotos acima.



Isso acabava às 22 horas. Depois disso, as vans nos levavam de volta à pensão ou... ao “Bar dos Cachorros” , assim chamado por estar perto da praia de mesmo nome, por conta dos inúmeros cachorros do lugar. Este bar era a única atividade noturna da cidade. Os turistas para lá se dirigiam para chopinhos, farrinhas e bagunças até a madrugada. Não tenho uma foto do bar, mas de um outro botequinho, onde se comia uma espécie de panqueca doce prá ninguém botar defeito. Só que todo mundo ia mesmo para o bar dos cachorros, que era a cara desse aí, só que na rua de baixo.


Para mim, o programa não estava combinando em nada com a proposta do lugar e, então, eu preferia mesmo me retirar, para acordar bem cedinho e recomeçar minhas excursões. Eu, que caminhara o dia todo, desde cedo, e disposta a aproveitar a ilha ao máximo, ia direto para a cama. Natural que já estivesse despertinha às 6 da manhã para mais uma aventura.

Esse desprendimento de excursões faz você viver melhor a cultura local. Você deixa de ser turista para entrar para a classe dos... “visitantes” . Aliás, fiz isso em todas as minhas viagens, quer no Brasil, quer no exterior. A vantagem é que você convive com as pessoas mais naturalmente e também com os lugares ficando mais ou menos de acordo com sua vontade, o que nem sempre é permitido a um simples turista que se coloca de passagem, geralmente, aos bandos. Nada contra quem prefere, mas esta minha opção me garantiu, sempre, umas vivências locais diferentes e interessantes.

No primeiro dia, por exemplo, andei tanto tanto tanto que, ao voltar para a pensão, na subida final e numa das inúmeras ladeiras, me senti completamente sem pernas. Esperei o primeiro ônibus e perguntei se passava perto da pensão. Foi quando descobri que havia só uma estrada, só uma linha, só dois ônibus: um indo e outro vindo. Não havia o que errar. Se você estiver na estrada, está no caminho certo, no decorrer dos únicos 17 quilômetros de extensão. Andei apenas dois pontos e, na hora de descer, ao pagar, ouvi a prenda:

- Por dois pontos? Como vou cobrar? Fica como carona! Bom descanso.

Coisas de cidade do interior!

Dali tive forças para atravessas a rua em busca de um dos únicos pontos de internet da cidade. Queria noticiar os amigos, dizendo que fizera boa viagem e estava tudo bem. Entrei e pedi uma ficha para conexão. Foi quando escutei uma deliciosa resposta:

- Chi, hoje o satélite está com preguiça, está tão lento que você vai gastar dinheiro à toa. Melhor voltar amanhã.

Pois é... que cidade grande faria isso?

Descobri bem depressa que o dinheiro local tinha uma peculiaridade. Quase tudo valia um “noronho”.

- Um “noronho”?

- É, dois reais... já notou que a nota traz a foto de nossa tartaruga marinha?


Não, eu não tinha notado, mas nunca mais me esqueci. E usei “noronhos” para cima e para baixo, durante toda a semana, completamente integrada ao jargão.


Numa das caminhadas, conheci um nativo. Um jovem pescador que logo se ofereceu para me levar para um bom mergulho no mar de dentro. Isso significa que você põe um snorkel, um pé de pato, óculos de proteção e praticamente caminha (a nado, naturalmente) por dentro do mar, com uma mão dada ao seu guia, olhando os peixes, com uma máquina à prova d’água na outra mão, completamente despreocupada de por onde está indo. Os nativos sabem muito bem os caminhos e levam você para ver as tartarugas, nadar atrás delas sem assustá-las,


ver pequenos filhotes de tubarões inofensivos e a mais variada fauna e flora marinha da região.




Quando ele me orientou com um gesto a olhar na superfície para ver onde estávamos, percebi que a praia estava a mais de um quilômetro de distância! Eu tinha nadado assim durante quase uma hora sem perceber! E mais: como voltar?

- Agora é fácil. Até aqui, eu tive de trazer você. Agora, a maré nos leva de volta!

Mas o que mais me chamou a atenção, neste passeio, foi que, ao sair da água, meu guia trazia, na mão supostamente livre, uma caixa vazia de suco, encontrada no mar. Eu tinha notado que, logo no início do passeio, ele a tinha colhido, mas não prestei mais atenção. A partir daí, no entanto, ele a levou por todo o percurso, uma das mãos ocupada comigo e a outra, levando o entulho até voltarmos para que ela fosse colocada numa cesta de lixo da praia. A conscientização dos moradores da ilha, no que se refere ao ecossistema é fantástica. Eles recolhem o lixo deixado pelos turistas onde quer que o encontrem e, sem uma palavra sequer, apenas o direcionam para as caixas de lixo locais. É mesmo incrível.

Mas está ficando longo demais. Conto o resto na semana que vem.

sábado, 5 de novembro de 2011

LEO


Já andei falando do tal anjo que me socorre nas horas mais inesperadas e também me apronta mil aventuras. Pois então, ele me apareceu para me tirar de um aperto que mal posso acreditar.

Tudo começou com um porteiro que tivemos, ou melhor, vigia da noite. Depois da aposentadoria do Geraldo, aquele tal do conto “O vigia”, muitos porteiros da noite rodaram pelo meu prédio. E um tal nordestino, cujo nome me esqueço, graças aos deuses, foi um deles.

Ocorre que o homem bebia. E muito. Dormia de roncar no sofá do fundo da portaria. E eu, que muitas vezes não tinha hora para chegar em casa, ficava presa do lado de fora, carro aberto, quase arrebentando a campainha para acordá-lo. Teve uma vez que precisei telefonar para um vizinho descer e abrir a porta para mim. Naquela época, tínhamos uma síndica muito condescendente. Vivia tendo pena do rapaz, tentando “ajeita-lo”. Descobri, mais tarde, que ele era parente de uma faxineira sua ou coisa assim e ela queria ajudar. Não tenho nada contra isso, pelo contrário, mas alcoolismo não é coisa que se ajeite colocando os moradores em risco. E conto por quê:

O homem era irritadiço. Além disso, mal educado e bem grosseiro, mesmo quando não estava bêbado. O edifício estava passando por um período complicado. Na verdade, faltava um mês para a assembléia geral e a síndica não queria convocar uma extraordinária para tratar de assuntos financeiros. Eu e mais outros moradores insistimos um pouco nisso, mas sem efeito. A maioria se acomodou. Bem, o fato é que o homem acumulava dois cargos: era faxineiro de dia e acumulava as folgas do vigia da noite, que eram duas, não me lembro mais por quê.

Um dia, meio alto, ele já tinha ameaçado uma moradora com uma vassoura. Eu fui com a moradora à síndica, dizendo que o menino podia ter jeito, mas não podia chegar a esse ponto. Ele estava ficando sem limites! A síndica benevolente, pediu que esperássemos pela assembléia. Não sei o que ela tinha para protege-lo, mas, temporariamente, aceitamos.

Na noite seguinte, cheguei tarde. Pelo vidro da porta, vi que ele estava estatelado no sofá, dormindo. Toquei várias vezes a campainha, bati com a chave na porta de vidro. Nada. A síndica acabara de se mudar para o prédio ao lado e eu não sabia qual era o seu número de telefone. Eram duas horas da manhã. Não iria acordar meu vizinho, outra vez. Já estava sem graça. Não tinha outros números para ligar e na rua não queria ficar. Bati continuamente e com força até que ele, estonteante, acordou. Levantou-se para abrir a porta da garagem. Entrei com o carro, bem irritada. Não era possível, deveria repreende-lo. Naquele dia e para sempre aprendi que não se repreende, não se fala, não se olha para quem está bêbado. Mas tive de aprender...

-(nome),você não pode chegar ao cúmulo de dormir e me deixar presa na rua!

O homem enfureceu-se e avançou em minha direção, dizendo mil palavrões e levantando a mão. Disse que tinha uma peixeira e ia enfiar em mim. Ele ia mesmo me bater! Não sei que forças ou que proteção eu tive. Só sei que coloquei o dedo em riste e apenas disse:

- Não se atreva a avançar. Você não sabe com quem está falando.

E entrei imediatamente no elevador que, felizmente, estava no térreo! Meu coração batia. Estava em pânico. Eu não sabia nem como eu tinha reagido, pois o que eu tinha dito não teria valor algum, diante de um homem naquele estado. Acho que ele reteve o passo apenas porque não esperava uma reação e eu aproveitara para escafeder-me pelo elevador, antes que ele, bamboleante, pudesse me alcançar.

Entrei em casa achando que iria ter um troço. Tranquei todas as portas com todas as trancas que eu tinha, com todos os ferrolhos. Mantive a sensação de estar sendo posta em perigo durante o resto de toda a noite. Não conseguia me imaginar saindo de casa nunca mais!

Esperei dar as 7 horas da manhã e liguei por interfone para o sobrinho da síndica, que também morava no prédio. Expliquei o caso em prantos e disse que precisava falar imediatamente com ela. Disse que não arredaria pé de casa. Sentia-me em perigo. Ele avisou a tia e desceu para minha casa para me fazer companhia. Ficou preocupado, pois eu estava mesmo em pânico. Conversamos um pouco, me acalmei. A tal síndica era casada com um advogado e foi ele quem me ligou, em seguida.

- Não saia de casa. Vamos falar com ele agora, dizendo que fizemos queixa na delegacia. Que ele fique muito atento e reze para que nada aconteça a você, pois qualquer coisa que aconteça, ele será o primeiro suspeito. Isso o assustará.

- Eu exijo que ele seja mandado embora! Me sinto em perigo. Não precisa ser por justa causa para ele não se enfurecer mais ainda e me pegar numa esquina qualquer. Mas não arredo pé da minha casa enquanto esse cara estiver trabalhando aqui! Tudo isso em prantos, você pode imaginar.

- Sim, já disse para (nome da síndica) que ele precisa ser afastado, imediatamente, sem cumprir aviso prévio. Ele estava muito bêbado, diz que não se lembra de ter feito isso.

- Seja como for, para mim, chega. Com assembléia ou sem, preciso chegar e sair de casa em segurança. Nem eu nem qualquer pessoa do prédio merece espancar a porta, à noite, para poder entrar em sua casa.


Eu tremia, não tinha como me controlar. Nunca tinha sido exposta a uma situação de tão tremenda ameaça.

- O homem ameaçou me furar com uma peixeira. Onde vocês acharam um sujeito dessa laia para contratar como funcionário? Vocês ignoraram que ele quase avançou com uma vassoura em outro morador, outro dia. É muito fácil por não morarem mais aqui. Vocês não estão correndo o risco que nós estamos!

Eu não costumava agir assim, mas estava mesmo em pânico. Não tinha coragem de sair de casa. Olhei pela janela, ele estava lá embaixo, de papo com os colegas. Soube, depois, que contava vantagem, metido a dono do mundo.

Fiquei em casa, avisei à Universidade que não iria naquele dia. Precisava me acalmar.

Às duas horas da tarde, o interfone tocou.

- O Sr. Leonardo está aqui.

- Pode subir.


Eu até tinha me esquecido. Era o corretor de seguros do meu carro. Tínhamos ficado amigos. Na primeira vez que o vira, ele era o mensageiro de uma firma de seguros e trazia os contratos. Olhei-o de terno, tão compenetrado que havia dito: você vai subir, menino, terá sua própria firma.

- Tomara, luto por isso.

E foi o que aconteceu. Em três anos, ele estava bancando a corretagem. Hoje, tem sua própria firma, com credenciais e tudo. Brincamos sobre o primeiro encontro, cada vez que nos falamos. Muitas vezes, nos primeiros anos de firma, era ele mesmo que vinha trazer os contratos, tomar um café, curtirmos seu sucesso. Hoje em dia, é tudo automático, via internet, não se visitam mais os clientes. Modernidades... mas, naquela época, ele ainda vinha em casa.

Abri a porta para o Leo. De terno, pasta, compenetrado. Entrou e me viu consternada. Tomamos um café juntos e foi ótimo conversar com ele. Teve a paciência de ficar por mais tempo, me fazendo companhia. Me disse que planejava vir no final da semana, mas deu na veneta e decidiu, de repente, vir naquele dia mesmo e resolver logo esse contrato. Que bom, pois acabou por me ajudar e me confortar. Na verdade, até então, eu não estava tendo idéia de que isso já era uma artimanha bem montada do meu anjo da guarda...

Leo saiu. Mais uma hora ou duas, um dos porteiros tocou a campainha. Queria que eu repensasse o caso do tal funcionário, que ele tinha perdido a cabeça, mas que estava muito arrependido. Não precisava ter chamado um advogado, ele não faria mais nada contra mim.

Foi aí que reconheci o anjo. Leo estava vestido de tal forma e ficara tanto tempo comigo que todos pensaram que ele era um a advogado e que eu estava tomando providências jurídicas. Sorri por dentro e, imediatamente, agradeci ao meu protetor de asas. Por fora, mantive a pose:

- Sim, tomei as providências necessárias. Não sei o que ele contou para vocês, mas sei que andou se gabando. O que ele fez foi imperdoável (e vomitei todos os palavrões que ouvi – pode imaginar a cara do porteiro me ouvindo repetir os palavrões?) e não dá para deixar como está a não ser que ele suma daqui e eu não o veja nem de longe, nem na outra esquina.

- Pode deixar, ele vai sumir daqui sim senhora. Vou dizer isso a ele agora mesmo.

- Então tá, vou deixar minhas providências em suspenso, mas darei prosseguimento caso o veja em qualquer momento ou me sinta ameaçada.


Liguei para o Leo. Contei o que se tinha passado. Rimos, juntos, ao telefone. Ele ficou feliz por ter ajudado alguém que tinha torcido tanto por ele. Prontificou-se a dar uma de advogado, de novo, se precisasse. Não foi preciso. Mas ter amigos assim, enfeita a vida! Leo é uma parte linda de minhas aventuras. Alguém que sempre faz sorrir meu coração. Um menino que se transformou em homem, casou-se, teve filhos, criou sua própria empresa, e soube preservar a alma de quem sabe viver a vida e conservar seus principais valores, entre eles, o da amizade.

Nunca mais vi o tal homem. Mas não me atrevia a sair à noite. Um mês depois, soube que ele tinha pegado o dinheiro da demissão e voltado para o nordeste. Fiz uma noitada por conta e a vida voltou ao normal.

Volta e meia, sempre agradeço ao tal anjo que me apronta aventuras e me resguarda de intempéries. E agradeço ao Leo, por ter sido o mensageiro de minha segurança.