Celina
foi minha colega de trabalho na primeira Universidade em que lecionei.
Professora de inglês. Tínhamos um breve, mas delicioso contato no intervalo das
10 horas, uma ou duas vezes por semana, dependendo do semestre. Um café de
garrafa térmica... mas o que valia mesmo era o encontro.
Papo
bom, animado, breve, mas sempre repousante. Celina era assim: solta,
descontraída.
Um
dia, soube que realizara seu sonho: tinha alugado um apto e iria morar sozinha.
Estava tão feliz que dizia a quatro ventos que teria vários “open houses”. E
teve, naturalmente, o open house só para os colegas de trabalho.
Queijos
e vinhos. Levaríamos os vinhos, ela prepararia o resto: pães e queijos. Eu não
tinha tanta intimidade assim, mas a felicidade dela era tanta, que não deixei
de comparecer.
O
apto singelo e super bem arrumadinho, sustentava um tapete belíssimo, joia
rara, a peça valiosa do apto, bem no meio da sala, enquadrando a mesinha de
centro, em volta da qual Celina nos convidou a sentar, com almofadas confortáveis,
à luz suave e indireta de luminárias e velas cuidadosamente espalhadas pelo
ambiente. Super aconchegante.
- O tapete é a
principal peça da mobília. Sempre que pensava em ter um apto só meu, imaginava
um tapete branco na sala. Assim, por favor, sentem-se no tapete e sejam
benvindos.
Achei
uma temeridade sentarmos ali, com vinhos tintos rodando em volta da mesa,
ameaçando aquele branco puríssimo, sonhado há anos. Mas a dona da casa
insistiu.
Com
minha educação super disciplinada por tantos anos de juventude em internato, eu
sentia aquele tapete como uma ameaça e tomava mil cuidados com minha taça, a
cada gole.
Mas
é claro... não deixou de acontecer: um dos colegas, numa virada, derrubou sua
taça que, evidentemente, tinha endereço certo: não poderia ser em cima da mesa,
do sofá, de nada... tinha de ser exatamente no tapete.
Silêncio
absoluto. Suspense. O tal tapete, cantado em prosa e verso, tingiu-se de
vermelho-vinho imediatamente.
- Ai, seu
tapete! Celina, me desculpe. Nossa! Puxa vida, eu vou comprar outro!
O
convidado não cabia em si de constrangimento. Celina sorriu, estendeu um
guardanapo sobre o puríssimo branco tingido e soltou essa prenda:
- Um tapete sem
manchas, uma casa sem amigos.
Estendeu
nova taça de vinho ao ilustre convidado e acrescentou:
- Todas as vezes
em que eu estiver refestelada neste sofá, depois de um dia exaustivo de
trabalho, com certeza, vou me deparar com essa mancha... e ela me fará lembrar
de minhas conquistas e também dos momentos felizes em que meus amigos vieram a
minha casa para comemorarem, comigo, minhas vitórias.
Eu
deveria ter uns 26 anos, ela uns 28. Talvez, eu jamais estivesse preparada, em
tão jovem idade para encarar a vida com a beleza, generosidade e sabedoria de
Celina.
Em
suas palavras diretas e francas, pois, com certeza, sentimos, todos, a reverência
e a sinceridade de nossa anfitriã, ela tatuou em mim, uma lição de saber viver
com plenitude os momentos sagrados de nossas vidas, enfeitando-os com as marcas
de nossas vivências.
Um tapete sem manchas, uma casa sem amigos.
Tim-tim,
Celina! Onde quer que você esteja, tem a minha gratidão!
3 comentários:
Um acontecimento que selou para sempre grandes amizades. Bela maneira de encarar a vida.
Que lindo!
Adorei minha chará! Espero que a vida só tenha manchado mais ainda os tapetes que vieram. Tapetes, malas, roupas... ficam velhos e o tempo se encarrega de fazer a gente enjoar e querer trocar. Amigos se renovam a cada encontro, né?
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