sábado, 12 de novembro de 2011

FERNANDO DE NORONHA (1)


Andar pelas estradas da vida, sem eira nem beira, como quem não quer nada, querendo tudo. Foi o que me levou a Fernando de Noronha.

Tudo começou por causa de Dani, uma amiga que fora passar uma semana por lá com o marido. Veio literalmente enfeitiçada pela ilha. Não sabia descrevê-la, apenas dizia que eu teria de ir lá.

Fiquei com a informação na cabeça e marcar a passagem se deu sem que eu notasse. Caminhava para o consultório, algumas semanas depois e, quando me dei conta, estava dentro do loja da VARIG que existia perto do Copacabana Palace. Passava por lá no meu caminho e quando percebi, estava com a senha nas mãos. Ah, o inconsciente...

Já que estava ali, não me custava assuntar. Tinha milhas sobrando, a coisa era ver se havia voos para a época desejada, fazer a marcação e deixar a vida correr, se fosse o caso. Havia para quase oito meses depois, exatamente em pleno verão, consultório na baixa estação. Reservei as passagens e deixei os meses passarem tranquilamente. De vez em quando me lembrava das férias programadas.

Os meses passaram depressa, como acontece, principalmente, nas cidades grandes. Muito bulício, muitas coisas a fazer. Muito trabalho, felizmente. Mas dezembro chegou e com ele, o sol tórrido. Estávamos perto do Natal, época fantástica para sair da cidade e passar uns dias tranqüilos numa ilha qualquer.

Ilha qualquer? Eu não tinha a mínima idéia do encantamento que me esperava!!!

Naida, irmã da vida de anos e profunda conhecedora dos encantos da natureza brasileira, em suas viagens sem fim, me emprestou pés de pato, um snorkel e os óculos para mergulhos de superfície. Eu nunca tinha feito nenhum, mas ela me garantia que era só colocar o rosto na água que a natureza faria o resto, tal a sensação de encantamento que a vista sob a superfície me causaria. Enfiei os apetrechos na pequena mala, que só precisaria de roupas de banho, bermudas ou shorts, blusas de verão e, para conferir, um pequeno agasalho que só usei no avião.

Desembarquei na ilha, acolhida por uma espécie de “alfândega” para ingresso na natureza. O passaporte é uma taxa cobrada pelo governo federal para manutenção da ilha e também para limitar o número de turistas, com dia de chegada e partida, pois a ilha só suporta um número específico de visitantes por dia. Quanto mais tempo você fica, mais alta é a taxa, em progressão quase geométrica.

Uma boa medida é mesmo uma semana. Não é necessário mais do que isso para conhecer toda a ilha e curtir tudo o que se tem direito. Uma semana por vez, é claro, pois quem vai fica cativo do feitiço do lugar. Posso garantir isso aos amantes das belezas naturais, como eu.

Dani estava certíssima. Eu já estava encantada só no percurso da “alfândega” para a pensão. Quando fui, praticamente não havia hotéis ou eram mais do que caríssimos. Há um estímulo especial para que os visitantes fiquem em pousadas que são adaptações de antigas moradias do lugar. Assim, os nativos ganham seu sustento, diversificando atividades. As reservas tem de ser feitas antes da chegada e os donos das pensões nos vão buscar no aeroporto, assinando um termo de compromisso pela hospedagem. Se você não tem hospedagem previamente reservada, não entra.

Pois bem... lá estava eu, na Pensão da Tia Zete. Logo de saída a primeira delicadeza, tendo em vista minha dificuldade com a alimentação. A pensão oferecia o café da manhã e saí em busca de um lugar que me desse a alimentação adequada. Na época, não achei um lugar em que pudesse comer a meu modo por uma semana. Voltei para a pensão e a própria tia Zete me indicou supermercados e lugares onde poderia me alimentar com algo mais suave. Depois, imediatamente, mudou de idéia. Pediu que esperasse um minuto, embrenhou-se por dentro da pensão e voltou com uma chave. Colocou-a em minhas mãos e disse que pertencia à cozinha de seu filho, da casa quase ao lado. Eles estavam em Recife e eu poderia me servir da cozinha do casal para cozinhar minha própria comida, se quisesse. Melhor que isso, só se fosse igualzinho!


Nem sabia como agradecer, mas ela tratou o caso como a coisa mais natural do mundo. Então, eu mesma passei a fazer minha comidinha quentinha e gostosa a qualquer hora que chegasse, quando não quisesse comer na rua, tendo a chave da casa de seu filho nas mãos! Incrível.

Dali, me mandei para a aventura. E é aqui é que este conto empaca. Não dá para descrever. Não mesmo, sem as fotos que contem a história por si mesma. Na verdade, muitas vezes, elas são o texto, por cima e por dentro do mar:



Uma caminhada pela ilha de apenas 17 quilômetros foi feita, palmo a palmo, no decorrer da semana. Os dias foram exatamente iguais e totalmente diferentes, cada um. Descobri desde o primeiro momento que poderia fazer o que quisesse sozinha, entrando em uma ou duas excursões no máximo. O resto era só colocar o pé na estrada e andar. Os turistas começavam a aparecer nos passeios só depois das 9 horas. Se eu acordasse cedo, teria a ilha só para mim até essa hora, podendo caminhar sozinha pelas praias e recantos, aproveitando os sons da natureza sem o bulício das pessoas espantando os animais. Assim fiz, deixando que a paisagem, os animais e os sons naturais se misturassem comigo nas primeiras horas da manhã.




Depois, que aparecessem as pessoas, mas eu já tinha aproveitado boa parte do paraíso. Uma bolsa leve com o essencial e muita água me faziam voltar apenas ao entardecer.


O resto era curtição. Eu fui na época mais árida, sem flores e relva. E já achei linda!





De brinde, uma aula de ecologia, em plena medição rotineira de tartarugas por um cientista do IBAMA.



Na volta, um banho, uma boa comidinha e ir para o que comecei a chamar de “escola”, que começava exatamente às 20 horas, no centro cultural: um filme sobre a natureza da ilha e uma palestra de um dos pesquisadores do IBAMA. Naquele dia da foto da tartaruga, por coincidência, o palestrante era o mesmo das fotos acima.



Isso acabava às 22 horas. Depois disso, as vans nos levavam de volta à pensão ou... ao “Bar dos Cachorros” , assim chamado por estar perto da praia de mesmo nome, por conta dos inúmeros cachorros do lugar. Este bar era a única atividade noturna da cidade. Os turistas para lá se dirigiam para chopinhos, farrinhas e bagunças até a madrugada. Não tenho uma foto do bar, mas de um outro botequinho, onde se comia uma espécie de panqueca doce prá ninguém botar defeito. Só que todo mundo ia mesmo para o bar dos cachorros, que era a cara desse aí, só que na rua de baixo.


Para mim, o programa não estava combinando em nada com a proposta do lugar e, então, eu preferia mesmo me retirar, para acordar bem cedinho e recomeçar minhas excursões. Eu, que caminhara o dia todo, desde cedo, e disposta a aproveitar a ilha ao máximo, ia direto para a cama. Natural que já estivesse despertinha às 6 da manhã para mais uma aventura.

Esse desprendimento de excursões faz você viver melhor a cultura local. Você deixa de ser turista para entrar para a classe dos... “visitantes” . Aliás, fiz isso em todas as minhas viagens, quer no Brasil, quer no exterior. A vantagem é que você convive com as pessoas mais naturalmente e também com os lugares ficando mais ou menos de acordo com sua vontade, o que nem sempre é permitido a um simples turista que se coloca de passagem, geralmente, aos bandos. Nada contra quem prefere, mas esta minha opção me garantiu, sempre, umas vivências locais diferentes e interessantes.

No primeiro dia, por exemplo, andei tanto tanto tanto que, ao voltar para a pensão, na subida final e numa das inúmeras ladeiras, me senti completamente sem pernas. Esperei o primeiro ônibus e perguntei se passava perto da pensão. Foi quando descobri que havia só uma estrada, só uma linha, só dois ônibus: um indo e outro vindo. Não havia o que errar. Se você estiver na estrada, está no caminho certo, no decorrer dos únicos 17 quilômetros de extensão. Andei apenas dois pontos e, na hora de descer, ao pagar, ouvi a prenda:

- Por dois pontos? Como vou cobrar? Fica como carona! Bom descanso.

Coisas de cidade do interior!

Dali tive forças para atravessas a rua em busca de um dos únicos pontos de internet da cidade. Queria noticiar os amigos, dizendo que fizera boa viagem e estava tudo bem. Entrei e pedi uma ficha para conexão. Foi quando escutei uma deliciosa resposta:

- Chi, hoje o satélite está com preguiça, está tão lento que você vai gastar dinheiro à toa. Melhor voltar amanhã.

Pois é... que cidade grande faria isso?

Descobri bem depressa que o dinheiro local tinha uma peculiaridade. Quase tudo valia um “noronho”.

- Um “noronho”?

- É, dois reais... já notou que a nota traz a foto de nossa tartaruga marinha?


Não, eu não tinha notado, mas nunca mais me esqueci. E usei “noronhos” para cima e para baixo, durante toda a semana, completamente integrada ao jargão.


Numa das caminhadas, conheci um nativo. Um jovem pescador que logo se ofereceu para me levar para um bom mergulho no mar de dentro. Isso significa que você põe um snorkel, um pé de pato, óculos de proteção e praticamente caminha (a nado, naturalmente) por dentro do mar, com uma mão dada ao seu guia, olhando os peixes, com uma máquina à prova d’água na outra mão, completamente despreocupada de por onde está indo. Os nativos sabem muito bem os caminhos e levam você para ver as tartarugas, nadar atrás delas sem assustá-las,


ver pequenos filhotes de tubarões inofensivos e a mais variada fauna e flora marinha da região.




Quando ele me orientou com um gesto a olhar na superfície para ver onde estávamos, percebi que a praia estava a mais de um quilômetro de distância! Eu tinha nadado assim durante quase uma hora sem perceber! E mais: como voltar?

- Agora é fácil. Até aqui, eu tive de trazer você. Agora, a maré nos leva de volta!

Mas o que mais me chamou a atenção, neste passeio, foi que, ao sair da água, meu guia trazia, na mão supostamente livre, uma caixa vazia de suco, encontrada no mar. Eu tinha notado que, logo no início do passeio, ele a tinha colhido, mas não prestei mais atenção. A partir daí, no entanto, ele a levou por todo o percurso, uma das mãos ocupada comigo e a outra, levando o entulho até voltarmos para que ela fosse colocada numa cesta de lixo da praia. A conscientização dos moradores da ilha, no que se refere ao ecossistema é fantástica. Eles recolhem o lixo deixado pelos turistas onde quer que o encontrem e, sem uma palavra sequer, apenas o direcionam para as caixas de lixo locais. É mesmo incrível.

Mas está ficando longo demais. Conto o resto na semana que vem.

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu tb estive na ilha, minha querida. Realmente ela é fantástica! E gostei da tua ideia de cozinhar vc mesma as suas refeições: não dei muita sorte com a alimentação em Fernando de Noronha, pois a comida não era gostosa. Mas, de qualquer modo, era mais gostosa do que a que eu poderia ter feito para mim ... rsrsrs bjs, décio