Depois
de um delicioso domingo carioca com direito a praia e encontro com bons amigos,
chego em casa, passando das 22 horas.
Cheiro
de queimado. Suave, disfarçado... mas, para quem tem um olfato como o meu, ele
estava lá, em algum lugar, mais forte na quina do corredor que encontra a cozinha com a
sala.
Não
tinha nada que pudesse cheirar a queimado naquele corredor. Entrei na cozinha...
nariz de perdigueiro... nada.
Apelei
para o resto da casa. Nada. Nico, amigo de muitos anos e excelente eletricista,
mora perto, mas eram quase 11horas da noite! Ligo ou não ligo? Ligo ou não
ligo?
E
o cheiro de queimado lá...
Que
os deuses me ajudem: ligo, cheia de dedos e de vergonha. Recebo de volta uma
voz alegre, bem humorada (os deuses existem!).
-
Oi, Lali, tudo bem?
-
Morrendo de vergonha de te ligar a essa hora... você poderia vir aqui em casa
amanhã de manhã? É um pouco urgente...
-
Mas o que houve?
-
Não houve... acho que está havendo. Um cheiro de queimado aqui em casa e não
sei identificar de onde vem. Já investiguei tudo o que a minha santa ignorância
permitiu.
-
Se é cheiro de queimado, não dá para esperar até amanhã. Você se incomoda que
eu dê um pulo até aí agora?
-
Claro que não. Mas você se despencar daí em pleno domingo, às 11 horas da
noite... não prefere vir amanhã? Já estou toda sem graça de te ligar, quanto
mais você vir!...
-
Tô indo. Me dá uns vinte minutos.
Vinte
minutos depois, Nico chega sorridente, bem disposto, como se fosse um dia
qualquer, em horário comercial, em pleno meio da semana.
-
Nico, nem sei como agradecer!
-
Eu ia deixar você na mão? Vai que pega fogo em alguma coisa e você sozinha aqui
dentro! Nem pensar!
Fomos
para o “ponto do agrião”.
-
Sinto o cheiro aqui.
Nico
aproximou-se do lugar, a quina do corredor.
-
Não sinto nada... será que não foi algo trazido pelo vento da casa de um
vizinho?
-
Não sei... pode ser impressão. Agora diminuiu. Mas continuo sentindo algo por
aqui...
Nico
imita meu nariz de perdigueiro. Nada.
-
Não sinto nada, mas vamos lá. Comecemos por todas as instalações em torno.
Encaminhou-se
para o quadro de eletricidade do apartamento, que fica na cozinha. Quando abriu
a portinha, observei:
-
Acho que não é aí não... até porque foi reestruturado por um excelente
eletricista que não deixaria um rastro mal feito.
Ele
sorriu. Fora ele que fizera uma redistribuição elétrica na casa e tinha deixado
aquele quadro impecável. Modesto, no entanto, observou:
-
Nunca se sabe.
O
fato é que não era ali e ficamos conversando na cozinha, levantando hipóteses
até que ele parou, olhou para mim e comentou:
-
Estou achando essa sua geladeira muito calada...
Caramba,
não deu outra: era a geladeira. Se, por um lado, fiquei triste por prognosticar
um prejuízo, por outro, fiquei aliviada. Eu não estava doida... existia mesmo
um cheiro de coisa queimada. Santo nariz o meu!
Agradeci
muitíssimo pela descoberta e nos despedimos quase à meia-noite.
E
agora?
Esperei
o dia amanhecer a apelei para Alice, minha vizinha querida com quem troco Reiki
semanalmente. Prontamente, com coração de irmã, me emprestou um espaço em seu
freezer e geladeira. A agravante é que ela ia oferecer um jantar e isso, por si
só, já estava entupindo sua própria geladeira. Mas amigo de verdade, quando vê
outro em apuros, espreme aqui, aperta ali... sempre dá um jeito.
O
passo seguinte foi apelar para um outro profissional ”super expert” em
aparelhos eletrodomésticos. Precisava saber se tinha jeito ou teria de comprar
outro. Ao me ouvir, Sr. ... (prefere não ser identificado) apressou-se:
-
Dona Eulalia, geladeira tem prioridade, passo aí antes do próximo cliente,
rapidinho, só para o diagnóstico e depois a gente vê.
Em
menos de uma hora, lá estava ele, dizendo que era melhor eu comprar outra.
Saí
dali e, às 10 da manhã, menos de 12 horas do acontecido, eu já tinha o
compromisso de entrega de minha nova geladeira, contando com a boa vontade de
Jane, minha secretária semanal que, alertada para o imprevisto, se
disponibilizou a ir lá para casa para esperar a entrega no dia em que eu
marcasse – que eu
fosse no dia para o consultório sem me preocupar, pois ela quebraria o galho
para mim. Sem querer abusar de tanta
boa vontade, marquei para a quinta de manhã, dia natural de sua vinda a minha
casa.
Na
quinta, chegou minha geladeira (com o brinde de os próprios carregadores me
levarem a antiga) e não me furtei de pensar que há boas casas do ramo cumprindo
pontualmente seus compromissos. Mas... muito mais do que isso, me dei conta de
que, se a geladeira, de certa forma, me fez falta, o que não me faltou foi o
essencial: a calorosa e deliciosa sensação de que tenho amigos que me acolhem
com cuidados especiais, cada um a seu jeito, com uma amorosidade que me faz
sorrir agradecida, só de lembrar.
Minha
nova geladeira recebeu, como herança, o mesmo enfeite que era ostentado pela
anterior, retratando a cena final do filme “Zorba, o grego”. Um magneto dado
por dois outros grandes amigos, Décio e Fábio, sabedores de minha paixão por
esse filme.
E
foi ao colocar o magneto que pensei na essência de tudo o que aconteceu e de
que, como no filme, é possível escolher ver a beleza das coisas que nos cercam.
Um
contratempo cheio de luzes e ensinamentos, perdido no cotidiano das coisas
simples da vida.
3 comentários:
Delicioso texto. É verdade. é no contratempo que a gente vê o quanto de bom podemos tirar da vida!
querida eulalia,
adorei a foto que metonimicamente faz referência à sua geladeira!
bjs, décio
Queridos amigos,
Pois é... contratempos são oportunos... e fotos simbólicas também!!!
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