sexta-feira, 14 de junho de 2013

NEM TE CONTO


Foi com essa expressão bem brasileira que cheguei ao Hotel que me aguardava, em Campinas, para um curso de final de semana.

“Nem te conto”, por si só, soa a cumplicidade. Para um estrangeiro, provavelmente, é de pirar a cabeça, como tantas outras que temos em nossa lista de expressões idiomáticas, como o “pois sim”, que significa “não” e o “pois não” que significa “sim”(e é um dos “sins” mais simpáticos, delicados e gentis que nossa língua conhece...).

Pois então. Enumero esse “nem te conto” na minha lista dos favoritos. E acho que não é apenas pela cumplicidade que evoca, mas porque, dependendo de como o colocamos no contexto, aguça a integridade da atenção do interlocutor que, imediatamente, o que mais quer é que a gente conte, não apenas pelo contar em si, mas tim-tim por tim-tim, como uma novela do cotidiano. “Nem te conto” atrai de uma maneira singela e cheia de graça:

- Professora, esperávamos pela senhora em torno das 14 horas!

- Ah... nem te conto...

- Ficamos sem teto outra vez!

- Adivinhão, sorri. E contei os detalhes agudamente esperados pelo meu já conhecido recepcionista.

- Logo desta vez que a senhora resolveu vir de véspera...

- Pois é, respondi pronta para pegar a chave de meu apto de fundos, mais silencioso e tranquilo, desse aconchegante hotel, ao qual já me habituei a vir, sempre às pressas, para um curso de final de semana.

Só que desta vez, planejava vir com mais calma, desfrutando, desde sexta, toda a tarde e noite e não chegando aos sábados, direto para o curso, com volta ao domingo, em minutos contados para chegar ao aeroporto. O plano, na verdade, envolvia poder ver um grande e queridíssimo amigo, que não vejo há muito. Mas existe alguma coisa além do que podemos conceber e a semana passou, sem que eu pudesse contata-lo. Jamais chego de surpresa. Faz parte indiscutível da minha natureza perguntar sobre a disponibilidade de quem vai me receber. Mas a semana passou e já na quinta à noite me dei conta de que não conseguira o contato. Não faz mal, fica para outra vez. Chego ao hotel, descanso mais dessa semana atribulada, escrevo meu conto de sábado, já arquitetado em minha cabeça e deixo as alegrias do encontro para a próxima vez. O curso é longo, vou voltar várias vezes. Tem tempo.

O que eu não podia imaginar, mas talvez uma premoniçãozinha tivesse dado conta do recado, é que eu não iria poder vê-lo, mesmo que combinado, e a expectativa só nos deixaria, a ambos, em suspenso durante todo o dia.

E o “nem te conto” que saiu despretensioso na portaria do hotel, emendou-se nesse dedilhado frenético de quem conta um conto, mas, jura, “sem aumentar um ponto”. Assim, o outro  conto, antes arquitetato, fica para outra vez.

Saí de casa no final da manhã. Para resumir a ópera, cheguei ao hotel quase à noite. Para um voo que leva uns 50 minutos...

Não, não será apenas mais um texto de protesto contra os maus serviços de nossos aeroportos. Desta vez, foi o mau tempo mesmo. O aeroporto de Campinas e os de outras cidades do país, com frequência, fecham nesta época do ano por causa de neblina. Isso é causa de caos, mas não há o que fazer a não ser esperar. E quando tudo volta a funcionar, até se obedecer a ordem dos voos em fila, pode-se levar o dia todo para se chegar ao destino.

Pelo andar da carruagem, vir de ônibus teria me tomado menos tempo, pois é uma viagem de 5 horas apenas. Mas... não se tem essa vista escandalosamente linda, de quem sai do Rio pelo Aeroporto Santos Dummont para qualquer lugar desse imenso país.  Felizmente, não é permitido embutir a paisagem no preço da passagem. Se fosse, com certeza, seria exorbitante e eu não poderia pagar nunquinha. Felizmente, ela está ali, despudorada e linda, fulgurante e faceira, bastando que você pegue o lado direito do avião e que o dia azul te ajude a usufruir desse encantamento. Para uma carioca de carteirinha como eu, passo a semana torcendo para o dia nascer bonito.

E foi ao olhar essa paisagem tão intensamente maravilhosa que meu coração cheio de luz, ao mesmo tempo que vigorosamente cidadão... chorou.

Até agora não sei se chorou pelo prazer de contemplar toda essa escandalosa beleza transparente e pura ou pela dor de saber das tristezas de sobrevivência que esta “paisagem sem lupa” esconde em seus enveredados caminhos; se  pela indignação contida dos protestos de melhores condições de vida de nosso povo ou pela inefável alegria de ser brasileira (apesar de tudo); se pela sensação de impotência diante das injustiças que nossos olhos e notícias da mídia nos contam ou  pela paz que essa cidade iluminada evoca. Talvez por tudo ao mesmo tempo, nesse céu agora sem nuvens, depois de horas de espera por um tempo bom.

E por ser ardorosamente uma pessoa que espera, esperar que se espelhe, na história de meu país, um brilhante futuro, depois desse nublado presente.

Quanto ao meu amigo, que sempre lê os meus contos... ao saber que estive em sua terra... ai... nem te conto a bronca que vou levar...

3 comentários:

João Carlos disse...

Legal, o conto.
Agora, me conta.
O teu amigo te deu bronca?
Mas me conta sem aumentar um ponto.
;-)


pblower disse...

É uma paisagem de tirar o folego e nos fazer pensar...

Celina disse...

Essa paisagem deveria ser direito de todo cidadão brasileiro! ao menos uma vez na vida, a gente tem que ver isso para se encontrar com Deus!