sábado, 19 de janeiro de 2013

MOÇO MESA




Braga, Minho – Portugal, 1975.

Fiquei sem ver meu pai dos 11 aos 24 anos de idade e esta mesa foi a primeira que vi posta, em sua casa, no dia em que cheguei.

Ele havia subido para o seu quarto para refrescar-se do que chamava o verão de Braga (para mim, um verão gostoso e cheio de vida), enquanto a jovem governanta, prestimosa, fazia as honras da casa. Colocou sua sopa no prato e, enquanto sua auxiliar se preparava para servir os outros pratos, ela fez menção de chamá-lo para o jantar.

Foi nesse instante que, não sei por quê, tomei a dianteira, pus-me ao “pé da escada”, como eles diriam, e gritei lá para cima:

- Papai, moço mesa!

Um eco do passado, muito, muito distante... Era assim que o chamava, em São Paulo, quando tinha pouco menos de dois anos de idade, toda vez que minha mãe me mandava avisar “que o almoço estava na mesa”. Eu só sabia disso porque, ainda pequena, ele sempre comentava o fato comigo. E, na despedida, quando me disse que voltaria para Portugal, ainda havia me lembrado:

- Você era tão pequena, falou tão cedo... Me chamava para o almoço ou para o jantar se debruçando “ao pé” da escada que dava para o meu laboratório e gritava: “Papai, moço mesa”. E... agora... já está tão crescida...

Talvez por ter sido essa a última lembrança que tivera, de tantos anos atrás, que tentei, assim, resgatar não sei o quê de anos passados, perdidos no tempo.

Só hoje, já avó e, por isso  mesmo, sentindo o que uma criança é capaz de fazer aos nossos anos já tão vividos, é que posso entender sua silhueta a olhar-me lá de cima, a descer devagar e a tentar reconhecer, naquela jovem de 24 anos de idade, a menina tão pequena, mas já não tão inocente.

Lembro-me como em um retrato, do homem duro e inflexível, embora curvado pelos seus setenta anos, sorrindo e descendo os degraus devagar, escondendo a voz meio embargada pela lembrança dos anos:

- Já vou... já vou...

Ser avó, é viver ou reviver profundamente. 

E mesmo que a vida tenha mostrado muitos dissabores... lembrar... e sorrir!

6 comentários:

Celina disse...

Querida,
Consegui sentir a emoção em cada letra! Um conto que conta um livro de sentimentos. Uma longa estória...
bjos com saudade!

Carlos Alberto disse...

Belo conto ! Eu falava o mesmo para meu saudoso pai, quando minha mãe avisava que a comida estava na mesa. Essa bela história desencadeou muita saudade.

pblower disse...

Lindo texto! Lindo!

Dani Dias disse...

Emoção, vó Lali. Emoção. E vamos juntas construindo novas lembranças assim.

Artes da Cris disse...

Amei seu blog, especialmente sua história contada em fotos! Muito linda e especial! Como você! Obrigada por me visitar e comentar e elogiar!
Abraço fraterno
Ana Cristina

Eulalia disse...

É, queridos... há passagens da vida que vale mesmo a pena relembrar!

Adorei os comentários!