sábado, 2 de outubro de 2010

A PONTE


Final da década de 90, não me lembro muito bem em que ano. Naquele tempo, o “msn” da moda era o “icq”. Quem é da época, lembra. Eu vivia com ele aberto, pois mantinha contatos profissionais e com amigos por ali, deixando bilhetinhos, recados, horários de orientação acadêmica, etc. Fácil e rápido. E aberto a eventuais visitantes, como é o msn hoje.

Um dia, uma telinha se abriu com o recado de “feliz dia de santa eulalia”. Eu sabia que existia uma tal de santa eulalia, mas daí a saber o dia da santa era outra história. No mais puro espanhol, o bilhetinho piscava em minha tela. Agradeci e, não resistindo, perguntei de onde ele era. Barcelona! Entramos num papo e, para encurtar essa parte da história, passamos a conversar um pouquinho todos os dias. Eu chegava da universidade, às vezes tarde da noite, e lá estava o espanhol, me esperando na telinha, ressaltando o fato de que, levando em consideração o fuso horário, isso era para ele completamente esdrúxulo, correspondendo a altas horas da madrugada, em Espanha. Mas o papo era ótimo e nos acostumamos um ao outro. Conversa vai, conversa vem (literalmente!), passaram-se os dias e meses e nos falávamos quase diariamente.

Depois de algum tempo, ele pediu para me telefonar. Ficamos de papo, um pouquinho e voltamos a teclar. Foi quando ele me convidou para conhecer Barcelona. Bem, aí era papo demais. Eu não iria me despencar do Brasil, em pleno ano letivo, para conhecer Barcelona, me encontrar “sei lá com quem”. Não. A distância era a mesma, eu disse, e... ficou por isso mesmo. Passaram-se uns dias e estávamos, enfim, no final do mês de abril, quando, ele, muito gentilmente, me perguntou o que eu iria fazer no dia 14 de maio às 17.30. Pensei logo que, vendo a descrição do meu perfil, desejava entrar on line, delicadamente antes do horário normal de festejos, para me desejar feliz aniversário. Com a mesma delicadeza, disse-lhe que, muito provavelmente, estaria livre.

- Comprei a passagem, dá para me buscar no aeroporto?

Fiquei olhando para a tela, estarrecida, por algum tempo. Como assim? Não sabia o que responder. Da tela para o aeroporto, do virtual para a realidade. Meu coração deu um nó. O que iria responder?! O homem vinha mesmo, com passagem comprada e tudo! Ele notou o silêncio da tela e se adiantou:

- Se for inconveniente, me diga.

Eu nem sabia se era conveniente ou não. Estava sem “fala”! Ele adiantou-se e escreveu que tinha vontade de me conhecer, conhecer o Brasil, passando uns dez dias por aqui. Não tinha saída. Respondi que, sim, que teria prazer em ir buscá-lo.

Daquele dia em diante, as horas se atropelaram. Para completar, minha universidade entrou e greve no dia 10 de maio, o que significava que coincidentemente, eu estaria completamente livre para recebê-lo no dia 14 e seguintes!

Três dias antes de sua chegada, o correio me trouxe um pacote: um gato de pelúcia, vindo da Espanha, acompanhado de um gentil cartão, antecedendo sua chegada. Muito simpático. Confesso que aumentou minha expectativa.

Finalmente, dia 14. O dia passou lento, com diversos telefonemas de amigos, como sempre. Todos bem recebidos, mas você deve concordar que minha mente, meus olhos relojoeiros e meus sentidos, estavam no aeroporto desde a véspera, ou melhor, há uma semana, no mínimo.

O avião chegou absolutamente no horário. E o espanhol foi um dos primeiros a sair, com uma rosa não natural nas mãos, no formato de um delicado brochinho, me pedindo desculpas antecipadas por não ter podido trazer uma de verdade. Ali estava ele, afinal. Uma gracinha, mas... não “bateu a tal química” se é que você entende o que quero dizer. Os sentidos e o coração são donos de nossa vontade, não tem jeito. Talvez, infelizmente. Vi, de saída e pelo beijo de chegada que este espanhol jamais seria mais do que uma pequena e simpática aventura. Mas como dizer isso a um homem que se dispusera a atravessar um mar para me conhecer? Eu não podia. Então, fiz dos 10 dias seguintes, dias de aventura e de turismo. Namoramos, brindamos a esta cidade maravilhosa, curtimos a realidade de termos transformado as teclas em olhares, sorrisos, piadas, passeios, papos, brincadeiras e namoro. Foram dez dias tranqüilos e buliçosos ao mesmo tempo. E passaram tão depressa como quaisquer outros dias de férias.

Volta para Barcelona e, muito diplomaticamente, encetei um distanciamento que se fez aos poucos. Meus horários começaram a ficar um pouco complicados, etc. Mas a minha gentileza sempre esteve presente, em respeito a essa aventura louca de alguém que se atira em busca de outro continente como uma flecha sagitariana, pois era justamente o que ele era.

Um ano depois, o espanhol cismou de embicar para o Brasil, novamente, desta vez para fazer um curso esotérico perto de Belo Horizonte. Decididamente, ele se apaixonara por essa terra magnífica. O curso duraria um mês e queria vir ao Rio para me encontrar de novo. Eu estava envolvida com outros cursos, e respondi que, infelizmente, estaria no sul do Brasil. Tudo divinamente arquitetado pelos meandros da vida, graças aos deuses olímpicos, para meu alívio e sorte dele, como você verá logo a seguir.

Pois então... o homem se encontra, no curso, com uma paulista e acaba se envolvendo com ela. Num mail, me conta a história e eu, rapidamente, dou a maior força, incentivando-o a ir adiante. Para resumir a história, os dois acabaram ficando juntos. Na volta à Espanha, ele lamentava não poder vê-la mais e todo aquele drama que incomoda a duas pessoas que, finalmente, encontraram o seu grande parceiro e sua grande parceira, mas não sabem como resolver a distância. Isso durou uns dois ou três meses, no máximo, pois a paulista resolveu se despencar para a Espanha, até que ele pudesse se aposentar e vir morar no Brasil.

Hoje são casados e vivem perto de Belo Horizonte, realizando um grande sonho comum: são coordenadores de uma instituição não governamental que cuida de crianças que receberam maus tratos ou foram abandonadas e aguardam serem adotadas. Um espaço de amor e paz, de carinho e dedicação que a vida oferece a essas crianças, cuidadas por esses pais prestimosos que se encontraram para concretizarem um sonho em comum.

Com a maior freqüência que posso, envio contribuições financeiras, já que sei das dificuldades que essas instituições enfrentam com a falta ou atraso em liberação de verbas. Sei, de sobra, onde são aplicadas as minhas ajudas de custo, e, também, com que dedicação e carinho isto ocorre.

A vida já fez tantas coisas comigo que só posso ser mesmo muito grata a ela. Imagine, você, desta vez, por conta de uma tal de santa eulalia, acabei servindo de ponte para uma das coisas mais lindas que a nossa sociedade pode presenciar: o amor verdadeiro entre duas pessoas, regado pelo amor maior, espontâneo e incondicional, que este casal sente por crianças abandonadas.

De Barcelona para o Brasil, indiretamente, apenas servi de ponte, instigando meu querido amigo a se apaixonar por nosso país, fazê-lo voltar para encontrar a felicidade real, concretizada no verdadeiro encontro de corações e de vida.
Um brinde especial a isso: Tim-tim!

4 comentários:

Virgem Casa 6 disse...

Ainda bem que você escreve essas passagens, porque a sua vida realmente daria um livro e dos bons! Ficou ótimo o novo visual. Agora sim está mais com a sua cara!

vladmir.avellar disse...

Fico feliz por seu blog ficar cada mais substancioso e enriquecedor.
Conhecer o conteúdo dos contos e dos registros do seu blog, é conhecer melhor você.
Quanto ao visual, gosto muito da estética atual. Pois, o visual limpo, leve, evidencia o que é mais importante: o seu texto.

Celina disse...

Querida, gosto cada vez mais das estórias, do seu texto, e do seu olhar sobre suas estórias. Eu também adorava o Icq e para ser sincera, prefiro o dinossauro ao atual MSN, que há tempos não uso.
O visual está realmente a sua cara. Mais delicado. Aprovado! muitas bjokas

Ana Schwarc disse...

Oi, prazer em recebe-la em meu blog. É sempre bom entrar em contato com pessoas afins. São esses encontros que nos impulsionam para a realização. Diria que foi um belo presente!!
Li esse conto e o outro da Grécia. Vc, tb, vai me ajudar muito. bjs