sexta-feira, 17 de maio de 2013

O CONTRATEMPO


Depois de um delicioso domingo carioca com direito a praia e encontro com bons amigos, chego em casa, passando das 22 horas.

Cheiro de queimado. Suave, disfarçado... mas, para quem tem um olfato como o meu, ele estava lá, em algum lugar, mais forte na quina do corredor que encontra a cozinha com a sala.

Não tinha nada que pudesse cheirar a queimado naquele corredor. Entrei na cozinha... nariz de perdigueiro... nada.

Apelei para o resto da casa. Nada. Nico, amigo de muitos anos e excelente eletricista, mora perto, mas eram quase 11horas da noite! Ligo ou não ligo? Ligo ou não ligo?

E o cheiro de queimado lá...

Que os deuses me ajudem: ligo, cheia de dedos e de vergonha. Recebo de volta uma voz alegre, bem humorada (os deuses existem!).

- Oi, Lali, tudo bem?

- Morrendo de vergonha de te ligar a essa hora... você poderia vir aqui em casa amanhã de manhã? É um pouco urgente...

- Mas o que houve?

- Não houve... acho que está havendo. Um cheiro de queimado aqui em casa e não sei identificar de onde vem. Já investiguei tudo o que a minha santa ignorância permitiu.

- Se é cheiro de queimado, não dá para esperar até amanhã. Você se incomoda que eu dê um pulo até aí agora?

- Claro que não. Mas você se despencar daí em pleno domingo, às 11 horas da noite... não prefere vir amanhã? Já estou toda sem graça de te ligar, quanto mais você vir!...

- Tô indo. Me dá uns vinte minutos.

Vinte minutos depois, Nico chega sorridente, bem disposto, como se fosse um dia qualquer, em horário comercial, em pleno meio da semana.

- Nico, nem sei como agradecer!

- Eu ia deixar você na mão? Vai que pega fogo em alguma coisa e você sozinha aqui dentro! Nem pensar!

Fomos para o “ponto do agrião”.

- Sinto o cheiro aqui.

Nico aproximou-se do lugar, a quina do corredor.

- Não sinto nada... será que não foi algo trazido pelo vento da casa de um vizinho?

- Não sei... pode ser impressão. Agora diminuiu. Mas continuo sentindo algo por aqui...

Nico imita meu nariz de perdigueiro. Nada.

- Não sinto nada, mas vamos lá. Comecemos por todas as instalações em torno.

Encaminhou-se para o quadro de eletricidade do apartamento, que fica na cozinha. Quando abriu a portinha, observei:

- Acho que não é aí não... até porque foi reestruturado por um excelente eletricista que não deixaria um rastro mal feito.

Ele sorriu. Fora ele que fizera uma redistribuição elétrica na casa e tinha deixado aquele quadro impecável. Modesto, no entanto, observou:

- Nunca se sabe.

O fato é que não era ali e ficamos conversando na cozinha, levantando hipóteses até que ele parou, olhou para mim e comentou:

- Estou achando essa sua geladeira muito calada...

Caramba, não deu outra: era a geladeira. Se, por um lado, fiquei triste por prognosticar um prejuízo, por outro, fiquei aliviada. Eu não estava doida... existia mesmo um cheiro de coisa queimada. Santo nariz o meu!

Agradeci muitíssimo pela descoberta e nos despedimos quase à meia-noite.

E agora?

Esperei o dia amanhecer a apelei para Alice, minha vizinha querida com quem troco Reiki semanalmente. Prontamente, com coração de irmã, me emprestou um espaço em seu freezer e geladeira. A agravante é que ela ia oferecer um jantar e isso, por si só, já estava entupindo sua própria geladeira. Mas amigo de verdade, quando vê outro em apuros, espreme aqui, aperta ali... sempre dá um jeito.

O passo seguinte foi apelar para um outro profissional ”super expert” em aparelhos eletrodomésticos. Precisava saber se tinha jeito ou teria de comprar outro. Ao me ouvir, Sr. ... (prefere não ser identificado) apressou-se:

- Dona Eulalia, geladeira tem prioridade, passo aí antes do próximo cliente, rapidinho, só para o diagnóstico e depois a gente vê.

Em menos de uma hora, lá estava ele, dizendo que era melhor eu comprar outra.

Saí dali e, às 10 da manhã, menos de 12 horas do acontecido, eu já tinha o compromisso de entrega de minha nova geladeira, contando com a boa vontade de Jane, minha secretária semanal que, alertada para o imprevisto, se disponibilizou a ir lá para casa para esperar a entrega no dia em que eu marcasse  –  que eu fosse no dia para o consultório sem me preocupar, pois ela quebraria o galho para mim.  Sem querer abusar de tanta boa vontade, marquei para a quinta de manhã, dia natural de sua vinda a minha casa.

Na quinta, chegou minha geladeira (com o brinde de os próprios carregadores me levarem a antiga) e não me furtei de pensar que há boas casas do ramo cumprindo pontualmente seus compromissos. Mas... muito mais do que isso, me dei conta de que, se a geladeira, de certa forma, me fez falta, o que não me faltou foi o essencial: a calorosa e deliciosa sensação de que tenho amigos que me acolhem com cuidados especiais, cada um a seu jeito, com uma amorosidade que me faz sorrir agradecida, só de lembrar.

Minha nova geladeira recebeu, como herança, o mesmo enfeite que era ostentado pela anterior, retratando a cena final do filme “Zorba, o grego”. Um magneto dado por dois outros grandes amigos, Décio e Fábio, sabedores de minha paixão por esse filme.

E foi ao colocar o magneto que pensei na essência de tudo o que aconteceu e de que, como no filme, é possível escolher ver a beleza das coisas que nos cercam.

Um contratempo cheio de luzes e ensinamentos, perdido no cotidiano das coisas simples da vida.

3 comentários:

pblower disse...

Delicioso texto. É verdade. é no contratempo que a gente vê o quanto de bom podemos tirar da vida!

Anônimo disse...

querida eulalia,
adorei a foto que metonimicamente faz referência à sua geladeira!
bjs, décio

Eulalia disse...

Queridos amigos,

Pois é... contratempos são oportunos... e fotos simbólicas também!!!