sábado, 30 de abril de 2011

SAIA JUSTA


O primeiro domingo que passei em Portugal, merece menção de destaque. Estávamos em 1975, ano da revolução dos cravos, em pleno e agradável verão europeu. Meu pai, fazendo as honras da casa e querendo impressionar a filha por viver no que chamava o melhor país do mundo, convidou uns amigos e fomos almoçar no lugar mais badalado da cidade, o restaurante que ficava nos Escadórios do Menino Jesus de Braga.

Sim: escadórios. Aqui seriam as escadarias, mas lá são “escadórios” mesmo. O passeio exige que você tenha fôlego suficiente para subir as escadarias, coisa que meu pai jamais fez, chegando lá em cima de carro, pois é muito mais confortável. Eu enfrentei os escadórios, como boa viajante que sou. Cada lance com uma etapa do calvário e todo o enredo de entorno da fé cristã. A visita é coroada com a Igreja do Menino Jesus e, logo depois, finalmente, com o restaurante, seguido de uma tarde de passeio por ali. Domingo tradicional bracarense.

Mas o fato de destaque, por incrível que pareça, não foi isso. Foi mesmo a saia justa por que passei.

Vislumbre o contraste:

Portugal, 1975 - cultura tradicional européia. Eu não sabia, mas as mulheres casadas se vestiam muito discretamente, geralmente cores escuras, meias finas, saias sempre abaixo dos joelhos. As aldeãs, então, ainda conservavam o costume de usarem vestidos pretos, longos até o chão. Um folclore à parte, para nós.

Brasil, 1975 - não há diferença de modo de vestir entre solteiras e casadas. Na época, para quem lembra, cansamos de usar vestidos do tipo chemisier para situações esportivas e esporte fino (um camisão masculino, bem acinturado e talhado, com mangas compridas para ocasiões mais formais e curtas, no estilo esportivo). Acompanhava uma meia três quartos e um sapato fechado, estilo mocassin, mas mais fino e de saltinho. Muito chique. O detalhe é que o vestido tinha de ficar pelo menos um palmo acima do joelho... diga-se... um palmo medido bem generosamente.


Eu havia chegado na véspera de manhã. Nem me dera conta de ficar prestando atenção a qualquer detalhe de moda. Era a primeira vez que eu ia a Portugal e, em minha cabeça juvenil, o via apenas como um país irmão. E, eu, com apenas 24 anos, nem me ligara nessas coisas.

Outro detalhe: ocorre que, pelo menos naquela época, segundo a tradicional família portuguesa, o pai era encarado como... digamos... “senhor da filha” (ai meus deuses...) até que ela se casasse. A partir daí, quem apita é o marido. Então, segundo esses parâmetros, meu pai não faria qualquer comentário, por exemplo, em relação a minha maneira de vestir, nem que fosse para me alertar de que, ali, naquele país tradicional, as vestimentas femininas estavam longe de seguir as modas brasileiras. E foi aí que o bicho pegou.

Pois é... levei meus dois vestidos chemisiers para situações mais formais e um bando de calças compridas para passeios. Separei o mais bonitinho, a meia mais charmosa rendada (rendada acho até que piorou a história, para os parâmetros portugueses!) e desci as escadas de casa, rumo à sala de visitas, prontinha para enfrentar meu primeiro domingo. Meu pai estava ao pé da escada (como se diz em Portugal) e apenas olhou para minhas pernas. Olhou, baixou os olhos e nada disse. Achei que era apenas um trejeito de pai tradicionalíssimo, diante de uma filha com uma saia um pouco mais curta. Só muito depois descobri o que sua face revelara: “isso vai ser um aperto...” Mas... “como eu tinha marido” e ele estava presente... nada disse.

O tal “aperto” começou logo na saída. O casal de acompanhantes sustentava uma esposa no mais alto estilo português da época. E eu bem à brasileira, com o que chamamos de vestido bom para sair com o pai no domingo.

A saída foi fingir que não estava percebendo nada e ir em frente. Afinal, eu não tinha mesmo outro vestido e não poderia imaginar a saia justa em que estava me metendo.

Mas foi mesmo um atropelo. Em qualquer lugar que eu estivesse, percebia que, depois de passar, as pessoas se viravam para olhar – ouvia aquele barulhinho que o sapato faz no chão de areia, quando se vira -, via as mulheres me olharem como quem saiu do mundo dos escândalos. Muitas chegaram a parar na minha frente, meio acintosamente, me olhando com caras de santa inquisição... um horror, mesmo para quem não liga muito para essas coisas, como eu. Lembro-me, como se fosse hoje que, por duas vezes, ao passar, ouvi a expressão: “deve ser francesa... como se atreve a esse escândalo!”

No restaurante, felizmente, o guardanapo era bem grande e pude cobrir as pernas que, geralmente, ficam mais à mostra quando se senta. Mas, durante o passeio da tarde, o que me salvou mesmo foi o meu espírito aventureiro. Vez por outra, eu me dizia: finja que está vestida de freira e vá em frente.

Que peça... pelo resto da temporada, naturalmente, só vesti calças compridas, pois não havia vestido português que eu experimentasse e dissesse que conseguiria usar. Culturas tão próximas e tão distantes...

1975. O tempo passa, mas não apaga as sensações de aventuras, de sentimentos, de vida... até hoje, quando lembro, me rio um pouco do escândalo que causei involuntariamente, numa cidade que, naquela época, era pouco maior do que Copacabana.

Você pode imaginar o que foi...

4 comentários:

Camila disse...

Que lindão é esse páis né (:

pblower disse...

O tempo passa, mas Portugal continua com seu charme todo especial. E vc também!!!!!
(Pensei que vc fosse falar do casamento do principe esta semana)

lmrogerio disse...

saia justa ou saia curta ?

Valéria Hinojosa disse...

Kkk, imagino a situação! Isso que é vestido justo! rss
Bjs querida