domingo, 26 de maio de 2013

CONTO DE AMOR



Às vezes, histórias reais parecem saídas de contos de fadas.

Acho que é o caso de amor que existiu entre Aluisio e Djanira.

Você já ouviu falar deles, se leu os contos "A empada", no qual conto uma ida a Guarapari e também o conto "Só para garantir" em que falo sobre as aventuras de minha violeta e já insinuo que, um dia, contaria uma história só deles.

Então... lá vai:

Vamos nos colocar na época da década de 40. Djanira era filha de um desses coronéis do Nordeste, não me lembro bem de que cidade... talvez Juazeiro, se não me engano. Para completar, era a filha preferida do pai, que tinha vários filhos. Mas era ela que se sentava à esquerda da cabeceira da mesa, tenho sua mãe em frente e os irmãos ao longo da grande mesa da sala. Sob os olhos agudos do pai, lembrava-se de que não conseguia sequer levantar o rosto para fita-lo. E... era a preferida!... 

Aluisio era um moço comum, segundo os parâmetros da época. Não era um Zé Ninguém, mas, para a categoria do coronel, estaria no nível, digamos... de um peão, embora não fosse seu empregado.
O encontro dos dois estava longe de ser uma paquera, um flerte e muito menos algo que permitisse uma aproximação. 

Viam-se, de relance, apenas por uns momentos, uma vez por semana, na saída da Igreja, depois da missa dos domingos, onde Aluisio ia só para admirar sua princesa. 

Djanira não podia virar o rosto para olhar ninguém. Ao lado do pai, podia, quando muito, olhar para o padre e para a frente.

Mas Aluisio era insistente e se colocava à saída da Igreja bem no ângulo, a sua frente, para que, no momento em que ela saísse, não pudesse deixar de vê-lo.

E passaram meses assim, numa troca de olhares, sem sequer se falarem. 

A família vivia na cidade e, embora o coronel fosse com frequência à fazenda, a vigilância era sempre rigorosíssima e eles nunca tiveram condições de passarem dessa rápida troca de olhares dominical. 

O olhar da moça, no entanto, incentivou o rapaz e, mesmo que seus amigos dissessem que o coronel poderia tirar-lhe o couro ou mesmo mandar matá-lo, um dia, colocou seu terno e se apresentou à casa do coronel.

Pelo que o casal me contava, em nossas tardes deliciosas de amizade, Aluisio teve a impressão de que o coronel achou que ele fora lá para pedir-lhe emprego na fazenda. Mas o moço era petulante e foi direto ao ponto:

- Não coronel, não quero emprego. Vim aqui para pedir a mão de sua filha Djanira em casamento.


- O quê? Como se atreve? A moça tem dezesseis anos incompletos e você, afinal, quem é na vida?Ela não vai querer sequer olhar para você!

- Desculpe, coronel, mas o senhor, pelo menos, poderia perguntar se a moça aceitaria...

Foi aí que a coisa se deu. O coronel, confiante de sua prepotência, mandou chamar a filha:

- Djanira, você aceita se casar com esse moço?

- Aceito meu pai.

Quando eles me contavam essa história, que aliás, por ser tão linda, eu pedia que me repetissem de vez em quando, lembro-me de que ela ria muito nessa parte da narrativa:

- Eu não sei o que me deu. Eu nem sabia o nome dele!!!

Djanira lembra-se da voz raivosa do pai:

- Já para o seu quarto! 

E enxotou Aluisio de casa, com ameaças de morte, caso aparecesse por ali novamente. Chamou a mulher, mandou que ela trancasse Djanira no quarto, sem sair para nada e que arrumasse as malas naquela mesma tarde, pois partiria, no dia seguinte, para outra cidade, sob sigilo, para morar uns tempos com uma tia, até que ele resolvesse a situação.

Djanira me contava que foi para o quarto em prantos. E, enquanto arrumava suas coisas, sozinha, não sabia o que iria ser de sua vida.

A janela de seu quarto era bem alta e não podia enxergar a rua direito, mas olhando por ela, num instante, percebeu um chapéu andando para lá e para cá. Sem saber direito por que, puxou uma cadeira e foi espiar. Era Aluisio que não tinha coragem de se arriscar de chamá-la, pois não sabia onde era seu quarto e tinha medo de ser descoberto. Ao vê-la, no entanto, foi direto:

- Djanira, você foge comigo?


- Fujo sim senhor, mas tem de ser hoje, porque amanhã vou para a casa de uma tia, não sei em que lugar e não nos veremos nunca mais.


- Então se apronte, vou falar com padre e volto à noitinha. Casamos e fugimos, pois não poderei ficar ao alcance de seu pai. Você não vai mais poder ver sua família. Você aceita?

- Aceito, sim senhor.


- Então, está combinado. Venho, te ajudo a pular a janela e vamos embora.

E sumiu.

Djanira me contava que não soube como foram as horas que se seguiram. Seu coração não parava de bater como um louco e ela teve medo de morrer antes de conseguir fugir. Mas continuou arrumando suas coisas, do melhor jeito que podia, tentando disfarçar. Sua mãe achava que ela estava assim porque teria de ir embora e ela concordava, para não levantar suspeitas.

À noitinha, quando o chapéu de Aluisio começou a andar de lá para cá, ao longo de sua janela, novamente, Djanira pensou que perderia as forças e não iria conseguir mais respirar. Mesmo assim, colocou a cadeira perto da janela, subiu e sem dizer uma palavra, pois estava completamente aterrorizada, debruçou-se para que ele a puxasse.

Tão logo se viu na rua, pela primeira vez desacompanhada do pai e tendo como companhia apenas um homem que conhecia apenas de vista, viu que seu destino estava traçado, não tinha como recuar. Para completar, crianças que brincavam pela rua e viram o acontecido, começaram a gritar:

- Corre chamar o coronel, Djanira está fugindo mais Aluisio!

E, não teve jeito, perna para que te quero. Os dois saíram de mãos dadas - e Djanira sempre fazia questão de ressaltar esse detalhe - destrambelhados, correndo o mais que podiam, rua afora, em busca de abrigo.

E foi na Igreja que se esconderam, se casaram na mesma noite, e fugiram da cidade, no meio da madrugada, batendo os costados por aquele sertão afora, até darem com os pés no Rio de Janeiro, de onde nunca mais saíram.

Aqui, Aluisio se estabeleceu, acabou tendo uma frota de ônibus escolares que o fizeram crescer profissional e financeiramente e se dar muito bem na vida.

Tinham um apto enorme no Flamengo, na Rua Marques de Abrantes, em frente à padaria Benamor, que existe até hoje.

Por falar em pão, Djanira sempre foi uma prestimosíssima dona de casa e cozinheira de mão cheia. E o melhor: adorava o que fazia. Lembro-me, até hoje, de seu pãozinho de uvas, e a carne de sol, receitas do nordeste, pedidos insistentemente pelos filhos, e que tive oportunidade de saborear várias vezes.

O casal teve três filhos: duas meninas e um menino. Depois, adotaram um outro menino, pois, onde se esbanja amor, sempre há espaço para mais um.

Lembro-me com carinho das inúmeras tardes que passei com eles, naquele apartamento fresco e cheio de luz, iluminado ainda mais por esse casal tão dedicado e carinhoso. Lembro-me com alegria dos dias em que me levavam para passar em sua casa de praia em Guarapari, eu ainda adolescente e eles já adiantados dos anos.

Lembro-me, sobretudo, do aconchego, do amor sempre puro e sincero que via nos dois, um cuidando do outro, com delicadezas e cumplicidades, que só um venturoso e incrível amor como esse pode sustentar.

Vejo-me pensando na irrepreensível coragem dessa menina-mulher, atirando-se nas aventuras do mundo, sem olhar para trás. E deste homem, que soube ler no olhar de sua amada, a felicidade prometida, como uma terra de além-mar, acima de todo querer.

Mas, o melhor dessa história ainda está por vir.

Conto mais na semana que vem.

2 comentários:

Anônimo disse...

querida eulalia,
se o melhor da história ainda está por vir, você já garantiu a minha presença no segundo capítulo da novela! bjs a vc, décio

Eulalia disse...

Então, pode vir, porque o melhor vem mesmo no sábado que vem!
beijinhos