sábado, 16 de outubro de 2010

O PAPA


Fui a Roma e não vi o papa. Tinha tanta coisa a fazer na Itália, que, realmente, não deu. Em princípio, nada contra o papa. Era mesmo uma questão de tempo ou, quem sabe, um excesso de terços e ladainhas, já estressantemente vivenciados em meus dez anos de internato. Por conta de reza, portanto, com certeza não estaria eu em falta.

Mas fui ao Vaticano. Palmilhei a cidade atrás das artes, da biblioteca, da própria basílica que é estrondosamente interessante, embora eu não a tenha achado a mais bela do mundo. É difícil derrubar a beleza de Notre Dame, o encanto da Saint Chapelle, a monumental Catedral de Colônia, só para citar algumas, já me esquecendo da Catedral de Milão e da indescritível porta do sol do Batistério de Florença... de qualquer forma, me encantei com muitos dos inumeráveis detalhes da catedral mor da cristandade.

Só não agüentei visitar o tesouro do papa. A santa igreja que me desculpe, mas tudo que aprendi no internato a respeito dos votos de caridade e pobreza foi palmo a palmo desmentido no meio de tanta escandalosa riqueza.

Não tenho nada contra riquezas. Nadica. Cada um que tenha a sua com direito de posse e postura que mais desejar. Sejamos ricos ou pobres a nosso gosto ou desgosto, ninguém tem nada a ver com isso. Se você quer dividir o que tem com alguém que tem menos do que você, problema e gosto seu. Qualquer tipo de julgamento a esse respeito, para mim, está destituído de senso de valor.

Não tenho posições políticas a respeito. Não me considero capitalista, nem socialista. E também não jogo na coluna do meio. Sou nada. Que me considerem alienada, não me importo. Mas sei que sou uma pessoa de profundo bom senso. E não cabe no meu bom senso ter aprendido que os religiosos fazem votos de pobreza e cada papa, sob o argumento de conter a representação de um “Estado” ostente tanta riqueza sem tamanho.

Fui constatar isso ali, nos subterrâneos da Basílica de São Pedro. Cada papa, dos inúmeros que o mundo viu, teve seu próprio manto incrustado de riquezas sem fim, entre ouro, pedras preciosas e bordados transcendentais. Cada um teve seu bastão, seu ostensório, seu anel, seus paramentos, enfim, seu riquíssimo enxoval. Nada passou de um para outro. E pior, que eu saiba, não está em pauta a idéia de doação desses bens a necessitados. Tudo faz parte do patrimônio dessa cidade-estado.

Passar por esse museu, uma vez que se entra, não tem volta. Nos primeiros passos, antevi o que veria e quis voltar. Não era permitido. Uma vez no labirinto, tinha de trilhá-lo até o final. Depois de poucos passos, comecei a passar direto. Na verdade, comecei a passar mal. Meu estômago literalmente embrulhou. Queria ar, queria sair dali. Por que não poderia voltar? Não tinha jeito, tinha de seguir em frente, o que fiz o mais rápido que pude. Para completar, o museu desemboca numa lojinha de recordações, com réplicas de relíquias, coisas sagradas à venda, etc.

Repito: não tenho nada contra riquezas. E não teria nada contra as riquezas do Vaticano. Eles podem ser podres de ricos que para mim não faz diferença alguma. Só não agüento ter sido interna aprendendo votos de pobreza por parte dos religiosos. Não faz sentido. Nenhum. Sejam ricos! Sejam felizes! Só não me peçam para abrir os meus bolsos em dízimos, pois sou paupérrima perante o que vocês tem! Fiquei confusa, completamente confusa com esta visita.

Se algum apreço eu ainda guardava dos princípios de caridade e compaixão cristãs por parte da educação religiosa que tivera, estava literalmente “desconvertida”. E revoltada também. E traída. Não houve explicação que me convencesse. Os argumentos são vários a respeito do patrimônio de Estado. Nada feito. Eu não tenho nada contra riquezas, já disse. Podem estar carregados de ouro, já disse. Só não me venham com discursos de caridade!!! Para mim, isso passou a me parecer fazer favor com chapéu dos outros e, no caso, caridade com o meu chapéu!!! Nada disso.

Enquanto eles não entrarem materialmente na concretização da compaixão pelo outro, o assunto está encerrado para mim. Não tem doação em nome de igreja alguma que eles consigam me convencer a fazer. Minhas doações, a partir daí, passaram a ser diretas, do meu bolso ao consumidor, exceção feita aos Médicos sem Fronteiras e a uma creche sustentada por um amigo que você já conheceu, se leu o conto “a ponte”.

A santa madre igreja me desculpe, mas acho que está muito longe de me convencer que aquele tesouro tem razão de ser. E olha que aquilo é apenas uma amostra! Nem todos os pertences estão ali!

Saí do Vaticano com duas lacunas. Essa e o fato de que a biblioteca mostra apenas um pequeno filão do ouro em forma de conhecimento e documentos que os subterrâneos guardam em seus papiros e tudo que seus livros devem conter. Quanta sabedoria escondida continua guardada e trancada a sete chaves... e por quê? Será que um dia virá a luz?

Fora isso, adorei estar lá. A visita à basílica foi amenizada pelas pinturas da Capela Sistina. Ficaria horas esquecida, exercitando meu pescoço em busca de detalhes daquelas pinturas monumentais. Não fossem os dias contados, não teria saído dali tão cedo, meio puxada pela mão de meu ex que tinha um roteiro cheio de atrações, ainda para o mesmo dia.

Enfim, adorei ter ido. Até pela experiência, pelo dissabor, pela vivência. Não vi o papa. Depois da visita às riquezas, acho que ficaria muito triste em vê-lo. Pareceria uma hipocrisia, pelo menos para mim. Não poderia saudá-lo. Não conseguiria.

Paciência. Tenho minhas limitações de entendimento e compreensão. Não engoli a pílula. Quem sabe, um dia, eu consiga entender para que ela serve. Por enquanto, soaria como veneno e me faria muito mal engoli-la ou deixar de comentar sobre o assunto.

Que você me leia com a condescendência de quem é capaz de entender que não posso calar-me diante da pobreza que vejo diariamente a minha volta e de quem compreende que não consigo entender o discurso doce do dízimo. Não esse dízimo. Os deuses que me perdoem.

2 comentários:

pblower disse...

É, amiga. O que pior é que o ser humano continua parindo inumeros Vaticanos. Pobres de nós seres humanos, sempre chegados a um manto incrustrado de hipocrisias.
beijocas

Celina disse...

Concordo plenamente com você. Acho tudo lindo, realmente sou apaixonada por catedrais,pelo górtico, a técnica, a arquitetura,a grandiosidade... mas cá entre nós, se tudo isso fosse realmente dividido pelos que precisam... Qto ao Papa, também não seria uma necessidade de primeira para mim. Da minha fé, cuido eu. E ele, o papa, não é meu interlocutor. Vou direto ao ponto.
bjs