sábado, 9 de julho de 2011

A COMPRA



Nunca tinha pensando em ter um consultório em minha vida. Professora universitária convicta e feliz, pensei que iria levar essa profissão para além da aposentadoria, até que a vida ou a própria universidade me considerasse inapta para exercer minhas funções.

É... o mundo dá muitas voltas, e me vi envolvida com igual amor e dedicação pela a terapia holística, mais especificamente com técnicas orientais, especialmente o Reiki e acabei por me aposentar, em 2003, para me dedicar exclusivamente a esta nova profissão.

Mas jamais pensei em ter consultório.

Ele veio. Na verdade, tropeçou no meu caminho. Em princípio, estava procurando um lugar para alugar. Tinha de ser perto de casa, para onde eu pudesse ir a pé. Mas a região, embora pródiga em consultórios e salas, cobra um preço exorbitante para o meu orçamento. Tudo que investisse nele, considerando a baixa estação no consultório que, no Rio, dura quatro meses (dezembro a março) me pareceria sumir pelo ralo, ou seja, pelo exercício do próprio trabalho. Abandonei a idéia por uns meses e voltei a namorá-la no início de 2006. Eu queria qualquer prédio de Copacabana, menos um, por razões muito simples: não queria parecer fazer concorrência a um antigo mestre de Reiki de cujo Instituto tinha me desligado. Embora respeitasse suas posturas e diretrizes, passei a não concordar com elas e, eticamente, seria preferível me afastar. Aliás, acho que foi um processo mútuo. Menos mal. Mas por uma questão de excesso de zelo, talvez, queria evitar ter um consultório e sala de cursos no mesmo prédio.

A partir do início da procura até o ponto final, conheci praticamente todos os prédios comerciais e mistos de Copacabana. Mas... dava uma volta... volta e meia... e empacava no mesmo ponto: o tal prédio. O jornal, os amigos, os corretores, achavam sempre uma forma de embicar meu nariz para lá. Ufa! E eu ali, firme: esse não quero. Tinha tido o explícito cuidado de dizer aos meus corretores, amigos, benfeitores e todos os interessados em me ajudar que serviria qualquer prédio, menos aquele. Mas parecia atração à oposição explícita. Incrível...

Assim, passei meses procurando sem muita ânsia. Se aparecia algum imóvel, eu ia ver. Nada agradava e eu adiava a iniciativa. Um dia, Maurício, um dos corretores, me ligou, animado:

- Oi, lali, onde você está?

- Na rua, mas pode falar.

- Na rua, onde?

- Esquina de Nossa Senhora, com Siqueira Campos.

- Pois então você está em frente ao prédio de seu futuro consultório. Achei!


Fui gentil, mas firme:

- Maurício, eu já lhe disse: “todos os prédios, menos esse”.

- Eu sei, mas seria por uma gentileza, pelo menos. Não custa ver, né? A dona não nos dá a chave, o corretor está lá e você está em frente à portaria! Não é muita coincidência?

- Tá bom, Maurício, tá bom.


Subi. Desnecessário dizer que a sala era tudo que eu queria. Tudinho. Inclusive pelo fato de estar caindo aos pedaços, o que mexe consideravelmente no preço.

Se você se lembra do tal anjo da guarda que me empurra para aventuras, ele estava presente, ali, de novo. Eu tinha pensado numa sala com uma divisória para separar o espaço de atendimento do espaço de cursos. Tinha até isso, feita de madeira, com porta e tudo. O anjo tinha providenciado algo removível, só para me atrair. Assim, ela se apresentaria exatamente como eu tinha sonhado, apesar de ele saber de velho que uma divisória seria a primeira coisa que eu, depois de estudar o espaço, iria detestar. E foi mesmo: assim que comprei a sala e pensei na distribuição do espaço, a divisória foi a primeira a sair.

Mas voltemos aos fatos: a dona estava pedindo um preço absurdo por um pedaço de chão totalmente destruído. Não dava nem para entrar no banheiro. Tinha um tanque (imagine!), pia quebrada, azulejos caindo. Eu podia imaginar o encanamento podre por dentro! Era construir tudo de novo. Mas o prédio, além de ser super bem localizado, me ostentava uma sala no penúltimo andar, sem outros prédios perto para devassá-la e... de fundos, sem o barulho do trânsito local. E mais: sol da manhã, lua da noite, voltado para o mar. Não dava para vê-lo, por conta de prédios que embora fiquem distantes, são altos o suficiente para impedir a vista direto para a natureza, mas as energias vinham diretamente de lá. Perfeito para os objetivos do meu trabalho! Parecia coisa feita para mim! Balancei nas bases. Embora apegada a minha primeira convicção de não me estabelecer naquele lugar, ensaiei uma negociação com a dona, que permaneceu irredutível.

Me despedi e saí. Esqueci de dizer que estava acompanhada pelo porteiro, o Luiz, que fizera questão de me levar até lá. Ao descer pelo elevador, descobri que ele também era reikiano. Ao saber que eu estava procurando um lugar justamente para aplicar Reiki, me disse:

- Ah, você tem de vir para cá.

Sorri. Disse que não tinha pressa e que estava procurando outros lugares, mas agradecia a gentileza. Não quis dar o verdadeiro motivo de minha saída estratégica por uma questão de ética, pois, afinal, ele era porteiro dali. Mas, nessa hora, sem que eu soubesse, o tal anjo de minhas aventuras deve te-lo cutucado, pois o porteiro me disse:

- Você se incomoda que eu faça uma observação?

- Claro que não.

- Você não sabe fazer negócio. Posso comprar essa sala para você?


Antevi o tal anjo e, por via das dúvidas, respondi:

- Se você quiser, sim, claro. Se ela tiver de ser minha e você acha que pode ajudar, esteja à vontade.

Combinamos uma “taxa administrativa”, caso ele conseguisse fechar o negócio e saí, me esquecendo da história.

O tempo passou. Devo confessar que a sala, vez por outra, enfeitava meus pensamentos e passei a procurar algo parecido, já que estava mais bem delineada em minha mente. Mas nada, não havia nada que sequer se aproximasse dela.

Quase um mês depois, recebo uma ligação do Maurício, o tal corretor:

- Lali, onde você está?

- Na rua, mas pode falar.

- Vamos fechar negócio?

- Que negócio?

- Ué... daquela sala que você viu no prédio da Siqueira Campos.

- Como assim?

- Pois é, ela voltou atrás no preço. Vamos fechar hoje?

- Espera aí, vou falar com o meu advogado.


Não era para o advogado e sim para o porteiro que eu tinha de ligar. Afinal, eu tinha fechado um compromisso com ele e queria, pelo menos, avisá-lo do imprevisto. Ao ligar, no entanto, apenas o ouvi rir do outro lado e dizer:

- Pode fechar, faz parte do negócio. Depois a gente conversa.

Fiquei desconfiada:

- Mas está tudo certo? O que você fez?

- Nada desonesto, posso garantir. Fecha logo esse negócio e depois a gente conversa.

- Mas se eu fechar agora com ele, não vou poder pagar a sua “taxa administrativa” agora. Vou ficar a nenhum!

- Não se preocupe, quero você aqui conosco. Depois a gente acerta. Somos os dois reikianos, estamos em casa.


Só podia ser o tal anjo, não era possível. O fato é que fechei negócio e em menos de dez dias, era dona do imóvel. Negócio fechado, fui ter com o tal porteiro:

- O que você fez?

- Nada demais. Apenas disse à dona da sala que eu tinha uma pessoa que tinha visto o imóvel e que estava oferecendo X (a mesma quantia da minha oferta). Só não disse que era você. Não menti, menti? Afinal, ela não conseguiria nada melhor. Fiz ver a ela que só estava acumulando as dívidas com o condomínio já que tinha deixado de pagar há meses e que, se não vendesse logo e pelo preço da oferta, acabaria no prejuízo. Além disso, esta oferta coincide com o que se está oferecendo mesmo pelas outras unidades, por aqui... e a dela está bem caidinha... Ela é que está viajando na maionese. Desonesto não fui. Apenas não disse que a oferta que eu tinha era da mesma pessoa.


Em outros termos, sem que eu mesma o soubesse, estava fazendo uma oferta através da corretora e outra oferta, de mesmo valor, através do porteiro. Esta foi a jogada de gênio desse jovem, que hoje, passados quatro anos, seguiu seu dom inato de ser corretor de imóveis e tem uma sala de corretagem, aliás, no mesmo prédio.

Fechei o negócio com a administradora e, em seis meses, paguei a taxa combinada com o porteiro. E agradeço, até hoje, carinhosamente, a este anjo invisível que me aparece do nada, nas horas mais inesperadas.

Foi assim que cá estou, com um consultório para onde vou a pé, pela praia de Copacabana, agradecendo o sol de cada dia e também aos deuses pela recompensa por tantos anos de tanta luta, tanto esforço, tanta dedicação e tanta economia. E, é claro, ao meu anjo aventureiro, pela ajuda providencial que chegou na hora certa.

3 comentários:

Dani Dias disse...

Espaço merecido e delicioso.

Anônimo disse...

Como alguém me disse um dia, "é incrível a força que as coisas têm quando precisam acontecer!"
E um dos gestos amorosos mais bacanas dos anjos invisíveis, eu acho, é que eles inspiram os visíveis... :)
Beijos, querida.

Celina disse...

Parabéns querida! Sou testemunha do início, e posso dizer que muito da minha melhora da artrite se deve aqueles momentos de Reiki. Você é poderosa e claro que o universo conspira a seu favor!