sábado, 27 de abril de 2013

TEM UMAS COISAS...



 

No Rio de Janeiro, elevadores não servem apenas para levarem as pessoas do andar térreo para cima e vice-versa.

Aqui, geralmente, é espaço para a camaradagem gratuita, os bons-dias para quem já se conhece e a conversa solta que, já sabemos, geralmente não leva a lugar nenhum... mas exercita os nossos sorrisos.

O elevador do prédio de meu consultório, como todo elevador carioca, não foge à regra. E como o meu consultório fica no último andar, geralmente é, para mim, um laboratório de estudos sociais. Acompanho todas as entradas e saídas do percurso até o décimo segundo andar, com conversas dos mais variados tipos e tons. E... muitas vezes, o ascensorista já olha para mim com aquele olhar cúmplice de quem faz o mesmo... 

Aliás, a vida nos elevadores é tão fértil que um desses ascensoristas já está acabando de escrever seu primeiro livro de crônicas sobre o assunto. O título é super sugestivo e estou aguçada para conhecer o conteúdo.

Outro dia, no entanto, acabei virando personagem. Aliás, muito a contragosto!...

Estávamos o ascensorista, duas moças, eu e uma outra senhora ao meu lado, quando entrou, apressado, um senhor com o dedo indicador da mão direita enfaixado e com uma espécie de metal aplicado, indicando processo pós-cirúrgico. Provavelmente, quebrara o dedo e... bem quebrado. 

Entra o senhor e, sem essa ou mais aquela, vira-se para a senhora ao meu lado e diz:

- A senhora precisa emagrecer! Gorda, assim, vai morrer cedo. 

O comentário foi tão abrupto que nos deixou a todos paralisados. Em primeiro lugar, a senhora não era tão gorda assim. Era gorduchina, não mais do que isso. E se pesasse cem quilos, cá para nós, o tal "distinto" senhor não tinha nada a ver com isso. A senhora enrubesceu imediatamente. A impressão que eu tive foi a de que ela estaria pronta para morrer de raiva reprimida, não do sobrepeso, mas apenas balbuciou:

- Meu marido gosta assim.

Resposta automática, defensiva... e, talvez, conclusiva. Mas o senhor não se fez de rogado:

- A senhora precisa perder uns quilos, ficar como ela. 

E... apontou para mim!!! Transformada, assim, sem mais nem menos, em personagem da história, senti nas veias o constrangimento de minha companheira e, longe de lisonjeada, me senti igualmente ofendida, pelo simples fato de "ser inserida" na história como "elemento motivador" de seus argumentos. Algo em mim, nesses momentos, não sei por que, acorda o espírito: ... "mas se ergues da justiça a clava forte, verás que um filho teu não foge à luta"... Deve ter sido o excesso de hinos nacionais que cantei no colégio. Talvez seja isso... ficam entranhados em nós, num lugar não sei onde. Olhei para a senhora: vermelha como um pimentão, reprimida. Não me contive:

- O senhor é médico?

- Sou.

- Sua especialidade?

- Ortopedista. Nem estou podendo clinicar por causa desse dedo que tive de operar. Estou de licença por uns dias.

Aproveitei a deixa:

- Ah... já que o senhor está de licença, talvez tenha tempo de se olhar no espelho.

O fato é que o tal senhor tão crítico e cheio de verdades, sustentava uma barriga digna de uma senhora grávida, bem maior do que a da distinta senhora vermelha como pimentão. Eu estava indignadíssima e, embora não goste de ofender ninguém, reagi num ímpeto de puro desconforto. O homem não coube dentro das calças. Olhou-me com olhar furioso e acabou por dizer:

- É... eu também vou morrer cedo.

Não deixei por menos:

- Pelo seu raciocínio vai sim... a menos que faça um rigoroso regime.

O elevador abriu as portas e o homem saiu possesso, pisando forte. As duas moças estavam perplexas, olhando uma para a outra e ambas para nós. A senhora continuava vermelha como pimentão. Eu estava com receio de que ela realmente passasse mal. Não sabia o que fazer para confortá-la! Virei-me para o ascensorista:

- Me diz o nome desse maluco para eu não cair na desgraça de, um dia, entrar  por engano em seu consultório!

Ele baixou a cabeça e apenas sorriu. O gracejo, no entanto, não servira para acalentar a senhora. Só me restou acrescentar:

- Já sei por que ele quebrou exatamente o indicador direito... foi de tanto aponta-lo para as outras pessoas. 
 
Aí, sim, a senhora riu, as moças riram e também o ascensorista. E eu também me senti mais aliviada. 

Em poucos minutos, vivemos uma novela.

O que será que leva uma pessoa a ser tão imbecil a esse ponto?

6 comentários:

Anônimo disse...

Coisa de louco! Só acredito porque está no teu blog "Era uma vez ... de verdade!".
Bem, assim como vc tem o dia da gratidão, como foi visto no conto do Dr. Paulo da última semana, só te resta agora criar o "dia do desaforo" para vc ir até o consultório do gordinho atrevido e acabar de esculhambar com ele ... rsrsrsrs
bjs, décio

Eulalia disse...

Adorei essa do dia do desaforo...

Sabe... foi há uma semana e, de vez em quando me lembro e ainda me pego com cara de perplexa...

Obrigada pelo comentário... são sempre muito especiais!

Miminha disse...

Infelizmente grosseirões estão soltos na nossa selva de pedras. Adorei as suas inteligentes respostas. Beijos, Carmen

Celina disse...

Gente que absurdo! Sinceridade? Acho que além do dedo quebrado, algo bem mais importante para ele não anda funcionando bem, se é que funciona. :)

Eulalia disse...

ahahahha... boa essa... nem tinha pensado nisso...rs

Miriam disse...

A gente custa a acreditar que essas pessoas não percebem o que dizem...
Ótimo conselho manda-lo olhar-se no espelho...
Boa a hipótese da Celina!!