sábado, 25 de setembro de 2010

LEGADO


Há muitos anos atrás (1986), uma amiga me pediu que eu escrevesse algo sobre a Grécia, pois ela desempenhava, naquela época, uma função importante em um dos grupos do Rotary. Não me lembro bem, mas parece que iriam receber em uma das reuniões alguém importante do país, provavelmente o cônsul ou algo assim.

Escrever alguma coisa sobre a Grécia... minha cabeça pirou. Não sabia nem como começar! Andei cozinhando a idéia por uns dias. Sentava, puxava um papel, rabiscava algo que eu pudesse achar que interessaria a um cônsul... mas... falar da Grécia a um grego! Ai, meus deuses... nem sob a proteção de Hermes eu conseguia achar algo que prestasse!

Qualquer coisa que eu escrevesse sobre história, mitos, literatura estaria fora de cogitação... me sentiria como ensinando o padre nosso ao vigário!

Elogiar? Como? Dizendo o quê? Eu não desempacava do lugar... estive prestes a telefonar a minha gentil amiga e dizer que sentia muito, mas o texto não saía!

Um dia, voltando do trabalho, tendo dado aula o dia todo e, naturalmente, me esquecido por completo, pelo menos por algumas horas, da questão, acho que fui atingida por uma seta enviada por Eros a mando de Afrodite, naturalmente. E fui capturada, ou melhor, lembrada do que, na verdade, mais representava minha ligação com a Grécia: meu amor por ela.

Então, que se danasse o cônsul (me desculpe, hoje, minha amiga)... eu iria escrever sobre o meu amor pela Grécia! Se ela não gostasse que jogasse fora... eu jamais saberia mesmo!

Cheguei em casa ávida por um papel e o texto saiu assim, de pronto, sem pestanejar, como se já estivesse impresso em meu coração.

E foi justamente esse o texto que eu achei, semanas atrás, numa daquelas arrumações malucas que resolvemos fazer em papéis antigos. Estava lá, amarelado pelo tempo. O texto, no original e, também, o folder representativo da tal reunião, onde ele foi generosamente impresso pelos organizadores do evento. E foi por causa do achado desse texto que acabei escrevendo os meus dois contos das duas semanas passadas.

Uma vez motivador de minhas lembranças, aí vai ele, confirmando o meu amor e, principalmente, minha admiração por este país, berço da civilização ocidental. Imagino que seria assim que a Grécia nos falaria hoje, como uma mãe, deixando o seu legado a seus descendentes:

LEGADO

Minhas pedras publicam
a silenciosa angústia
da poluição que as corrói,
mas sobre essas pedras,
teus primeiros passos de terra ocidental:

de Atenas te dei
a Arte Maior,
remodelada por ti,
e o eco das vozes
de Ésquilo, Sófocles
e Eurípides;

de Creta te dei
um exemplo de paz,
de sabedoria e de silêncio:
a gloriosa paz minóica
de um povo misterioso e são;

da Jônia te dei
as ciências primeiras
do mundo ocidental,
suportes de ouro,
o teu pedestal;

de Epidauro te dei
meu teatro ilustre
de arquitetura sem deslizes
e o templo-hospital
da avançada técnica ancestral;

de Delfos te dei
o coração do mundo
no templo de Apolo:
oráculo da Antiguidade,
exemplo de fé;

de Elêusis, de Micenas,
de Corinto e de Esparta,
de Tirinto, de ítaca
e de cada ilha,
das três mil, eu te dei
o meu espírito,
os meus princípios,
a minha fé em ti.

Minhas pedras publicam
a silenciosa angústia
da poluição que as corrói.

Mas sobre elas deixei os frutos
de filosofia, arte e ciência,
berço que te dei,
legado de mãe
para o teu mundo
de modernidade e técnica.

Um comentário:

Celina disse...

Nossa, fiquei arrepiada. E agora, a vontade de conhecer a Grécia cresceu mais ainda. Lindo! Lindo!