sábado, 26 de março de 2011

DÁ PARA EXPLICAR?


1996. Eu estava em Salvador, num congresso sobre HIV/AIDS, organizado pelo Ministério da Saúde. Naquela época eu era coordenadora de um dos meus projetos favoritos: atendimento preventivo e de acompanhamento a portadores de HIV e doenças sexualmente transmissíveis para a comunidade de surdos. Como me meti nisso? Ora, porque os surdos não tinham acesso à divulgação comum, sempre auditiva e sempre em Língua Portuguesa. Como eu tinha um projetão voltado para a comunidade de surdos e tudo que pudesse envolver processos de comunicação em Língua de Sinais, acabei me envolvendo com isso também.

O congresso estava sendo um sucesso e nosso trabalho foi brindado com um prêmio especial, dada a especificidade do trabalho: tudo era feito em Língua Brasileira de Sinais, desde a divulgação e propaganda, até o atendimento no hospital universitário. Dava um trabalhão. Mas era simplesmente magnífico ver como as coisas andam, nesse país, quando a gente quer. O povo brasileiro é pródigo, generoso, cuidadoso. O projeto conseguiu espalhar-se por quase todo o Brasil, diga-se, por quase todas as comunidades de surdos do país, com ajuda de custo que aparecia de até onde os deuses duvidam. E o Ministério da Saúde, nesse item, foi simplesmente exemplar. Aliás, o combate ao HIV/AIDS, no Brasil, naquela época, foi tão exemplar que chegou a ser reconhecido mundialmente como um dos principais países de excelência na prevenção e no combate ao HIV. Poucos sabem disso. O brasileiro não costuma ver as suas qualidades, infelizmente.

Bom, eu estava lá, no congresso, em plena capital baiana, já tendo apresentado o projeto, às vésperas de vir embora. Mas estava incluído no pacote o direito à diária do hotel até o dia seguinte, sábado, final da tarde. Estava exausta do trabalho e também da noitada que tinha tido com Silvio, o tal que se transformou em cunhado-irmão, o querido marido de Patrícia, que você conheceu no conto “Silvio”. Acabada a labuta e a festa, em vez de ir embora correndo, como quase sempre fazia por conta de compromissos profissionais, marquei meu vôo para o início da noite e resolvi dormir até mais tarde e dar um pulinho à piscina de manhã para relaxar. Na segunda, muito trabalho me esperava por aqui, mas ainda teria o domingo inteiro para me refazer.

Fui à piscina e fiquei pensando em toda a semana. Meu olhar se espalhava pelo mar cujo azul se via do terração e também pelo jovem casal que se encarregava de fazer a alegria dos turistas no espaço da piscina. Os dois jovens, iam e vinham, com seu jeitinho baiano irresistível, nos fazendo sorrir dessa sedução e graça que só encontramos na Bahia.

No final da manhã, fomos brindados com a possibilidade de uma lembrança. Quem quisesse, levaria um colar de flores, desses que se dá os turistas, mas que não são de flores naturais. Havia de várias cores. Claro, eu quis um. Me aproximei e a moça pegou um, aleatoriamente, para me dar. Mas o moço se adiantou, tirou o colar de suas mãos gentilmente e disse:

- Um colar amarelo, para uma filha de Oxum.

Olhei-o espantada:

- Ué, como você sabe?

Sorridente, colocou o colar em meu pescoço e disse:

- Precisa perguntar?

Eu não sabia quem era Oxum. Sequer sabia por que não precisava perguntar. Para ele, deveria estar na “cara”, se é que é pela cara que se vê essas coisas. Mas agradeci pela gentileza e trouxe meu colar com carinho. Ao chegar em casa, no Rio, fui correndo pesquisar: senhora dos rios, cachoeiras, lagos... a mãe da água doce. Sorri da idéia. Filha de Oxum. Bonito, romântico... mas não me satisfiz.

Na segunda, procurei um querido amigo, no setor dos funcionários de áudio-visual da Universidade. Anos atrás, ele tinha me olhado longamente e me cumprimentado com uma pequena reverência. Perguntei por quê. Olhando para minha mão direita que eu quase perdi numa queimadura terrível da qual prefiro não contar a história e de cujas marcas tenho até hoje, ele disse:

- Meu pai já te marcou, ora vejam só!... Um dia, você também vai trabalhar com cura.

Estávamos em 1992 e eu nem sabia o que era Reiki ou terapias orientais. A última coisa do mundo que me passaria pela cabeça, seria me aposentar antes dos setenta anos, com a compulsória do funcionalismo público. Disse, gentilmente, que amava o que fazia e outra coisa não estava em meus planos. Ele apenas sorriu, repetiu a reverência e ficou por isso mesmo.

Pois é... em 1996 eu estava sendo apresentada ao Reiki, primeiro como cliente, depois como aluna dos cursos e, em 1998, já estava aplicando Reiki em amigos. Em 2003, me aposentei para me dedicar exclusivamente a isso. Inexplicável aos olhos da razão.

Mas voltemos a 1996. Me lembrei das observações antigas desse amigo e foi a ele que recorri, desta vez, mais crente e convicta de que existem essas coisas que não sabemos explicar. Na verdade, esse amigo já vinha se tornando, com o correr dos anos, um grande interlocutor de muitas coisas acadêmicas e da vida. Se ele predissera algo que já estava se delineando, saberia me dizer o que significava o que o jovem baiano me havia revelado.

Ele sorriu quando lhe mostrei o colar e me disse:

- Eu sabia que, um dia, voltaríamos ao assunto.

E me deu uma aula completa sobre quem seria essa entidade que se apresentava como sendo a minha maior proteção. Não havia dúvidas, segundo ele, que tudo em mim transpirava Oxum e nunca tinha se aprofundado na questão por conta de minha resposta pouco receptiva.

Pirei. Ele não tinha dito, em 1992, que eu tinha sido marcada pelo “pai” dele? Que história maluca era essa? Outra aula para leigos sobre quem é quem e quantos podem ser... e, o mais estranho, mas muito convincente, era que tudo que ele descrevia combinava comigo: comida que me fazia mal, gostos, etc.

Que mundo encantado... mas me mantive paralela a ele, pois logo antevi que a coisa era mesmo muito complicada e fiquei muito feliz ao saber que eu poderia ser filha, só filha, sem maiores problemas, rituais ou obrigações.

Uns anos depois, indo à casa de minha faxineira – a mesma do conto do “galo” – para levar mantimentos, fui surpreendida, de novo, com o mesmo cumprimento.

Estava na varanda, tomando um refrigerante, quando se aproximou um amigo dela, me olhou e me cumprimentou:

- Salve, filha de Oxum!

Como é que pode?

Eu nunca tinha comentado nadica de nada com ela, não conhecia o tal moço e, portanto, não teria como ele saber da informação. Fiquei olhando meio surpresa, meio estarrecida para essa sabedoria popular sem tamanho, que só poderia nascer, viver e frutificar aqui, nesse país abençoado em sua cultura miscigenada e pródiga.

Quem dá conta desse misticismo?

5 comentários:

Valéria Hinojosa disse...

Puxa, querida, muito interessante!
São os olhos da alma que conseguem enxergar realmente quem somos e, nesse caso, não há máscara que consiga nos esconder!
Beijos
Val

pblower disse...

É amiga... Há mais coisas entre o céu e a terra.... Muito mais coisas. Beijocas

Celina disse...

Querida, não entendo nada, mas acredito em tudo! Principalmente em energia, que tem tantos nomes...
bjs

Eulalia disse...

Depois do conto do "galo" acredito em qualquer coisa (rs)

Sabrina Davanzo disse...

Eulália,seu blog é ótimo. Adorei ler suas experiências.

Beijos

Sabrina