sábado, 11 de fevereiro de 2012

TEIAS


Há um fio aqui, ali, em qualquer lugar que prende
pessoas a pessoas, pessoas a coisas, coisas a pessoas...
Teias de aranha.

Se você leu o conto VARIG, deve imaginar a gratidão que guardei da comissária de bordo que nos acompanhou durante o vôo Porto-Rio, dando a meu pai toda a acolhida e atenção necessárias.

Pois é... mas eu estava tão preocupada e voltada para as necessidades do meu pai, que não tive olhos e tempo para agradecer, como gostaria, a esse anjo terrestre que nos atendeu nas nuvens...

Dias depois, ainda que envolvida pelas providências de instalação de meu pai em sua nova vida, lembrava-me constantemente daquele olhar e daquele sorriso que nos acalentou em um momento tão delicado de nossas vidas. Queria agradecer-lhe, mas sequer tinha tempo de parar para me lembrar de ligar para a VARIG e procurar saber o nome todo, providenciar uma carta de elogios à companhia, talvez encontra-la para agradecer-lhe pessoalmente.

O tempo passou atribulado. Nada fiz de concreto. Mas meu coração, volta e meia, voltava-se agradecido para a imagem daquela doce comissária de bordo. Com o tempo, esqueci de seu nome. O tempo passou... mas não a lembrança.

Meu pai faleceu seis meses depois e voltei-me para o cotidiano de vida. Retomada de fôlego. Isso foi num agosto.

No ano seguinte, passei de abril a junho completamente envolvida num concurso acadêmico. Queria fazer parte do corpo docente de uma determinada Universidade Pública, já em meus planos, de longa data. Segundo meus amigos, um suicídio de esforços, pois atestavam que as vagas já estavam marcadas... tentativa inútil.

Não me entreguei. Apenas coloquei na cabeça que os esforços deveriam ser redobrados. Além das 20 horas/aula em uma universidade particular e mais 6 aulas, no ensino médio, que eram compromissos inadiáveis, eu comia, dormia, sonhava e respirava estudo. Estava acostumada a dar aulas de grego, língua portuguesa e cultura clássica e o concurso era para Linguistica. Para encurtar a história, passei. Exaurida, mas passei para os subseqüentes 20 anos acadêmicos mais produtivos de minha vida.

Quis me dar de presente uma viagem de férias e, claro, depois da vitória, tinha de ser para o exterior. Quanto mais longe do estresse, melhor. Assim, nas férias de julho, já investindo na promoção de vida profissional que iria receber, viajamos, meu ex-marido e eu.

Claro que a companhia aérea era a VARIG, que você já sabe ser a companhia de minha total preferência.

Malas e corações a postos, entramos no avião já com espírito de quem estava em plena excursão.

Uma das comissárias de bordo, imediatamente, me chamou a atenção. Sou péssima fisionomista. Aliás, a expressão “péssima” ainda soa como um elogio. Sou pior do que isso. Mas há algo dentro de mim, que pulsa não sei de onde. Dizem que é uma antena intuitiva. Sei lá. Sei que pulsa. Meus olhos pousaram naquele olhar sorridente e acolhedor. Imediatamente a reconheci. Não meus olhos, mas o coração por trás deles. Era ela, sem dúvida.

Sorri e me aproximei. Sabia que ela estava muito ocupada, mas não resisti:

-Você! Que felicidade! Você cuidou de meu pai no ano passado, durante todo o vôo! E nunca pude mostrar-lhe toda a minha gratidão.

Ela sorriu:

- Lembro-me de seu pai. Estavam sentados à esquerda, ele na janela! Como ele está?

Foi aí que arrefeci. Como dizer-lhe, assim, na lata, que ele tinha falecido? Mas não tinha jeito:

- Está nas nuvens, muito melhor do que aqui. Mas sua presença sempre esteve presente em nossas conversas. Ele sempre falava de você. Como sou agradecida!

Seus olhos encheram-se de lágrimas. Difarçou. Eu também. Sorri-lhe e passei para ir em busca de meu lugar.

Quando sentei, havia outra comissária em seu lugar. Onde estaria? Sumiu, por uns cinco minutos. Eu sabia que tinha se retirado. Tinha mesmo ficado emocionada. Mas, daí a pouco, lá estava ela, recepcionando, cuidando dos que continuavam a entrar.

Antes da partida, passou por mim e disse:

- Estou atendendo à primeira classe. Não poderei estar por aqui.

- Vejo que você foi promovida. Muito mais que merecido.


Não a vi mais durante as dez longas horas de viagem. Mas volta e meia sorria para mim mesma, satisfeita com sua promoção. E muito feliz com o encontro.

Na saída, pensei em me atrasar um pouco para um último agradecimento. Mas nem foi preciso. Ela mesma me acenou lá da frente, como quem sabe que esperava me encontrar.

Segui o fluxo e, quando me aproximei, lá estava ela, tendo nas mãos, um vasinho de primeira classe com uma rosa vermelha. Me ofereceu, sem nenhuma palavra. Dei-lhe um breve abraço. Nos olhamos, cúmplices de vida - acolhedora e acolhida, em mútuo afeto de doação e agradecimento.

A vida, com certeza, entre os múltiplos presentes que recebi, não me negou mais este encontro.

Há um fio aqui, ali, em qualquer lugar que prende
pessoas a pessoas, pessoas a coisas, coisas a pessoas...
Teias de aranha.

4 comentários:

carlos alberto disse...

Para que palavras? As vezes elas estragam momentos sublimes e você, no final desse conto teve um momento zen, instante no qual o tempo pára, para que duas pessoas se reconheçam. Gestos que falam, que traduzem sentimentos mais profundos. Somos viciados em palavras e quando as proferimos deixamos o verdadeiro sentido em nossas entranhas.em certas ocasiões devemos evitá-las.

Polly Moraes disse...

Gosto mt das suas histórias :D
Fico esperando um novo toda vez ^^

Celina disse...

Também senti falta do conto no sábado passado, mas valeu a espera. Em poucos parágrafos uma quantidade enorme e delicada de emoção. Lindo!

pblower disse...

è amiga... a gente não explica mas a teia existe e nos envolve e aconchega no acaso.