domingo, 20 de novembro de 2011

FERNANDO DE NORONHA (2)


Como prometi, na semana passada, continuação do meu encantamento por Fernando de Noronha.

Entre os passeios que fiz, destaco o de barco. Este, fiz em excursão, pois seria a única forma de dar uma volta pela ilha pelo mar, com direito e um mergulhinho para ver peixes por ali. O barco tinha dois andares e o dono deixou bem claro que, em cima, só caberiam seis pessoas de cada vez e que poderíamos revezar. Éramos cerca de quinze pessoas e a vista, no segundo andar, era das melhores. Esperei que as pessoas resolvessem quem gostaria de ir, mas notei que todas, sem exceção, se esparramaram pelo piso de baixo, sem nenhuma intenção de subir. Conversavam, entre elas, animadamente, sobre suas aventuras de férias, sobre assuntos gerais e até sobre capítulos de novela, em alto e bom som. Notei que, na verdade, não estavam dando muita atenção à maravilhosa vista que se estendia por todos os lados. Não entendi nadinha o que eles estavam fazendo ali, mas não me fiz de rogada: me encarapitei no segundo piso e fiquei soberana da vista o tempo todo, desfrutando sozinha alguns dos recantos marítimos mais bonitos de nosso país.




Estava assim, embevecida com o lugar, quando o dono do barco, um marinheiro simpático, veio me fazer companhia. Brinquei com ele sobre minha soberania local e, ele, sorridente, disse que eu era uma exceção.


Geralmente, os turistas só pegavam o barco por causa do mergulho e para verem se tinham sorte de filmarem alguns golfinhos. Mas como ele notara que eu estava mesmo interessada pelo passeio, resolvera subir para me dar “umas lições sobre a ilha”.


Assim, de mão beijada, fui orientada a buscar os melhores recantos, onde ver o melhor por-do-sol e também a buscar um nativo para o tal passeio pelo mar, que já contei na semana passada.

Aproveitei e perguntei se valia a pena pegar a excursão para ver a entrada dos golfinhos na chamada enseada dos golfinhos, cuja propaganda, aliás, muito badalada, eu vira na portaria da pensão. A excursão saía às 4 horas da manhã e se dirigia para a enseada dos golfinhos, a 70 metros de altura sobre o mar, para esperar o cardume que deveria chegar às 5 horas. Não era permitido ir sem excursão, pois é zona protegida pelo IBAMA e cada dia conta com um número determinado de visitantes. A empresa responsável nos pegava nas pensões, já com o aval do IBAMA estabelecido para o dia e, depois, nos trazia de volta, às 7 da manhã. Os turistas tinham permissão para permanecerem no local das 5 às 6 horas. Após esse horário, o mirante era fechado para dar espaço aos pesquisadores. O preço era bem salgado e eu queria estar certa de que valeria a pena. Perguntei-lhe, portanto, se a 70 metros acima do mar, no mirante, poderíamos ter uma boa vista dos animais.

Nosso ilustre marinheiro, em sua simplicidade, apenas respondeu:

- Valer vale, se os golfinhos resolverem aparecer. Os pesquisadores dizem que eles entram entre cinco e seis da manhã, mas... a senhora sabe... os golfinhos não usam relógio nem para chegar, nem para ir embora...

Resolvi trocar, ali mesmo, meus planos de excursão ao mirante dos golfinhos pelo passeio pelo mar com um nativo, segundo as prescrições desse simpático marinheiro e não me arrependi, é claro... até porque uma grande e maravilhosa surpresa me esperava naquela tarde mesmo. Continuamos a conversar e perguntei se ele achava que este passeio nos brindaria com a vista de golfinhos. Ele disse que seria pouco provável, segundo os biólogos, pois já eram quase duas horas da tarde e eles dizem que os golfinhos voltavam para o mar alto lá pelas 13 horas... mas ele disse isso com um sorriso matreiro, logo acompanhado por mim.

E não deu outra... assim que o barco deu meia volta, meu novo amigo me alertou:

- Prepare sua máquina, vamos ter um belo espetáculo! Apontou para o horizonte. Eu, naturalmente, nada vi. Mas os olhos acostumados do pescador me sorriram e ele disse;

- Lá vem os golfinhos! Estão saindo agora.


Em seguida, alertou os demais turistas para que ficassem quietos. Seria a melhor maneira de manter os animais mais próximos do barco por mais tempo. O que se seguiu foi puro encantamento. Como ninguém subiu, continuei sozinha com o dono do barco que sussurrando em meu ouvido e apontando os lugares mais exatos com sua experiência, me permitiu antever onde os animais iriam aparecer e, portanto, tirar as melhores fotos. Cheguei a ter tempo de filmá-los, além das fotos e também de abandonar os apetrechos fotográficos para apenas admirar suas acrobacias. De brinde, como estava acima da linha direta do mar, pude ver, mais um pouco afastadas do barco, movimentos de tartarugas, aqui e ali, sempre sob a supervisão de tão gentil cavalheiro. Que presente!!!



Depois da visita de tão brilhantes e graciosas personagens marinhas, o barco parou e pudemos nos fartar com mergulhos com snorkel em pleno mar. Que coisa magnífica! Um mundo de encantamento e sedução. Eu já tinha visto, no dia anterior, um barco parado no mar com turistas nadando em volta. Mal sabia eu que seria uma dessas privilegiadas no dia seguinte.


Voltar desses passeios era garantir deliciosas visões em sonhos noturnos e o despertar visualizando peixes soltos no mar, como se fossem em um aquário gigantesco no interior da mente. Que maravilha! Depois de voltar ao Rio, acordei várias vezes com essa sensação pelo menos por uns 10 dias.




O sol tórrido era a única preocupação, mesmo para mim que adora o calor. Em dezembro é simplesmente escaldante e você não consegue transitar pela ilha sem muita proteção solar e tendo o corpo coberto por uma canga. Foi o que fiz, todo o tempo. Mesmo assim, voltei bem queimada, aliás, com uma cor belíssima.


Sair desse paraíso só mesmo com promessa de volta. E voltarei, estou bem certa, pois as sensações de descanso e paz nos marcam para sempre. Quem foi, sabe disso.

Ali, acompanhada de meu cicerone do mar, vi um belíssimo por-de-sol, de um recanto pouco conhecido pelos turistas, uma pedra a qual você chega, se embrenhando com cuidado pelas ruínas do forte. É preciso conhecer o caminho para chegar lá e ficar colada ao paredão para ver no ângulo certo.


Finalmente, na véspera de voltar, recebi meu último presente da natureza: estávamos em lua cheia. Eu queria ver a lua de uma das praias, já que a ilha não é iluminada a não ser em alguns pontos bem específicos, como o Bar do Cachorro, por exemplo. O pescador nativo prontificou-se a me levar e combinamos estar a postos logo depois da “escola”.

Assim que saí do centro cultural, lá estava ele a minha espera. Tomamos uma das vans e descemos no centro da cidade. De lá, fomos a pé. Achei estranho sermos os únicos. Pensei que seria óbvio que os visitantes quisessem ver a lua em praias, nos espaços magníficos da ilha, junto ao som natural do mar. Mas não: ou vão para o Bar do Cachorro ou talvez para a cama. O fato é que me vi completamente sozinha, na praia mais próxima do centro e, portanto, a mais accessível àquela hora da noite. Perguntei ao meu guia se as pessoas costumavam escolher outra praia. Ele apenas respondeu que não era hábito os turistas fazerem esse tipo de pedido. Ele mesmo não se lembrava de ter levado ninguém para esse tipo de passeio. Mas que eu ficasse tranqüila, a ilha era segura e ele estava comigo. Confesso que fiquei estarrecida. Como as pessoas, numa ilha paradisíaca como aquela, iriam preferir o Bar do Cachorro a curtir uma lua quase cheia enorme, refletida sobre a água, numa praia imensa, ao som do mar, sem luzes da cidade? Pois é... ninguém.

O guia postou-se no início da praia e me disse que eu poderia ficar quanto tempo quisesse. Ele estaria ali, a minha espera. Eu poderia caminhar sem susto pela areia, curtindo a lua como bem entendesse. Assim fiz e não me lembro de outro lugar ou outro momento em minha vida em que tivesse podido ficar entre o mar e a montanha, com o som das ondas calmas em meus ouvidos e a companhia daquela lua enorme, cheia de luz e de paz... esta foi a minha despedida dessa ilha colocada no meio do nada, nesse mundão dos meus deuses... uma ilha que fala por si mesma, por seu povo, por seu porte, por seu encantamento e aconchego.

Parti da ilha no dia seguinte. Na saída, ainda uma última delicadeza: ao acertar as contas com a dona da pensão, perguntei pela taxa extra por ter usado a cozinha do filho, incluindo o gás utilizado. A prestativa senhora apenas respondeu:

- Imagine, foi um prazer para nós. Eu nem sei como iria lhe cobrar isso! Que bobagem!

Não adiantou insistir. Notei que seria uma ofensa a sua hospitalidade. Agradeci, prometendo voltar. E, claro, como boa moça, não vou poder morrer sem cumprir a promessa...

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