sábado, 3 de março de 2012

ERA PARA SER UM CONTO

Fiquei olhando para a lista de contos já publicados. Pensei que jamais passaria do vigésimo...

Tenho um arquivo onde guardo todos. Hoje, passo para a casa dos três dígitos: uma centena.

Ué... em que canto da mente e do coração estavam guardadas tantas histórias?

Uma foto antiga, um momento vivido, quanta coisa para se viver no dia-a-dia.

Agradeço à vida pelos altos, médios e baixos. Aliás, por tocar no assunto, isso me chama a atenção: já notou que ninguém fala dos médios? Minto. Ninguém, não. Mas é muito raro.

- Como vai a vida?

- Médio.

O mais comum é mesmo não dar crédito ao “médio” :

- Como vai a vida?

- “Entre” altos e baixos.

Outros, completam:

- “Entre” altos e baixos, vai tudo bem...

O que seria esse “entre”? Seria igual ao momento do “médio”, onde, de forma geral, tudo fica meio que no “vai tudo bem” igual a com cheiro de rotina? Ou seriam os pulos que se dá de um alto para um baixo, ou vice-versa? Acho que tem mais cara desse último...

Me parece ser como se a vida só tivesse vibração nos altos e baixos, como se os médios não importassem, como se não fizessem uma parte saudável também intrínseca de nossas vidas.

Fiquei pensando um pouco sobre isso, quando me sentei para escrever o conto de hoje. Pensava nos altos e baixos de minha vida... foi quando parei para pensar nos... “médios”! Por que não?

Vivi tanto... vida de altos e baixos... e os médios? Mas observei também que, talvez, muitas vezes, eles se escondam nas respostas quase automáticas:

- Como vai a vida?

- “Assim assim”.

Não sei se é resposta tipicamente carioca. Vale também por “mais ou menos”. Mas, na verdade, para mim, esse “assim assim” me soa como “médio” e me parece dar uma impressão de algo que deixa a pessoa “meio sem luz”. Médio. Nem alto, nem baixo. Nada, afinal, que mexa com as emoções de modo ativo e, às vezes, avassalador.

Os ditos populares revelam tudo: “os altos e baixos da vida”...

Não me lembro de um dito popular com "médio”, assim assim” ou “mais ou menos” para definir um estado num momento de vida.

Médio.

Não é quente, nem frio... é o quase insensível, porque talvez pareça estar na “temperatura do corpo” e, por causa disso, vivido como “temperatura rotineira da cabeça e do coração”.

Embora todos digam que anseiam pela tranqüilidade e paz, uma vida amena, esse “médio” soa quase como que “sem graça”!

O médio mexe pouco com a emoção, seja ela qual for. Não estimula os hormônios, não põe o coração para bater apressado, seja de angústia ou de júbilo, de guerra ou de paz. O médio é morno, nem quente, nem frio. Não desperta os sentidos. Médio.

Mas o médio frutifica a vida, se sentido em sua integridade. Não vivemos de altos e baixos. Vivemos do todo, seja ele qual for. E o médio, embora “médio” , pode ser tão intenso quanto qualquer alto ou baixo, pois também nos impõe a criatividade, a ação em busca de... ah... claro... de um alto, naturalmente...

Me faz pensar no I Ching... a linha média - que estabiliza o momento – se prepara para a linha do alto que é quase a transformação para um novo ciclo que, por sua vez começa lá na linha de baixo, de novo...

Médio. O que seria “dos altos e dos baixos” se não fosse o médio? O que seria sentir o coração pulsar mais forte, se não conhecêssemos o seu descanso?

O que seria das luzes e das trevas, não fosse a penumbra?

Nem noite nem dia: justamente o alvorecer e o anoitecer. Momentos mágicos.

É a estabilidade que não permanece, mesmo que você esteja “plantado” nela. A vida dá voltas e voltas e voltas, quer você queira quer não e... passando sempre pelo médio, pela tomada de fôlego.

O médio é como o fiel da balança, o equilíbrio, o que nos coloca no prumo, nos preparando para as vivências mais fortes das linhas extremas: alto e baixo. Amar e vivenciar o “médio” é semear para colher. É preparar-se, equilibrar-se para subir ou descer. É aprender a viver cada vez melhor e mais sabiamente.

I Ching.

Fiquei pensando nisso e meus dedos, no teclado, foram acompanhando meu pensamento...

É... era para ser um conto... o conto “cem”.


Obs.: Foto de Hiroto Yoshioka

4 comentários:

pblower disse...

Parabéns!!!!!! 100 contos!!!!! Vai chegar a 1000, facilmente. Amei esta i´deia do médio. Como a gente tem medo do morno e é ali que está o conforto e o aconchego. Eta coisa boa um banho morninho!!!!
Parabéns novamente e que venham muitos contos mais.

Carlos Alberto disse...

O médio nos leva à moderação, moderação no comer, no beber,nas palavras e até mesmo no sentir. Quando jovens ultrapassamos o médio e partimos para o mais alto das emoçoes, das ações,e quando sofremos algumas conseqüências graves nos sentimos como se estivéssemos no fundo do poço.Tudo faz parte da vida, dos momentos. Se manter no médio é seguir uma máxima dos gregos: "Nada em Demasia",nunca ultrapassar o métron. Quantas vezes ouvi isso dessa professora...

Celina disse...

Parabéns !! Colocando as leituras em dia e não poderia ficar mais feliz ! Que venham mais, que seus dias vividos, que lembranças e sonhos venham sempre aportar aqui, uma delícia para ler !

E ca entre nós, médio, tá bom também,
Bjs

Valéria disse...

Parabéns, Eulalia, demorei a vir, mas cá estou lendo o seu conto n. 100! Realmente, faz muito sentido. E eu nem havia parado para refletir sobre isso. Parece, mesmo, que viemos para agitar as águas paradas, que acabamos nos acostumando com esse movimento e nos esquecemos de que o caminho do meio é nossa meta! Bjs