sábado, 30 de julho de 2011

O OTORRINO


Aliás... “os otorrinos”...

Meu ex-marido sofria de uma otite crônica avassaladora. Avassaladora. Uma crise por mês, no mínimo, e procuramos o que eu poderia chamar de “o primeiro otorrino”.

Pois é... quando a gente tem algo avassalador procura logo um bam-bam-bam, esperando que a graça dos céus nos encaminhe, através desse “doutor” para o término de nosso desespero.

O tal bam-bam-bam diagnosticou um tímpano perfurado e optou por uma escariação, um tal de método que ele disse recompor o tímpano, depois de alguns meses. Para isso, seria preciso consultas constantes e freqüentes (e caras!), que foram feitas, rigorosamente, não por meses, mas por uns dois anos seguidos.

Depois desse período, ele finalmente declarou o tímpano fechado. Mas as otites continuaram... virou mesmo um tratamento crônico. Ele tinha a crise, ia lá, fazia o tratamento local, tomava um bando de remédios e ficava temperando até a próxima crise.

De brinde, o tal “doutor” passou a cuidar de minha faringite, também crônica, e acabei operando as amígdalas com ele, pela segunda vez em minha vida, já que a primeira cirurgia, aos 9 anos de idade, segundo ele, não tinha surtido efeito. Assim, fui contemplada com uma outra cirurgia, aos 32 anos de idade. Mas também não resolveu e passei a ser mais uma paciente crônica de sua lista. Volta e meia, virava o tempo e lá estava eu, também, na consulta, para pincelar a garganta e tomar alguns antibióticos.

Um belo (sim, belo!) dia, o tal otorrino viajou para um congresso no exterior e deixou com os pacientes o cartão de seu irmão, também otorrino, para o caso de alguma emergência. Emergência, diga-se de passagem, era o que mais ocorria aqui em casa, pois esse ouvido não dava tréguas. E não deu outra: meu ex entrou em crise e lá fomos nós, consultar o “segundo” otorrino.

Chegamos lá e, logo de saída, ao examinar o canal auditivo do paciente, ele me solta esta prenda:

- Mas o senhor tem aí um tímpano perfurado e muito bem perfurado! Só pode mesmo ter otites graves como esta!

Meu ex, que não deixava passar barato, respondeu de pronto:

- Estou cuidando dela há mais de três anos e seu irmão declarou que tinha fechado o meu tímpano. Aliás, já paguei uma fortuna a ele por conta disso e o senhor diz que ele mentiu para mim o tempo todo?

Se eu não sabia onde colocar a minha cara, imagine você o tal doutor que tinha a expressão mais honesta do mundo. Ele não podia imaginar o que tinha acontecido, mas, é claro, manteve a palavra.

- Bem, pode ter havido algum engano. Mas o senhor tem mesmo uma perfuração considerável em seu tímpano e eu o aconselho a pensar numa cirurgia de timpanoplastia com certa urgência, caso contrário, estará mesmo comprometendo sua audição que já deve ser mais baixa que o normal.

Isso assim, dito na maior delicadeza e com a cara mais sem graça do mundo. Você pode imaginar por quê...

Lamentamos não termos encontrado este irmão e não o outro, em primeiro lugar. Meu ex perguntou se ele faria a cirurgia. Eticamente, ele respondeu que não, pois não era seu cliente. Aconselhou-o a esperar o irmão voltar e que me ex conversasse com ele. Agradecemos e saímos. Fora de questão voltar ao primeiro otorrino!

Meu ex acho que soltaria fumaça pelas ventas, se pudesse. Não lhe tirei a razão, embora eu não seja explosiva. Ouvi, sem poder e nem querer retrucar o quanto teríamos comprado de combustível para o iate do “tal”, sem resultado. Esperei passar a crise, não tinha jeito. Era deixar desabafar. Depois disso, sugeri procurarmos um “terceiro” otorrino. Mas, dessa vez, algum que, comprovadamente já tivesse feito curas suficientes para nossa confiança e não um que, obrigatoriamente, portasse um belo nome em sua porta.

Por meu lado, eu também precisava de um novo otorrino. Estava tomando antibióticos há 4 meses seguidos, sem resultado. Você pode imaginar como estava o meu organismo, todo chumbado de remédios, sem conseguir o resultado desejado, com a garganta constantemente inflamada.

Foi aí que ele apareceu, na lista de convênio da empresa do meu ex, a antiga TELERJ. Fomos lá, ambos precisados de ajuda e cura.

Um japonês simpático, mas sério e compenetrado, nos atendeu. Para mim, retirou de pronto os antibióticos e começou um tratamento à base de aumentar a resistência imunológica. Disse que levaria muito tempo para restabelecer o equilíbrio e por muitos anos eu teria recaídas, mas que as crises iriam se espaçando, aos poucos, se eu fosse bem fiel ao tratamento. Senti firmeza, aceitei na hora.

O caso de meu ex era mais complicado. Exigia mesmo cirurgia. O japonês tinha cara de quem dava conta do recado. E foi com admiração que o ouvi o que se segue:

- Sim, eu posso fazer isso e o farei.

- Pelo convênio?

- Claro, o senhor não é do convênio? De que outro modo eu faria? Só que vou chamar meu professor para acompanhar a cirurgia, pois o senhor já tem 40 anos e é uma cirurgia que pode não ter o sucesso esperado. Mas meu professor é mesmo um expert neste procedimento e pedirei sua presença, por via das dúvidas. Estou certo de que sairá tudo bem se o senhor seguir à risca as recomendações. As chances de insucesso existem, mas são mínimas, se todos os cuidados forem tomados.

- Ele é do convênio?

- Não, mas não se preocupe. É de minha responsabilidade chamá-lo, o senhor não terá despesas extras por causa disso. Ele virá porque vou pedir. A única coisa que lhe peço é pagar uma consulta a ele, 15 dias depois do procedimento, para ele dar o sinal verde para que eu proceda o resto do tratamento. O senhor se incomodaria de fazer isso?


Fiquei boquiaberta! Isso existe! Claro que não nos “incomodaríamos”! Teríamos um expert de graça na sala de cirurgia, sem uma despesa a mais e ele ainda perguntava se nos incomodaríamos de conhecer um figurão e pagarmos por isso apenas uma consulta para ele dar aval a um tratamento tão complexo quanto esse!

Pois então... tudo foi feito, conheci o tal figurão. Na verdade, uma figurinha de outro japonês bem sério, mais para carrancudo, mas também simpático, bem com pinta de professor. Foi o quarto otorrino desta história, mas que apareceu só para brilhar no momento certo e nunca mais vi. Um mês depois da cirurgia, ouvi meu ex comentar.

- Puxa vida, estou “ouvindo em modo estéreo” outra vez

Em suma: sucesso total! A partir de então, passamos ambos a nos tratar com o “terceiro otorrino”. Meu ex ficou bom em cerca de um ano. Depois disso, não me lembro de ele ter tido outra dor de ouvido até o nosso divórcio, que se deu só uns cinco anos depois.

Eu, caso mais complicado, como ele mesmo disse, fui rareando nas crises, mas elas sempre apareciam.

Pois é... mas aí veio o divórcio. E com ele, é claro, o meu desligamento do plano de saúde da TELERJ. As consultas, eu sabia, custavam um preço que eu não podia pagar. Ainda mais porque eu arquei com as despesas do divórcio e outras coisas afins, que vem junto com uma radical mudança de vida.

Não tinha saída. Era dizer, com muito jeitinho, que eu abandonaria o tratamento. Fui à consulta escolhendo as palavras. Aquele anjo protetor merecia os melhores agradecimentos, o mais profundo respeito e toda minha admiração. Ele precisava saber, sem sombra de dúvida, que minha retirada nada tinha a ver com qualquer coisa a seu respeito, mas, única e exclusivamente com minha mudança de vida.

Acho que escolhi uma forma singela e fácil. Disse-lhe que estava me divorciando e, como saía do plano de saúde da empresa, estava apenas suspendendo o tratamento por uns tempos, mas que voltaria. Ficou implícito, de modo delicado, eu acho, a causa real, mas também ficou explícito que seria temporário. Tentei fazer do modo a que ele percebesse que não estava ali para me queixar e, sim, apenas, para me equilibrar. Eu voltaria. Que ele me esperasse, pois eu sabia que, finalmente, estava em boas mãos e aproveitei para lhe agradecer toda a cura que já havia conquistado.

Na verdade, eu não sabia se voltaria. As dívidas que me ficavam eram tantas que eu via um distante horizonte para meu equilíbrio novamente. Mas era o que eu tinha a dizer.

Mas ele não deixou por menos:

- E você acha que eu aceitaria a suspensão de seu tratamento depois de mais de cinco anos de sucesso nessa luta? De jeito nenhum! Se você não aparecer aqui na primeira próxima crise estará colocando o meu tratamento e todo o meu investimento em você no lixo. Nem pense nisso! Depois de tantos anos, somos amigos! Se você não vier, considerarei uma ofensa. E grave!

Me lembro, até hoje, que olhei para aquele homem com lágrimas nos olhos. Isso existe!

Continuei o tratamento. Hoje, muitas vezes, passo em seu consultório só para um abraço. É raro, mas também corro a ele por uma dorzinha ou outra, longe, muito longe das crises de antes. Agora, são alergias de uma pessoa normal!

No mais, é tão raro eu ter dor de garganta que seria uma ingratidão não passar lá de vez em quando, bem rapidinho, só para pedir que as bênçãos dos deuses caiam sobre seus dias.

É engraçado... quase tudo que me acontece tem o “três” a minha volta. É um número que me acompanha, desde pequenininha. Mas esse “terceiro” otorrino é mais do que um bom médico. É um anjo que os deuses colocaram perdido (ou bem achado) no meio dos homens. Seu modo sério de atender, sua ética incontestável, seu sorriso franco e amigo estarão sempre presentes em meu coração.

Espero poder visitá-lo por muitos e muitos anos, vendo-o saudável, feliz com sua amada e forte de espírito como sempre foi.

Que os deuses do Olimpo o abençoem e sua vida seja sempre muito iluminada!

5 comentários:

Décio disse...

Moral da história: o primeiro Valisère (e o terceiro otorrino) a gente nunca esquece! rsrsrsrs
bjs para vc!

Miriam disse...

Tinha que ser um primo do Mikao :-)
Bjs.

Eulalia disse...

ótima essa, Miriam!!!

É verdade, Décio, nem me fale... (risos)

Celina disse...

Minha querida, vc atrai pessoas do bem. Podem até demorar mas acbam chegando.

Jane disse...

Gostei ..bjinhos