sábado, 28 de abril de 2012

O PÓ


De vez em quando, me lembro dos tempos de professora universitária. Tive colegas incríveis, não só de departamento, como de projetos, nos mais variados setores da Universidade.

Em um deles, por conta de um projeto de assistência e prevenção em saúde que envolvia Língua de Sinais para a comunidade de surdos, me aproximei de colegas que trabalhavam nessa área.

E nem tudo é só ralação, embora trabalhássemos muito e, às vezes, até muito tarde. Era na hora do café, nos papos dos intervalos que ouvia histórias... e que histórias! No contexto, então, ficavam muito engraçadas.

Passo uma delas:

Tratava-se de um pesquisador do laboratório de química, ligado ao hospital universitário. O interessante é que ele, ao lado de ser um seriíssimo profissional, era uma pessoa que tinha uma capacidade especial de nos fazer rir de suas histórias.

E foi numa dessas horas de café que tive a oportunidade de ouvir uma de suas aventuras:

Ele precisava trazer, não me lembro de onde, um material de alguma periculosidade, pois era veneno. Para transporte desse material era necessário uma licença especial. Ele tinha tudo nos conformes, mas o detalhe é que o tal material era, para complicar, um pó branco. O problema, portanto, era trazer isso e convencer, caso ele fosse revistado no aeroporto, que aquilo era mesmo um pó limpo, ou seja, nada “cocainado” ou coisa do gênero, mesmo tendo toda aquela papelada de licença de transporte etc. e tal.

Não deu outra. Foi barrado. Ele e o tal pó. O problema é que o pó era mesmo veneno e ele tinha medo de que o policial, com mania de perfeição, quisesse experimentar o negócio!!! Aí, a coisa iria ficar mesmo muito séria! A saída em que ele pensou foi dramatizar a coisa:

- Por favor, não abra, é veneno, e você pode morrer se entrar em contato com isso.

Ao contrário do que esperava a sua santa inocência, esta foi a dica para o policial emperrar de vez e querer abrir o pacote ali mesmo, no peito. Meu colega, receoso de que o policial quisesse experimentar o pó, insistiu enfático:

- Cuidado, é veneno, você pode morrer com isso!.

O policial enfurecido, tomou o pacote e, desajeitado, ao abri-lo, esparramou grande parte do conteúdo, caindo muito em seu braço.

Nosso colega soltou uma exclamação inesperada. É claro que foi por causa do desperdício do tal pó que, se não me engano, era material muito caro e de difícil acesso. Mas a exclamação foi de tal forma surpreendente que o próprio policial assustou-se e perguntou meio apavorado, vendo o pó todo espalhado em seu braço:

- Vou morrer?

Nosso colega, que perde um amigo, mas não perde a piada, restabelecido do susto, respondeu:

- Vai.

E deu um tempo, o suficiente para o policial empalidecer. Só então, vingado do prejuízo que o homem tinha causado a todo o departamento de pesquisa pelo derrame do material, acrescentou, bem calmo:

- Vai, sim...um dia. Aliás, um dia, todos vamos. Mas... para não apressar a sua vez, aconselho que não coloque o pó na boca.

E terminou a história dizendo:

- Ora bolas, o cara tinha nos dado um senhor prejuízo... precisava, pelo menos, levar um sustinho, né não?

3 comentários:

Celina disse...

Fico imaginando a cena em plena imigração! Acho que quem ia ter um treco era eu!!!

Eulalia disse...

Pois é... paga o justo pelo pecador... arre!
Mas bem feito. Ele se saiu muito bem. Eu escrevi o conto rindo, me lembrando da história. Aquele professor tinha o dom de dramatizar...

Sempre dizem que professor tem de ser um pouco ator, super paciente e dedicado, um pouco pai/mãe, competente, simpático e, se possível bonito... e mesmo assim, os alunos vão encarnar (rs).

Fico imaginando esse colega dando aula...

pblower disse...

Essa eu não conhecia. Adorei. E só fico imaginando se ele tivesse colocado na boca!
beijocas e boa viagem