sábado, 1 de junho de 2013

CONTO DE AMOR (continuação)



Como prometido, a continuação do conto de amor.

Aluisio e Djanira enfeitaram minha vida por muitos e muitos anos.

Um dia, ela me ligou assustada, dizendo que ele tinha sido hospitalizado, em emergência, e estava na Unidade Intensiva de Tratamento. Tinha tido um AVC.

Entre os dois, ele era o centro de minhas atenções, desde criança, pois seu espírito brincalhão não me deixava em paz. Tinha, na verdade, um jeito paternal de ser e, para mim, isso fazia toda a diferença. Djanira era o tipo de mulher dedicada, cuidadosa, super amiga, mas tinha uma forma mais formal de tratar as pessoas. Não me lembro de seus abraços, embora ela fosse uma gracinha de pessoa. Já o marido era dessas pessoas acolhedoras, de abraços sinceros e cheios de vida. Assim, meu chamego acabou se virando mais para o "Sr. Aluisio", que, muitas vezes, dizia que eu era mais uma filha que Deus tinha colocado em seu caminho.

Você pode imaginar, portanto, como essa notícia caiu em meus ouvidos. Despenquei para o hospital, cheia de medos e cuidados. Sabia que não poderia vê-lo, mas queria estar mais perto, unir-me à família, saber notícias. Mas era mesmo um caso bem grave e ele estava inconsciente.

Essa situação perdurou por quase um mês, até que ele fosse transferido para o quarto, já um pouco consciente, sem prognóstico certo sobre sua recuperação. As esperanças, no entanto, começavam a surgir e, pela primeira vez, em tantos dias, vi Djanira sorrir novamente:

- Acho que vamos para casa na semana que vem.

Mas a alegria durou apenas um dia, pois novo AVC, do outro lado do cérebro, levou-o novamente para a UTI por mais umas duas semanas.

De volta ao quarto, ainda inconsciente, o parecer da equipe médica era avassalador: ele sobreviveria, mas em estado vegetativo.

Para um homem que não parava quieto nem para dormir, como dizia Djanira, isso era mais do que fatal. Para ele e, evidentemente, para todos nós.

De qualquer modo, sair do hospital não seria imediato. Talvez umas duas semanas, se o quadro se mantivesse estabilizado. Ele poderia ter outro AVC a qualquer momento.

Uma semana depois, no entanto, Djanira observou:

- Acho que ele mexeu um dedo da mão direita, eu vi!

- Não é possível - disse a enfermeira - ele não teria condições.

Por acaso eu fui ao hospital naquele dia e vi a certeza com que Djanira mantinha suas convicções:

- Eulalia, eu vi, ele mexeu um dedo da mão direita, eu não estou maluca! Ninguém acredita em mim!

E mexeu mesmo, pois no dia seguinte, eram dois dedos, depois três, até que conseguiu abrir os olhos. Em uma semana, ele tinha uma expressão de olhar que mostrava muito bem que sabia o que estava acontecendo.

Para encurtar a história, Aluisio saiu do hospital de cadeira de rodas, sem falar, mas com o olhar mais vivo do que o de muita gente que vejo andando por aí.  É claro que os médicos apenas diziam que coisas assim acontecem e que a família não deveria esperar muito mais do que isso.

Dali para diante, foi uma batalha entre fisioterapeutas, fonoaudiólogos e atendimentos de toda sorte.

Três meses depois, algumas pessoas conseguiam, embora a custo, entender o que ele dizia. Como eu trabalhava com pessoas especiais, era uma delas.

Num desses dias, quando fui visita-los, sentei-me ao lado de sua cadeira de rodas e percebia toda sua ansiedade em comunicar-se. Eu sabia que era justamente essa ansiedade que o levava para frente, para a melhora, para o sucesso. Era evidente que todos sabíamos que ele poderia ter outro AVC a qualquer momento, apesar da medicação. Todos sabíamos, mas acredito que ele não tinha isso em mente. O que ele queria era lutar desesperadamente por uma qualidade de vida melhor. Eu estava pensando nisso, ao olhar para aquele ser maravilhoso que tinha a minha frente. Foi quando consegui entender, em frase trôpega, as palavras que me fizeram acreditar na capacidade humana de vencer:

- Eu vou conseguir levantar e andar até lá.

Esse "até lá" significava uma distância de três metros entre a cadeira de rodas e a beirada da varanda de seu apto.

Em três meses, com muita ajuda, mas já em pé, ele realizou seu desejo. Em um ano, estava falando normalmente. Ficou com uma sequela do lado esquerdo, que fazia com que caminhasse um pouco devagar, mas sequer puxava a perna. Seu braço esquerdo perdeu parte da mobilidade, mas ele ainda dizia que ele era mais teimoso que o braço e vivia consertando, com sua mão direita, os dedos de sua mão esquerda. Mas foi apenas essa a sequela que restou. Esqueci de dizer que ele já estava com mais de sessenta anos. Para a idade, pelas dimensões do trauma, uma recuperação quase impossível...

Conversávamos muito, eu e ele, a cada visita. Na verdade, Djanira sempre percebera nossa cumplicidade e com discrição nos mostrava seu carinho: dava um jeito de nos deixar a sós, para "ir nos fazer um chá", como dizia.

E foi numa dessas conversas que ele me disse:

- Eu estava lá, imóvel, com aqueles médicos dizendo que eu iria ter vida vegetativa, se vivesse. Eles não sabiam, mas eu estava escutando e entendendo tudo. Foi quando decidi que não seria assim. Como eu poderia deixar Djanira viver sem mim, como sempre fui? Eu não ia mexer só minha mão. Eu ia me mexer todo, eu ia caminhar, falar, voltar a ser o que sempre fui! Era isso ou morrer. E eu não ia morrer.

Por mais uns dez anos, pude conviver com esse exemplo de vida, com esse casal tão especial.

Em uma de minhas últimas visitas, fiz questão de fotografá-los e vale a pena revermos este casal, em momentos de cuidados



de carinho


e, claro, de beijo



7 comentários:

Dani Dias disse...

Coisa mais linda! Me emocionou muito.

Carlos Alberto disse...

A vontade que move para frente.

Celina disse...

Eu tinha pulado esse conto, mas acho que foi feito para que eu lesse ele hoje! Me fez um bem enorme.

Eulalia disse...

Essa é uma história de que gosto muito de me lembrar... também me faz um bem enorme... e me emociona sempre! Te-los conhecido foi um privilégio para mim!

Eulalia disse...

Essa é uma história de que gosto muito de me lembrar... também me faz um bem enorme... e me emociona sempre! Te-los conhecido foi um privilégio para mim!

nrtaddei disse...

Lindo!

nrtaddei disse...

Lindo!