sábado, 31 de maio de 2014

63



Gosto dos múltiplos de três. Aliás, o três me persegue desde pequena. Tudo meu acabava em três.  Eu adorava quando o três aparecia em minha vida e, talvez por isso mesmo, ele acaba aparecendo muito, mesmo sem que eu vá atrás dele.

Só para ter uma ideia, considerando as coisas concretas, o número do meu prédio é múltiplo de três, o número do meu apto idem. O número da sala do meu consultório, quando me dei conta, vi que era 1227. Idem a placa do carro. Não escolhi nada disso... mas o três vive enfeitando minha vida. E me traz sorte.

Assim, fazer 63 anos é uma festa de três. É bem-vindo e, com saúde, melhor ainda!...

Elegi o dia para passear muito, visitando lugares do Rio que amo tanto. E a Cascatinha da Tijuca é o meu lugar preferido! Nós nos apresentamos quando eu tinha uns três anos de idade e meu pai me levava para visitar a Floresta da Tijuca. Não consigo me lembrar de minha vida sem essa cascatinha. Quando entrei para o colégio, eu a via sempre, pois ela fica a apenas uns 500 metros de distância. Era quase um passeio semanal. Depois, adulta e morando na zona sul, distante uma meia hora de carro, continuei sempre indo vê-la. Acho que temos uma cumplicidade materno-filial. Ela sabe da minha vida mais do que qualquer gente que conheço, mesmo os mais íntimos, já que me acompanhou desde bem pequenininha, quando eu mal sabia correr em sua direção.

Agora, aos sessenta e três, fico feliz em visitá-la, ver que as pessoas que amamos passam, mas ela fica. É como se o espaço de segurança estivesse sempre ali, ao meu alcance. Então, no dia do meu aniversário, fui conversar com ela e fiquei bem feliz de poder apresentar minhas primeiras rugas a essa mãe sempre presente em minha vida.



Eu a conheço vestida das mais variadas formas: pujante e cheia, no período das chuvas e discreta como agora, nesta estiagem. É sempre linda e cheia de delicadezas, enfeitando-se a sua volta com copos-de-leite, avencas, flores silvestres, mudando sua aparência a cada época do ano.

Como ela, percebo minhas metamorfoses físicas e psíquicas no decorrer dessa jornada. É bom crescer, amadurecer, envelhecer. É bom ver que o corpo muda, mas é melhor ainda ver que a alma muda. Para o bem e para o mal, é bom saber que não estou estática, vazia, igual, que sou outra, continuando a mesma, que sou uma e várias, que me busco a cada passo, que me refaço e desfaço,  que "me acerto" e que "me erro" e que me reconstruo e desconstruo... que sei que vivo... que não passo em vão.

É bom fazer 63. Lembro-me que pensei em 63 quando fiz 36. E lembro-me de que me perguntei como eu estaria... se "estaria". Agora, eu sei. Também me fiz essa pergunta quando fiz 39. Vou deixar que a vida me conte...

Por enquanto, aproveitei meu dia de 63, visitando minha mãe natural, em sua água translúcida e pura. É sempre translúcida e pura. Que a floresta a guarde assim!...

De presente de aniversário, ganhei uma lua cheia também. Corri no final da tarde para pegá-la em sua ascensão... mas ela, manhosa e cheia de dengos, não quis se mostrar a mim em seu despenteado acordar. Escondeu-se atrás das nuvens e só me apareceu já madura, adulta e plena. Acho que como a aniversariante...



Muito linda. Lua de maio. O Grande Wesak...

Não agradeço à vida por ter chegado até aqui. Agradeço por ter chegado aqui desta forma, com todos os revezes, todos os percalços e também todas as coisas belas e magníficas que os olhos de minha alma puderam ver e viver.

E, como o três me traz muita sorte, que venha com seus ensinamentos e surpresas. Estou pronta.  

sexta-feira, 23 de maio de 2014

LÁ VOU EU DE NOVO...



Estava completamente convencida de que já tinha feito a minha parte.

Minha luta, quando necessário, há muito tempo passou a restringir-se à palavra escrita, às postagens semanais.

Achei que não teria mais "pernas mentais" para ir a manifestações, a encontros com políticos, participar de greves...

Não são as pernas físicas, felizmente ainda bem saudáveis. São as "pernas mentais".

Já fiz muito disso tudo, mesmo quando o temor avassalava minhas veias. O brio me impelia a ir a cada vez que a necessidade de luta se fazia. Assembleias, passeatas em frente ao palácio do governo...

Assim, pensei que tinha cumprido o meu papel. Se você leu "A saga", sabe do que estou falando.

Mas acabei indo, na semana passada, na onda do grupo dos aposentados, para falar, de novo, com os deputados sobre nossas condições como professores.

Uma professora amiga e eu nos encontramos no metrô e fomos juntas, em mais um esforço de luta. 

Confesso que pensei que se resumiria a isso, pois passeatas, manifestações já não combinam muito mais comigo... ou achei que não combinassem... no já apertadíssimo tempo de minha nova vida.

Juntou-se a nós um querido amigo, ainda na ativa.  Esse meu irmão bravo e guerreiro, esteve e está sempre presente, até hoje, em todas as manifestações, reuniões da Associação de Docentes, intervenções que oferecem ou exigem um espaço de política acadêmica. 

Como foi bom revê-lo!... aliás, este é um contato que sempre me negarei a perder e nos encontramos, vez por outra, quer em jantares gostosos de boas gargalhadas e conversas sérias, quer via mails ou papos telefônicos. Para nós, sempre haverá um tempo disponível, resultado de uma cumplicidade de acadêmicos, antes comprometidos com nosso trabalho sempre em dupla e... agora... espontaneamente comprometidos com nossa verdadeira amizade.

Enfim, às 14 horas, nos reunimos na calçada ao lado da Assembleia Legislativa, para as orientações de praxe, vindas do diretor da Associação de Docentes da Universidade, representada por um jovem professor que logo reconheci como um de meus ex-alunos.

No meio de nós, aposentados, aquele jovem de seus trinta anos (terá?), ar tranquilo e resoluto de quem sabe como luta, nos sorria.

Reconheceu-me, dirigiu-se a mim gentilmente, com olhos misturados de  "alunice", "coleguice" e cumplicidade.  Minha emoção começou ali mesmo.

Sempre acreditei na nova geração. Mas nunca a tinha presenciado desta forma tão segura e firme, tão sabendo o que quer, tendo passado, um dia, pelas minhas mãos!

E enquanto eu saboreava essa mistura de emoções como antiga mestre e atual colega, ele, em pé ao meu lado, distribuía tarefas, envelopes com documentos, apontava direções.

Voz  sensata e calma, discurso limpo. Uma sensação tão forte e gostosa, que não resisti. Quando ele acabou de falar, passei meu braço em sua cintura e falei meio engasgada, me dirigindo a todos: 

- Nossa! Meu ex-aluno!  

Meus colegas aposentados entenderam imediatamente o significado de tanta emoção. E quando levantei meus olhos úmidos em sua direção, encontrei os dele, tranquilos, seguros, úmidos e emocionados também.

E, claro, uma chama antiga de esperança e fé, depois de tanto tempo, renasceu em meu coração. 

- Ok, meu jovem, agora é a sua vez. Volto, para aprender com você.                               

sábado, 10 de maio de 2014

MÃE?

 
Dia das mães.
 
Por si, me parece um absurdo, muito mais um apelo comercial do que qualquer outra coisa. Começamos com o Natal, emendamos com a Páscoa, dia das Mães, dia dos Namorados, dia dos Pais. E presente é obrigatório. Haja comércio! Presentes concretos para conceitos abstratos.
 
Muitas vezes, presente caro para amor barato...
 
Posso dizer de cadeira. Fui boa filha. Nem é essa a questão. Cumpri meu posto de filha até os últimos dias. Durmo tranquila. É por isso que penso que dia da mãe são todos os dias. É quando ela precisa de nós, principalmente na velhice. Não tem um dia determinado, o dia em que se vai ver a mãe porque é dia dela. Melhor seria, então, não ir nunca mesmo, pois ir uma vez por ano ultrapassa o nível da falsidade.
 
Não sou mãe biológica de ninguém. Infelizmente, o casamento que tive não me brindou com esse presente. Mas sou mãe. Mãe de muitas pessoas, mãe de livros, de projetos acadêmicos, já fui mãe até de bicho...
 
Mas... ainda não é o que importa. Comecei o texto pensando no conceito de mãe. E pintam comercialmente, socialmente e tradicionalmente como se mãe fosse um ente sagrado de amor pleno e sem limites, e que tem um dia próprio para ser homenageada por causa disso. Me soa até engraçado, como se gratidão tivesse dia e hora marcada para se manifestar e como se todas merecessem o posto que tem.
 
Na realidade, penso que não é nada disso e, no fundo, todo mundo sabe ou deveria saber. Ser mãe de verdade é extremamente mágico e particular. Mas se coloca uma etiqueta na testa das pessoas e se diz: "ela é mãe".
 
Não é bem assim. Aliás, não é nada assim.
 
Ser mãe só é privilégio quando a palavra coincide com a incorporação do conceito vital, do princípio e do instinto de proteção e aconchego. Mãe que é "Mãe" não faz chantagem, por exemplo, nem comercializa o amor que dá. Também não precisa comercializar o amor que recebe. Filho ou filha que é filho ou filha também não faz isso.
 
Mas parece que o dia das mães veio para cobrar reconhecimento. É como se precisasse ou, pior, para lembrar que as mães existem, o que me parece até mais grave, numa análise mais cuidadosa. E não me refiro apenas ao fato de os filhos se lembrarem de suas mães, mas gostaria de frisar, também, muito especialmente, o contrário: lembrar a muitas mães que elas estão se esquecendo de serem "Mães".
 
É por isso que o evento me faz pensar duas vezes na qualidade de muitas mães e muitos filhos que andam por aí. Se o que falta é amor verdadeiro, é claro que é preciso "inventar" um jeito para "fingir que ele existe". Caso contrário, esse dia passaria meio inócuo, como um domingo qualquer, pois esse amor seria celebrado constantemente, a cada vez que os olhares se trocassem, que o encontro se fizesse, que o socorro mútuo fosse necessário, que o carinho transbordasse espontâneo de ambos os corações...
 
 Bem... é só uma reflexão...

sábado, 3 de maio de 2014

QUEM MANDA AQUI?



Estou há quase três semanas às voltas com meu computador.

Quando penso que "ficou bom", ele inventa outro problema.

Novinho, não completou nem seis meses. Não posso nem dizer que ele está com problema de "junta" ("junta tudo e joga fora"). Não é problema de hardware, é de software mesmo. Meu amigo, que  é um excelente especialista na área, está apanhando com ele, em noites super generosas que passa aqui, comigo, trabalhando na máquina para dar um jeito.

A terminologia configuração, programas incompatíveis (programas novos com antigos - estes, sim, com problemas de "junta"), sistemas, downloads, settings estão povoando meu inconsciente e criando imagens em meus sonhos. Noites curtas.

Acordo cansada, olho para a máquina e penso: caramba, ainda falta resolver isso, aquilo, aquilo outro...

Como era nossa vida antes que essa parafernália insolente surgisse em nosso cotidiano?

Dou a mão à palmatória, não posso negar: a vida era bem mais difícil. Lembro-me de que escrevi minha tese de doutorado, na década de oitenta. Eu mesma a digitava na "moderníssima máquina elétrica da IBM". Quando errava, tinha o "moderníssimo corretor automático" para apagar a letra. Tem gente que nem sabe o que é isso. Quem nasceu depois de 80, com certeza, deve estar lendo esse parágrafo como se fosse em língua estrangeira. É coisa do tempo de "vovô criança". Não tinha "delete". Também não tinha como "copiar" e "colar". Se errasse um parágrafo ou quisesse deslocá-lo do lugar, não tinha jeito: era mesmo datilografar (a expressão não era digitar) toda a página de novo. Quanto tempo perdido...

Agora é rápido e "indolor". Uma maravilha!!!

Sem contar o fato do evento da internet!

Além disso, naquela época, algo parecido com um celular só em filmes de ficção científica...

Não posso negar. O mundo melhorou muito em termos de comunicação. Quanta sofisticação simplificando a vida da gente! Mas sofisticação traz, também, os mais sofisticados problemas...

Não tenho saudades do passado. Mas, quando me deparo com essas intempéries, não posso dizer que esteja num paraíso de presente.

É uma parafernália de HDs externos que ficam incompatíveis uns com os outros, uns back ups impossíveis em maquinetas sofisticadas. Dá a impressão de que comandam a sinfonia e também a nós, seus donos, condenando-nos a noites de insônia até que elas resolvam se entender.

Não é a competência do técnico colocada em jogo. Longe disso. É a super competência da máquina rebelde a seus comandos. É o preço cobrado em escravidão, em busca de maiores confortos, seguranças e sucessos. Sou rebelde. Acho que a máquina tem de nos obedecer e não nós a ela. Mas enquanto não nos escravizamos a sua linguagem, não conseguimos dominá-la. Que contrassenso!...

O objetivo é facilitar o trabalho. Mas a luta até que a máquina obedeça a nossos interesses é árdua. No meu caso, impede a leveza, tira o tempo para soltar as rédeas da imaginação e dos textos, atrasa o trabalho, interrompe a fluidez do cotidiano. Meu livro está parado. Meus textos estão saindo aos trancos...

Outro dia, vi uma tirinha de jornal muito interessante, sobre a civilização invadindo as tribos indígenas totalmente desligadas da tecnologia: no primeiro quadrinho, homens brancos trazendo notes, celulares, impressoras e um bando de outras tecnologias para os índios que os olhavam curiosos: 

- Estamos trazendo a modernidade para vocês. 

No segundo quadro, os índios estavam recebendo todos os "presentes" e o homem branco dizia: 

- Daqui a um mês, traremos pílulas para dor de cabeça. 

Ri muito. Dizem que a tecnologia veio para resolver todos os problemas que tínhamos antes. Resolveu. Mas trouxe, também, um monte de problemas que não tínhamos. É verdade!

Como todos (quase todos), no entanto, me rendo a essa tecnologia. Ela veio mesmo para nos colocar adiante. Não fosse ela, sequer eu estaria escrevendo para você agora!

No momento, no entanto, só consigo pensar: 

- É... mas a que custo! 

Que o leitor me perdoe. É um desabafo.

Quando tudo estiver funcionando, novamente, talvez eu nem me lembre do pesadelo que me fez escrever esse texto.

Tomara!