sábado, 10 de março de 2012

SÓ PARA GARANTIR


Tive uma violeta linda. Uma violeta africana, dessas “comuns” mesmo. Pelo menos, eu pensava que ela era “comum”.

A única foto que tenho é uma de quando ela era bebê. Pensei que já era uma violeta adulta, mas não. Ela era grande assim mesmo, só que bebê. Não fiz nada de especial senão coloca-la no lugar de honra da sala: a mesinha de centro. Bem... pelo menos, eu pensei que não estava fazendo nada de especial. Eu a achava linda linda, embora eu nem seja assim tão fã de violetas. A prova é que nunca mais pensei em comprar outra.

Foi um caso atípico de conquista. Ela me envolvendo pouco a pouco, dia a dia. Eu regava, cuidava dela normalmente, sem nenhuma atenção especial e ela lá, desabrochando para mim, sorridente, cúmplice, amiga. Foi um presente de uma aluna. Professores ganham (ou ganhavam?) flores com freqüência e, vez por outra, minha sala estava enfeitada: aniversário, dia dos professores, festa de fim de semestre... enfim, desta vez, o presente estava teimosamente me mostrando que tinha chegado para ficar.

E começou a crescer, crescer, e a dar flores, flores, flores... tão insistentemente que acabou conquistando, de verdade, o meu coração.

As visitas entravam e a olhavam imediatamente perguntando:

- Que planta é essa?

- Uma violeta.

- Desse tamanho? Não pode ser!


Podia. Ela era prova disso.

D. Djanira, esposa do Sr. Aluisio que, com certeza, um dia, terão um conto só para eles, tinha mãos de fada com as plantas. Nordestina, da Paraíba, morando no Rio desde os 17, já estava enturmada com nossos falares, nossos costumes, nossas mandingas, mas tinha lá seus palpites da terra:

- Menina, põe uma figa nessa planta, Deus seja louvado!

Não pus, mas... por via das dúvidas, arranjei um berçário de violetas na área de serviço. Tinha sempre mudinhas crescendo por ali. A visita entrava, punha os olhos na planta, elogiava e eu imediatamente ia ao berçário, pegava uma muda e presenteava a visita. Assim, com uma filha direta só para ela, deixaria a energia da minha em paz. Era o que eu pensava e parecia que dava certo. Superstição ou não, mal não fazia.

Um dia ouvi um barulhinho diferente na sala. Corri para ver. Era a violeta. Tinha crescido tanto que se partira em dois e, tombada, metade uma para cada lado, me deixou estarrecida. Corri para comprar outro vaso, não tinha jeito: para salva-la tinha de replantar. Deixei as duas na mesma mesinha, mas aí ficou meio desajeitado. Esperei uns dias para recuperação e procurei outro canto para a que comecei a chamar de “irmã mais nova”, já que era um pouquinho menor.

Levei-a para o quarto de estudos, contíguo à sala. Não tinha muito onde ficar e a coloquei, meio torta mesmo, na prateleira perto da janela. Estava nítido que ela estava “sobrando” ali, mas não achei um lugar melhor.

Os dias se passaram, talvez umas semanas. E... as duas crescendo, crescendo de novo. De vez em quando, levava a irmã mais nova para visitar a irmã mais velha, deixando-as tão perto que pudessem se tocar. Mas, realmente, não cabiam muito bem ali e, após a visita quase dominical, a mais nova voltava para o quarto.

Com o tempo, a mais nova, já muito encorpada, começou a sentir a falta de espaço. E também o calor maior da janela, pois tinha chegado o verão. Eu não sabia muito o que fazer, pois a área de serviço não tinha claridade suficiente para uma violeta adulta e, fora isso, só o quarto de dormir que também não era lá essas coisas para acolhe-la como deveria.

Enquanto eu estava nessa dúvida, apareceu D. Djanira, de novo. Sentou –se na sala e logo perguntou:

- Você podou sua planta?

Expliquei-lhe o ocorrido e também o meu problema. Foi quando tive a idéia:

- Sabe, a senhora seria a única pessoa a quem eu daria a irmã gêmea dessa, sem preocupações, quer?

- É você tem razão... a outra não é muda desta. Do jeito que foi, são mais para irmãs gêmeas mesmo. Será uma honra leva-la comigo. Já sei até onde coloca-la, num lugar bem parecido com essa sua daqui.


E me descreveu o local de sua casa, que eu conhecia muito bem. Concordei e ela levou toda cuidadosa, a irmã mais nova, depois, evidentemente, de as deixarmos juntas uma boa parte da tarde.

Os dias se passaram. Não sabia explicar o que estava acontecendo, mas minha violeta, pela primeira vez ficou adoentada. Apareceram uns fungos que eu nunca tinha visto e, também, umas folhas pareciam melar. No princípio, não liguei muito, mas, logo depois, comecei a ficar preocupada.

Fiz de tudo: extratos com anti-fungos, água com fortificantes especiais específicos para violetas. De nada adiantou. Um mês depois ela morreu. Peguei as mudas e dei um bom trato nelas. Alguma iria desabrochar com mais força e a colocaria no lugar. Mas, nenhuma se desenvolveu. Viraram violetas normais. Pouco depois, eu não tinha mais violetas em casa.

Liguei para D. Djanira:

- Minha querida, a senhora vai rir... mas preciso de uma muda daquela violeta. Imagine, depois desses anos (acho que eu já a possuía há uns dois anos) ela simplesmente morreu. Ela e suas mudas! O que terá sido?

A voz de minha amiga soou tristonha:

- Não queria lhe dizer porque você me deu aquela com tanto carinho e foi também com todo o carinho que eu cuidei dela, mas... deu fungo, melou e depois de mais ou menos um mês, morreu. Acho que não deveríamos te-las separado. É a única explicação que eu tenho.

Pois é... vai entender...

Passei um tempo muito triste.

A partir daí, mais atenta, passei a ouvir mil e uma histórias de plantas e suas reações. Jamais as coloquei em dúvida.

Hoje tenho uma avenca enorme, no mesmo lugar. Também veio pequenina. Digo que é minha secretária energética, já que dizem que avenca, dentro de casa, só se dá bem em ambientes de paz e harmonia. É uma planta muito sensível. Fico atenta a suas reações. Mas ela está lá, felizmente, muito bem.

Dou-lhe bons-dias, boas-tardes e boas-noites. Não a rego com tanto esmero, todos os dias, como dizem os livros que as avencas precisam, mas a rego com respeito, amor e dedicação. Está lindinha e fofa. E se espalha abusada por toda a mesa, quase como se fosse uma samambaia.

A história se repete. As visitas entram e comentam:

- Que samambaia delicada você conseguiu achar!

- É avenca.

- Desse tamanho? Não pode ser!


Às vezes, fico pensando que aquela mesa de centro da sala tem lá seus poderes...

De qualquer modo, cresça o que crescer, minha avenca vai ficar inteirinha ali, sem separações. E, me lembrando de D. Djanira e sem poder tirar mudas da delicadíssima planta, não pus figa, mas tem lá uma turmalina e uma ametista por perto do vaso... só para garantir.

4 comentários:

Valéria disse...

Eu amei seu conto!
Fiquei, aqui, imaginando cada cena, uma após a outra.
Simplesmente meiga essa violeta!
Que bom que tirou uma foto para poder nos mostrar! Beijos

Carlos Alberto disse...

Você tem uma percepção muito aguçada do mundo e não é difícil entender o que se passa ao seu redor. Plantas gostam de harmonia e como um animal reconhecem um bom ambiente, uma boa pessoa. Há quem diga que elas se movem, assim como um ser humano consegue expandir sua consciência. Intimamente você sempre soube o que estava acontecendo... Belo conto !

Celina disse...

Querida, amei a ametista e a turmalina, por via da dúvidas... E como é lindo ver uma violeta crescer desse jeito, também tive uma que ficou enorme e acho que por puro ciúme, minha boxer devorou. Mais um conto especial, desses que continuam na cabeça da gente, depois que acabou de ler. bjs

Polly Moraes disse...

Adoro a forma como você escreve.
Você consegue descrever a magia das coisas simples da vida.
Um lindo conto!
E, ah, dessa vez se avenca der uma irmã gêmea, não as separe. rs