Saber
aproveitar as facilidades que uma cidade pode oferecer é indispensável para uma
viagem melhor.
Foi
assim que, orientada por Celina, uma amiga que entende tudo de viagens, pude
aproveitar melhor minha última estadia em Paris. E um dos confortos foi ter em
mãos o "Navigo", um cartão-passaporte para uso no transporte público.
Você paga por uma semana e fica livre de filas. E pode renovar a cada semana. É uma maravilha... mas...
O
problema, na verdade, não foi com o cartão. Foi mesmo com a comunicação. E
"traduzir" contextos culturais é quase impossível para qualquer
viajante de língua estrangeira.
Bem...
você pode usar este cartão à vontade, por uma semana, no sistema pré-pago. E eu
estava usufruindo literalmente da facilidade, pois se há uma coisa que gosto de
fazer é caminhar muito... e Paris é pródiga em lugares para visitar.
Numa
dessas, estava fazendo uma conexão entre o metrô e a linha C. Como são sistemas
um pouco diferentes, as tarifas também são diferentes, o que exige que um
portador do cartão "Navigo" tenha de passar por outra roleta, para
fazer a conexão.
Foi
aí que deu o problema: eu saí da plataforma da linha C e, imediatamente, me
dirigi para a linha 8 do metrô. Só que o cartão não funcionou. Não liberava a roleta
de jeito nenhum.
Ué...
o que estava acontecendo? Me dirigi à bilheteria, pois tecnologia também
falha. Só não contava que gentileza também falha, em qualquer lugar do
mundo... e aquele francês era um dos exemplares da espécie "grosseria".
Estupidez
à parte, mostrei meu cartão e disse-lhe que não estava funcionando. Ele tomou o
cartão, conferiu que era válido e "rosnou" algo que não entendi. Pedi
que repetisse e ele, de novo rosnou algo que decifrei como um enigma: parecia
me dizer para colocar "a mão à direita".
Enquanto
ele atendia o seguinte da fila, sem me dar mais a menor atenção, tentei
desvendar o que queria dizer. A ordem não coincidia com a prática. Mão à
direita? Será que meu francês estava tão ruim assim? Eu não deveria ter
entendido ou, na certa, seria uma expressão idiomática.
Como
linguista, optei pela expressão idiomática e me dirigi às roletas devagar,
tentando desvendar o enigma.
Vi,
ao lado direito da última roleta, uma máquina de atendimento automático, de
validação desse tipo de cartão. Ah, provavelmente, se eu tivesse entendido as
palavras da frase e se a frase era uma expressão idiomática, talvez pudesse
querer dizer que eu teria de me dirigir à máquina, à direita, para revalidar
meu cartão. Esses comandos modernos automáticos fazem de tudo! E como meu
cartão estava com créditos, talvez fosse apenas para revalidar o mesmo.
Tecnologia consertando tecnologia. Tudo bem.
Ao
chegar no terminal, no entanto, havia um aviso informando que a máquina estava
fora de uso.
Ele
era funcionário, deveria saber que a máquina não estava funcionando... a
segunda hipótese, então, era mais plausível: eu não tinha entendido a ordem.
Voltei
ao guichê. Disse que não tinha conseguido.
O
homem, visivelmente irritado, achou que eu era burra em francês e sapecou a
ordem em inglês.
Meu inglês é macarrônico, mas entendi muito bem que havia duas
palavras bem distintas na frase: "mão" e "direita".
Não
é possível. Será que era mesmo uma expressão idiomática e comum a duas línguas
tão distintas? Muito estranho...
Voltei
duplamente pensativa para o local do crime, ops... para as roletas.
Mão...
direita... mão... direita...
Entendi
a mesma coisa em duas línguas. Meu cérebro se negava a deslindar o mistério.
Ora
bolas, paciência. O cara é funcionário e eu sou usuária. Não é possível que,
grosseiro ou não, ele se negue a me ajudar.
Voltei
ao guichê, dizendo, literalmente, que precisava de ajuda. E sapequei a frase
nas duas línguas, direto, uma emendando na outra, para conferir.
Anjos
existem...
Um
outro atendente se aproximou do balcão e, provavelmente, tinha acompanhado toda
a novela, sem que eu tivesse percebido. Sorriu, deu a volta, abriu a porta que
separa o guichê do público e me fez um sinal para acompanhá-lo.
Minha fé
na humanidade renasceu. Existem pessoas que são... humanas!
Caminhamos
em direção à última roleta à direita. Ele colocou a mão dele sobre o sensor
(onde eu deveria colocar o cartão) e fez sinal para eu passar. Olhei para ele
incrédula e não dei um passo.
Ele
sorriu, novamente, e foi mais enfático, convidando-me para passar pela roleta.
Obedeci,
completamente intrigada!
A
roleta cedeu, passei...
Fiquei
mais incrédula ainda. Como pode? Perguntei se me cartão continuava válido. Ele
disse que sim, mas não me deu tempo de perguntar o que tinha acontecido.
Virou-se e voltou ao trabalho.
Fiquei
encafifada com o fato por uns dois ou três dias, até que, em outra
oportunidade, aconteceu a mesma coisa. O cartão não funcionou, fui ao guichê, o
atendente checou o meu cartão e deu a mesma ordem. Me dirigi à roleta, coloquei
a mão na roleta indicada e funcionou. Foi aí que entendi que eles liberavam a
roleta para a passagem. Só não entendo por que, nestes casos, não funciona com
o cartão e, sim, com a mão...
E
quem iria adivinhar que uma ordem como "mão à direita" significaria
"colocar a mão no lugar do sensor, na roleta da direita para que a geringonça
funcione"?
Com
certeza, só mesmo um francês ou, pelo menos, só alguém já inserido no contexto parisiense
entenderia... jamais um viajante,
estrangeiro ou não.
Hábitos
culturais...
Você
pode ser PHD na língua, mas sem convivência a "roleta" às vezes não funciona...