sexta-feira, 16 de agosto de 2013

ÁRVORES E GOLFINHOS


Estamos em pleno inverno carioca. Um inverno típico de nossa terra, que oscila entre os 18 e os 28 graus. Neste ano, chegou aos 15 e quase viramos picolé. Mas, dia ou outro, por exemplo, temos inesperados e bem-vindos 30 graus. Praia e sol.

Andando pelo calçadão, em minhas caminhadas diárias, tenho a meu dispor e encanto uma paisagem de sonhos: mar, uma areia sem fim, árvores... no meio do bulício da cidade grande. Foi quando notei que as amendoeiras começam a dourar.

É certo que estamos próximos da linha do Equador e, por isso, nosso clima semi-tórrido não ostenta, com limites nítidos, a mudança das estações do ano, como na Europa, por exemplo.

Assim é que a natureza que nos cerca toma suas licenciosidades e, no nosso quase final de inverno, elas resolveram ostentar sua folhagem outonal.

Umas mais apressadas, outras não (como os seres humanos), suas folhas começam a dourar e a cair, enfeitando, ainda que timidamente, nossas ruas.

Somos mesmo um país imenso e cheio de identidades, que se alonga através das linhas equatoriais e meridionais: enquanto neva na região sul, o norte sofre a seca do verão nordestino. Menos de zero graus no sul, quase 40 ao norte, tudo num dia só.

E aqui no Rio, onde o inverno toma conta pedindo tímidas licenças, nossas amendoeiras cismaram que estão no outono. E acolho, enternecida, o compassado ritmo de seus corações.

Não creio que elas estejam atrasadas. Elas são as únicas donas de suas horas.

Na verdade não sei se antigamente as estações eram melhor definidas ou se isso acontecia apenas no continente europeu. Não tenho conhecimentos profundos sobre o assunto, mas sei que, neste ano, todos comentaram que a primavera europeia se atrasou. Nevava em pleno abril e as tulipas holandesas não floresceram no mês esperado. Pelo contrário, acordaram quase um mês depois, mostrando que não são os homens que, reservando hotéis e distribuindo panfletos turísticos, determinam quando Keukenhof tem de ser visitada. As tulipas, se eles querem saber, é que comandam o espetáculo.

Sinais dos tempos? Não sei. Acho que a natureza também está um pouco cansada dos relógios humanos. Está estabelecido que abril (no hemisfério norte) é mês em que as flores tem de aparecer. E... se não aparecem, os seres humanos dizem que a primavera está atrasada. Acho muita graça nisso pois é a natureza que está atrasada em relação ao tempo que é determinado pelo homem e nunca o homem é que se dá conta de que ele é que deveria ser o observador do que a natureza lhe diz e... acertar o "seu" relógio por ela.

Quando fui a Fernando de Noronha, anos atrás, havia uma excursão para ver a chegada dos golfinhos à baía. O folheto instruía os turistas, dizendo que o ônibus passava nos hotéis e pensões às 4 horas da manhã, pois os visitantes tinham o direito de ficar no mirante apenas das 5 às 6, hora determinada pelos biólogos para que a área de preservação geológica pudesse ser visitada. Todo o resto do dia era de entrada exclusiva dos pesquisadores. Alertavam, no entanto, que esta era a hora aproximada de entrada, mas não podiam garantir o sucesso do espetáculo.

Perguntei a um nativo da ilha se o passeio valia a pena.

- Não sei lhe dizer... os "estudiosos" dizem que eles entram na baía entre as 5 e 6 da manhã, mas... os golfinhos não usam relógio...

Não fiz o passeio.

Quando busquei o passeio de barco, já mais espertinha, fui direto ao cais, em busca dos pescadores, porque tinha ouvido falar que quando os golfinhos voltavam para o mar alto, com um pouco de sorte, os barcos poderiam vê-los e era um espetáculo muito interessante admirá-los circundando as embarcações:

-  A que horas, mais ou menos, os golfinhos saem da baía para o mar alto?

- Os "estudiosos" dizem que entre meio dia e uma hora.

- Mas o que você diz?

- Eu digo que, hoje, se você pegar o barco das 13, terá alguma chance.

- Por quê?

- Porque eles entraram mais tarde.

Fui atrás do pescador e  peguei o barco das 13horas. Na volta do passeio, já em torno das 14horas, tive um incrível e inesquecível espetáculo de golfinhos a minha volta, tão perto e tão emocionante como só uma visitante apaixonada pela natureza, como eu, pode ter.


Ao admirar a beleza da amendoeira enrubescida, meus pensamentos vagavam entre árvores e golfinhos, entre homens e seus relógios cronometricamente acertados de acordo com os critérios dos observatórios nacionais do mundo todo.

Textos científicos, análises biológicas, movimentos verdes...

Mas... onde está aquele olhar de filho (o olhar daquele pescador), observando o que, do fundo do coração (e não do fundo da análise química de suas entranhas) esta gloriosa e inefável mãe natureza tem a nos dizer e a receber de nós?

Talvez nossa grande mãe esteja muito cansada do andar das horas científicas, dos acertos cronométricos de suas atitudes, dos movimentos de massa, mesmo que a seu favor.

Mãe gosta de ouvir a voz de cada filho, em particular. Gosta de sentir o beijo de cada um, de cada um de nós, em nossos cuidados.

Acho que está faltando ouvirmos o ritmo descompassado e exausto de seu coração, de cuidarmos dela de fato (!)), com verdadeiro carinho e com os festejos de quem está atendo e observa seus passos, com os olhos da alma, como ainda o faz aquele sábio pescador.

2 comentários:

Anônimo disse...

Que lindo! Me lembrei de nossos tempos de pesquisa, verdadeiras pesquisas. Pesquisar é observar com atenção durante um longo tempo para ver o processo acontecer. Esses pesquisadores não existem, são poucos hoje em dia, mas ainda bem que vc existe. Saudades! Beijos, com carinho. Mônica

Eulalia disse...

Saudades também, querida!!! Muito bom pesquisar com você!