sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O DRACMA


Ter sido professora de Cultura Clássica, de Grego e não ter pisado na Grécia, teria sido como ser carioca e nunca ter ido à praia.

Meus olhos pareciam duas câmeras que filmavam sem parar ou duas contas de luz iluminadas pelo êxtase do encontro com o divino. É a forma mais próxima do que consigo conceber para descrever o que foram aqueles dez dias em contato com a terra dos deuses, arquétipos fundadores de nossa cultura ocidental.

Calor de 45 graus, mas quem se importa? Subi sedenta ao Parthenon, tão logo cheguei, tendo tido apenas tempo de trocar a roupa de viagem por sandálias e bermudas. Respirava cada pedra, cada som, cada vestígio do que fora e é a base de tantos fundamentos de meu conhecimento.

Eu não entendia nada do que diziam, pois o grego moderno é incompreensível aos meus ouvidos, mas estar ali, ouvir, ver, respirar e sentir aquela terra que povoara os meus sonhos, me fazia sadia e feliz de corpo e de espírito.

Minha alma voou pela Agora (Praça Central da antiga Atenas), buscando as pegadas de Sócrates com seus discípulos. Por ali teriam passado, também, não sei quantas vezes, Aristóteles, Platão, Heráclito, Pitágoras, Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes, Péricles, tantos, tantos!... Eu conhecia cada história, cada detalhe dos montes de livros que havia lido e buscava, in loco, a constatação de minhas leituras. Tudo ali, ao meu sonhado alcance.
Mas não é objetivo deste conto, um passeio puro e simples ao eruditismo. Longe disso. Busco a recordação do carimbo humano, em duas dentre as várias passagens interessantes e inesquecíveis para mim. Uma delas foi marcada pela visita à única ilha que visitei, com tão poucos dias a minha disposição: Creta - o berço do Palácio de Cnossos, da indescritível civilização minóica, aquela do mito do Minotauro; a outra foi marcada pela visita ao teatro de Epidauro para a qual eu guardava um dracma, moeda grega, para um teste inesquecível. Vamos a elas.

Em 1977, saindo de Atenas, a única língua que você encontrava disponível para contato era mesmo só o grego. Eu não entendia nada, como lhe disse, mas, felizmente, conseguia ler. E, ao ler alto o nome dos lugares, os reconhecia nos mapas. Acresce que os lugares mais conhecidos tinham placas em grego e em inglês, o que facilitava um pouco. Eu não queria excursões. Seria quase um sacrilégio render-me a elas, com guias turísticos tocando as pessoas como gado, rapidamente em busca da hora do almoço e das compras. Eu tivera uma amostra, logo no segundo dia, único em que pegamos, meu ex-marido e eu, uma excursão a Delfos, o oráculo sagrado da antiguidade, sob a proteção de Apolo. Queríamos ver a qualidade das estradas para nos decidirmos pelo aluguel de um carro. A viagem de ônibus foi ótima, estando Delfos a 150 quilômetros de Atenas. Mas mal chegamos lá, atestamos que a visita se resumiria a meia hora para vermos o templo e as ruínas, mais meia hora para o museu. Depois disso, seríamos deslocados para outra cidadezinha para o almoço e compras, sendo destinadas a isso, três horas. Ora, eu teria atravessado 150 quilômetros para comer e fazer compras, tendo como brinde uma olhada nas ruínas... e não o contrário!

Desisti imediatamente do almoço e acompanhamentos e desfrutei cinco horas inteiras, desde o banho na fonte Castália, a quinhentos metros dali, até a passagem pela via sagrada, por onde o mito de Édipo atesta sua viagem sagrada. Seguimos então à visita ao templo. Merecia uma parada para um sanduíche e ida ao museu. Mesmo assim, o tempo passou voando, comigo contando a cada passo, ao meu ex, as lendas, mitos e histórias que enfeitam esses lugares sagrados. Foi o suficiente para eu ver como eram os caminhos e me sentir segura para ser a guia turística do casal, nas próximas aventuras. As estradas são belíssimas e, com minha leitura correta das placas, o aluguel de um carro foi totalmente suficiente para todas as outras aventuras que, na verdade, foram muitas. Destaco, no entanto, duas. Vamos a elas:

A volta ao Peloponeso deu-se no dia seguinte à ida a Delfos, com um fusca alugado para visitar os sítios arqueológicos: Corinto, Micenas, Tirinto, parada para o almoço em Daphni com direito a uma ida a Tolon para ver o mar de pertinho e, finalmente, Epidauro - para visitar o imenso teatro e o templo de Esculápio - pai da medicina - e o museu de mil apetrechos que deixaria de queixo caído os mais modernos cirurgiões: agulhas e pinças cirúrgicas em pleno século IV antes de Cristo. Mas o ponto alto foi mesmo o teatro de Epidauro, onde eu testaria o meu dracma.

Eu tinha lido em livros e dito em minhas aulas que o tal teatro era imenso, com capacidade para 15 mil pessoas e de uma acústica perfeita. Tão perfeita que, sem nenhum aparelho amplificador ou qualquer outro recurso, era possível ouvir o farfalhar de um papel celofane ou o tilintar de uma moeda caindo no meio da arena, mesmo que a pessoa estivesse no lugar mais alto e mais distante do centro. Eu dizia isso, é claro, com a maior convicção de mestre, mas sempre tomando o cuidado de citar que tinha lido em livros. Estando lá, minha ansiedade era poder dizer que acreditava piamente nisso, como na lenda de Juca Pirama, quando falava aos seus curumins:

- Meninos, eu vi!

Pois é... chegando a Epidauro e vendo aquele monumento de teatro, imenso, alto, encravado na montanha, senti minha respiração mudar. O teatro, por si só, fora os comentários, já seria o suficiente para sentir todo o encanto. E funciona até hoje, no verão, reproduzindo peças gregas dos tempos de então. Infelizmente, não assisti a nenhuma, mas, naquele momento, só queria conferir. Tirei da bolsa o meu dracma, que desde o Brasil estava reservado para este fim. Coloquei-o na mão de meu ex-marido e saí desabalada arquibancada acima. Queria que ele fizesse o teste comigo. Havia muitos visitantes andando para lá e para cá, em diversas línguas, uns falando mais alto que os outros. Conforme eu subia, sentia que podia separar cada voz, inclusive a de meu ex, preocupado com meu atropelo. Ele ficara no centro da arena, esperando que eu subisse e, a cada passo, ouvia sua voz com nitidez:

- Devagar, não tem pressa, calma.

Nítida e alta, clara e límpida, separada das outras, sem confundir-se com as dos outros visitantes, sem ecos, sua voz acompanhou a minha subida. Quando cheguei ao último piso da arquibancada, virei-me. Vi-o lá embaixo. Estava tão alto que apenas o distinguia como uma miniatura no centro da arena.


Fiquei emocionada, imaginando os atores da peças gregas em seus coturnos para ficarem mais altos, com máscaras, encenando as peças de Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes... mas a curiosidade sobrepujou o sonho e logo falei, sem gritar:

- Deixa o dracma cair!

O gesto da mão obedeceu, mas eu nada ouvi. Embora achasse a afirmação meio lendária, confesso que fiquei um pouco decepcionada. E minha voz, mais tímida, reclamou lá de cima:

- Que pena, eu não ouvi.

Mas meu ex (como se eu não o conhecesse!), respondeu:

- Não joguei.

Na verdade, ele estava testando o meu ouvido, mas juro que tive ímpetos de esganá-lo!

- Joga então, ora essa !

Foi então que ele soltou a moeda. Eu não podia vê-la a tal distância, mas ouvi, sim, seu tilintar. Para ser mais precisa, caiu e quicou.

- Caiu e quicou, falei eufórica lá de cima.

Ele abaixou-se, pegou a moeda, olhou para mim e, engenheiro como era, gritou estupefato:

- Essa não! Essa eu quero ouvir...

E se destrambelhou numa corrida lá para cima, mandando que eu descesse e fizesse o mesmo.

Dali, ficamos de camarote para observar os guias turísticos que começaram a chegar, amassando pedaços de papel celofane e fazendo gracinhas as mais diversas para provar o milagre da acústica construída por esse majestoso povo grego, pai da cultura ocidental. Quem olha por qualquer ângulo, fica mesmo perplexo com tal perfeição.

Mas estou me estendendo demais. Conto a história de Creta na próxima semana.

4 comentários:

pblower disse...

Depois do tumulto da mudança, aqui estou de volta e desta vez, quase chegada ao Rio.
3a feira nos falamos e já na cidade maravilhosa.
beijocas

Celina disse...

Querida, que delícia. Esses momentos valem cada dracma! Demais. Grécia está na minha lista (que aliás é bem grande! Quem sabe na próxima! bjs

Eulalia disse...

Ah, querida, dessa viagem você não pode escapar (rs). E aí, sim, eu é que poderei te dar mil dicas!
beijinhos

Anônimo disse...

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