sábado, 23 de julho de 2011

O CASAL


Lembra do China? Pois então. Fiquei sem o China e, por muitos anos, bati com a cabeça por aí a cada vez que precisava de algum conserto, alguma pintura, alguma emergência em minha casa.

Um dia, Gildo apareceu, como você viu, se leu o conto “A dívida”. Gildo entrou na minha vida, através de uma amiga comum, ex-aluna e decoradora de interiores. Por conta de reformar a minha casa e dar uma cara mais minha, depois do divórcio, tive dela algumas sugestões muito pontuais e interessantes. E minha casa ficou mesmo a minha cara. Mas quem faria a pintura e os pequenos ajustes necessários? Foi aí que o Gildo apareceu na história da minha vida, para nunca mais sair, lá vão uns... quinze anos, talvez.

Na reforma da sala, então, suas sugestões e detalhes deram ao ambiente o jeito que ele sabe ser meu. O banheiro, por exemplo, ficou assim graças a suas idéias. Uma vez, um aluno foi lavar as mãos e não resistiu. Soltou essa:

-“Vocês já viram o banheiro? Vale uma visita”!

Até o apoio para os pés para as pessoas mais baixinhas foram bolados por ele de um jeito que, quando não estão em uso, se transformam em uma pequena estante. Esse é o Gildo, de fala mansa, educação requintada e de uma simplicidade que faz gosto. Uma vez, fui trabalhar em Vitória, dando palestras e ele ficou morando em minha casa, fazendo uma reforma. Fui no domingo e só me lembrei de ligar para ele na quarta. Ele me inquiriu:

- Puxa, vida, você nem ligou para saber se estava tudo bem, se as coisas estavam indo do seu jeito!

- E precisa?Nem me lembrei que você estava morando aí, então, não ligava à noite. E durante o dia estou trabalhando... só me lembrei hoje.


Quando voltei, estava tudo certo. E mais: uma das coisas que estava por fazer não tinha sido feita porque, apesar de termos combinado, ele experimentou num pedacinho e achou que eu não iria gostar e me esperou para resolver. E, para variar, como me conhece bem, eu não gostei mesmo e fizemos de outro jeito.

Pare a cena. Guarde o Gildo. Desenrole um pouco para trás o carretel da minha vida e você encontrará... Jane!

Eu já disse que tenho um anjo que me aparece nas horas mais desacertadas. Pois eu estava numa hora desacertada mesmo, sem saber quem escolher para cuidar da minha casa com o mesmo capricho e cuidado com que sempre cuidei. Conheci Jane quando ela tinha cerca de quinze anos, filha de uma secretária que me servia às sextas-feiras. Mas era hora de ela tomar outro rumo, por circunstâncias da vida. Vez por outra, no entanto, Jane vinha dar um reforço à mãe e deixava minha casa um “primor”.

Mas Jane merece uma apresentação à parte: esforçada, desde cedo, cursara até o segundo grau e tinha, até, um curso técnico de saúde, algo como assistente de enfermagem, se não me engano. Menina prendada e estudiosa. Não seguiu carreira, também por circunstâncias da vida. Dali fez várias coisas antes de se casar, chegando a posar como gerente de uma importante loja de seu bairro. Mas casou, virou dona de casa e mãe de um filhote lindo que hoje tem vinte e um anos. Uma prenda de menino, em curso de engenharia, estagiando e com emprego acertado.

Mas pulei uma parte: Jane separou-se quando ele era ainda muito pequeno. Foi mais ou menos nessa época que, por falta de melhor opção, acabou substituindo a mãe, às sextas, na minha casa. De quebra, também é excelente manicure, o que fez de mim, uma abençoada, pois às sextas, a faxina passou a ser mesmo completa: casa, pés e mãos.

No começo, pensei em ser coisa provisória. Eu mesma torcia por uma boa colocação para essa moça tão esforçada. Mas qualquer coisa não chegava ao nível do que ela necessitava e nem nas condições. Afinal, o filho era bem pequeno e ela não abria mão de cuidar dele. Trabalhar em expediente integral largando o filho “a própria sorte”, como dizia, estava fora de questão. Então, pegou a minha casa e mais uma, se não me engano, e com isso deixou o filho crescer bem crescido e cuidado como todo mundo que o conhece pode constatar hoje.

O fato é que foi ficando aqui em casa e, um dia... apareceu com diabetes. Aí... dei uma prensa, mas acho que nem precisava. Passou a cuidar-se direitinho. Nessa época, eu já era reikiana, coisa que ela respeitava, mas via com muita reserva. Mas o Tai Chi Chuan que eu também fazia foi bem recebido e ela topou logo participar das aulas que a prefeitura de seu bairro oferecia (e ainda oferece!), duas vezes por semana. Tomou gosto e também jeito para a coisa e foi por aí que acabou se interessando pela terapia holística. Como sempre, santo de casa não faz milagre e não era por mim que ela iria entrar nessa. As energias da vida são assim mesmo. Eu, bem quieta no meu canto, sorria por dentro com a sua empolgação: temos uma hora sagrada para papos, todas as sextas, no horário de fazer as minhas unhas!

Mexe aqui, revira ali... Jane acabou se matriculando num curso, com um dos professores de Tai Chi Chuan, mas para fazer a formação holística. Encurtando a história, Jane é hoje uma instrutora de Tai Chi Chuan e quase terapeuta holística. Falta pouco. E como já vi sua performance em Tai Chi, posso garantir que merece o título que tem. Já ganhou medalhas em competição e tudo!

Aos poucos, Jane acabou por conhecer florais e Reiki e já fala sobre isso como gente grande. Só estou esperando que ela faça os cursos, que estão à disposição, quando quiser.

Fico descansada com isso. Não estarei aqui para sempre e gostando dela como a uma filhota, é claro que quero ve-la bem encaminhada.

Contada a história de cada um desses personagens, pare a cena novamente. Volte a fita.

Estamos em torno do ano 2000. Jane, com o filho em torno de 10 anos, separada. Gildo em fase de separação. Eu, amando os dois como filhos, tramando um encontro de meus dois amores. Que fazer?

A verdade é que meu apto estava mesmo precisando de uma ajeitada. Pintura, consertos... aproveitei a oportunidade e engrenei uma obra. Mas só poderia ser feita às quartas e sextas. Tudo ardil: pedi a Jane que viesse mais uma vez por semana, às quartas, claro, por conta da sujeira que se faria. Aceitou. Nem seria preciso, pois o Gildo, quando sai, a cada dia, deixa tudo um brinco. Mas tinha o almoço. Então, além de ajudar na sujeira, o almoço estaria resolvido.

Não foi preciso fazer mais nada. Quando dois amores de pessoas como eles se encontram, a vida faz o resto. Eu, discreta, só na torcida, sempre apressada para fazer minhas coisas em outro lugar, atolada com a Universidade, pois ainda não tinha me aposentado. O casal se fez naturalmente.

Hoje, os dois estão juntos. Gildo adora o filhote de Jane, que o conheceu com 10 anos e neste ano fez 21. Gildo continua sendo meu braço direito para toda e qualquer reforma, pintura, acerto, pia pingando. Jane é o primor de moça que já contei. Posso dizer que sou brindada, às sextas, com uma instrutora de Tai Chi Chuan, super energizada, cuidando de minha casa como eu cuidaria. Com certeza melhor, pois não tenho mais idade para isso. Sem contar com os pudins e doces de banana que me faz de vez em quando, as unhas, os papos, a amizade, o carinho cultivado entre nós.

Um dia, não estarei mais aqui. Mas de onde estiver, vou vê-la cuidando da terceira idade, como hoje cuida nos projetos de seu bairro, dando aula de Tai Chi Chuan, alongamentos, cuidando, incentivando os idosos e, também, garantindo seu futuro. Estarei descansada por isso. As pessoas esforçadas merecem ser recompensadas pela vida.

Enquanto isso não acontece, fico aqui, também cuidando da minha e tendo, às sextas, um encontro marcado por uma trama do passado bem urdida. Fico feliz por ter feito parte disso.

Se precisarem de uma professora de Tai Chi Chuan e, em breve, terapeuta holística, pois seu curso está acabando, ou de alguém que reforme a sua casa como se sua fosse, com os cuidados de um profissional de primeira classe, já sabem a quem recorrer. Dou os cartõezinhos.

Tim-tim para vocês, meus queridos. Vocês merecem!

4 comentários:

Celina disse...

Eulália, seus contos me cativam cada vez mais. Esse casal apareceu porque você merece pessoas assim a sua volta, e como abençoado cupido, você juntou os dois. Lindo, lindo, lindo!

pblower disse...

Amei!!!! Eu sabia que os dois eram casados, mas não conhecia a história. Amei!! E por falar em Gildo, vou ativa-lo na semana que vem. preciso fazer umas obrinhas, né? mil beijos

Dani Dias disse...

Falta pra mim conhecer a Jane. Do Gildo sou fã! Adorei ler essa doce história.

Jane disse...

Eu,jane e Gildo adoramos a nossa história contada por um anjo chamado EULALIA...Agradeço a DEUS por esse presente com olhos de cristal.bjo