sábado, 24 de novembro de 2012

HUMOR ACADÊMICO




Andei muito por esses brasis. Fico feliz por isso, pois é uma terra linda de se ver, de se sentir, de se viver. Passeando ou trabalhando, esse colorido de paisagens e de gente invadiu-me nos seus mais variados tons.

Na semana passada, contei sobre minhas aventuras com o Sr. Taurio, em Blumenau. Durante a semana, fui colorida por essas lembranças, pelos recantos da cidade, seus arredores, pelos alunos que tive. 

Pelos alunos que tive...

Bem... tem sempre uma turma inesquecível. E esta foi, justamente, a primeira que tive em Blumenau. Vale a pena falar um pouco sobre ela.

Cheguei a Blumenau num domingo tórrido de verão, véspera do início do curso. A primeira aula seria no dia seguinte, começando às oito horas. Sou pontual. Meus alunos costumavam dizer que, quando eu começava a me atrasar, não se aborreciam, pelo contrário, ficavam preocupados. Pois é... questão de temperamento... e também de respeito pelos que nos esperam. Mas voltemos aos fatos.

Às oito horas, estava entrando em sala. Cheia. Todos os alunos lá. Alguns vindos de cidades vizinhas com até uma hora de distância. Mas estavam todos lá. Significa que chegaram antes das oito, é claro.

Mesmo assim, me olharam com certo espanto. Sabiam que eu era carioca e, para eles, carioca é descansado, nunca chega com menos de dez minutos de atraso. A pontualidade carioca é conhecida desta forma e, cá para nós, eles têm lá sua cota de razão. Mas o que conta é que, pelo que me pareceu, os surpreendi desde o começo.

A turma de “professores-alunos” estava ali para um curso de pós-graduação lato sensu e eu fora convidada para dar a disciplina de morfossintaxe. Olhei para eles. Ninguém com cara de sono. Pelo contrário: prontos, despertos, animados. Pressenti um curso puxado. Mas gosto disso.

Distribuí a dinâmica em quatro horas de aulas teóricas pela manhã. O curso oferecia um mísero intervalo de dez minutos pela manhã e dez minutos à tarde, que a carioca, aqui, estendeu, desde o início, para quinze. Mas eram quinze mesmo e todos já estavam na sala após este período. Distribuí a parte da tarde em dois segmentos: no primeiro, exercícios correspondentes à aula da manhã; no segundo, correção dos mesmos e entrega de leituras para o dia seguinte. 

Pelo andar da carruagem, foi suficiente a primeira impressão para perceber que a turma inspirava um curso de muito conteúdo e bem puxado. Se era assim, era isso que teriam. Felizmente, sempre levo material didático a mais. Vale dizer que quase metade da turma era descendente de cultura alemã, a outra quase metade, da cultura italiana. Sobravam uns brasileiros não descendentes, uns pingadinhos de dois ou três. Vinte alunos no total. Todos pontuais e aplicadíssimos.

Mas foi graças a essa mistura de costumes e falares que o curso tomou características especiais. A rusga amigável entre as duas culturas predominantes, davam um toque colorido às aulas, que se tornaram graciosas, alegres e gentis. Havia sempre um chiste, uma piada, um mote, um falar diferente e as horas passavam sem que nós percebêssemos. Eu não me dou conta mesmo. Quando engreno numa aula, peço aos alunos para controlarem a hora. Mas eles pareciam muito envolvidos, interessados, cheios de dúvidas e acertamentos. 

Era óbvio que não estavam ali para terem um certificado. Era transparente o interesse em saber mais, em ter o que dizer de diferente e mais consistente aos seus alunos, no próximo período escolar. Estava bem claro que eles não estavam ali para perderem suas férias à toa. Estavam ali para ganharem melhores condições de trabalho. Condições intelectuais, é claro, pois isso não rende aumento, juros nem correção monetária a salário de professor nesse país. 

O clima era de verão e eles não perdiam a oportunidade de aproveitarem os espaços para se divertirem, uns com os outros, de se conhecerem melhor, de curtirem a oportunidade. 

Fazia muito calor. Não havia ar condicionado. Estávamos na década de oitenta, numa Universidade Pública. Fazia um calor desses, bem abafados, como fica o Rio, quando todos derretem. E não há brisa do mar para ajudar. Nada disso. Perguntei a eles sobre isso, por pura curiosidade. A resposta veio pronta:

- No verão, todos fogem para Camboriú. Aqui só ficam os que recebem os turistas e, claro, nós, os heróis cursistas. 

(Para quem não conhece, Camboriú era ou é a cidade de férias dos cidadãos de Blumenau, cidade de praia e, por isso mesmo, mais fresca)

Logo percebi que, embora fosse mais fácil para mim, era terrível para eles, principalmente porque a sala ficava do lado do sol à tarde. Podem imaginar...

Tentando contornar a situação, a coordenação me perguntou se eu me incomodaria de transferir as aulas para a sala do laboratório da Universidade, a mais fresca que eles tinham. Claro que não! E lá fomos nós, para as mesas de laboratório, com direito a cobras conservadas em potes de formol, caveira, pequenos animais da região empalhados. E foi exatamente isso que me valeu uma das festas de despedida mais interessantes que eu tive, em cursos fora do Rio.

Ao entrar para dar o último dia de aula, havia um bilhete em minha mesa:

“À sua direita, aluno típico do Curso de especialização em Língua Portuguesa, caso a professora decida dar mais uma disciplina em nossa turma.”

Ao lado, então, estava a caveira, com um cigarro aceso na boca, um chapéu de papel, improvisado, representando o que era usado nas festas típicas de Blumenau.

Olhei espantada para a turma. Como eles davam conta do tudo que eu passava como trabalho e nunca reclamaram, embora eu ficasse interiormente admirada, mantive o ritmo. Eles tinham oito horas de aula por dia e ainda levavam leitura para casa. Tinha sido o curso em que eu conseguira dar mais conteúdo por minuto quadrado da minha vida! E eles estavam sempre sorridentes, brincalhões, despertos, pontuais e atentos! Pensei que era uma questão de ritmo deles mesmo...

- Ué, por que vocês não disseram que estava pesado?

- Ora, professora, chega uma carioca aqui, toda queimadinha de praia, nesse pique... e nós, com pinta de europeus... ficamos firmes! Mas temos uma perguntinha a fazer: na próxima semana, vem outro carioca. Ele é assim também, ou pega mais leve?

Ri aos baldes. 

E, no ano seguinte, quando entrei na turma, um dos alunos, ao me cumprimentar, disse:

- Nossa turma dormiu bem neste final de semana, viu professora... já sabemos da batelada que nos espera.

Não estávamos na sala do laboratório, havia ar condicionado na turma, e, claro, não peguei tão pesado. Ao contrário, um mês antes, mandei todo o material de leitura para que os alunos pudessem ler antes do curso. Assim, uma vez feitos os exercícios em sala, poderiam descansar sem trabalho extra para o dia seguinte.

E nada de caveira, no último dia de aula. 

Mas o mais gostoso é que muitos alunos de cursos anteriores vinham para o dia de encerramento da disciplina. Mesmo de cidades vizinhas. E era ótimo revê-los, trocar figurinhas e ouvir piadas catarinenses.

Andar por esses brasis é uma delícia. Em cada ponto um traço, um detalhe, um colorido, uma cultura, um toque especial de vida.

5 comentários:

Anônimo disse...

Teus cursos sempre foram concorridos na Uerj, imagino então fora do Estado: oportunidade de conhecer Eulalia Fernandes é coisa que ninguém vai desprezar!
bjão a vc, décio

Eulalia disse...

Elogio de irmão não conta!... :)

Anônimo disse...

Claro que conta! Tem irmão que elogia e tem irmão que ...
Olha, tem uns irmãos por aí que, sinceramente, eu vou te contar!!!
bjs décio

Eulalia disse...

É verdade... mas você foi um desses, que apareceu, de presente,para compensar!

pblower disse...

Coisa boa te ler aqui bem de noite em terras londrinas. muitos beijos