domingo, 19 de fevereiro de 2012

FEITIÇO


É carnaval.

Mas, na verdade, no Rio, já é carnaval há muito tempo, tão logo acabou o Reveillon. Os tamborins precisam se aquecer, não precisam? Pois então...

No meu canto sossegado de Copacabana (isso existe? Sim, existe) dou asas ao amor que tenho por essa cidade.

Foi pensando assim que fiz minha caminhada na semana passada e, em duas horas e meia, consegui viver com a diversidade “clássica” de um breve passeio por essa cidade. Duas horas e meia, do Leme ao por-do-sol no Arpoador, uma distância de uns cinco quilômetros e o resumo da multifacetada festa de uma descompromissada tarde num domingo de verão carioca.

Basta ter uma câmera nas mãos - e foi o que fiz – para registrar alguns sons e imagens contrastantes, numa distância não maior do que a de breves passos aqui e ali... logo adiante...

O principal da festa já se anunciava tão logo cheguei à altura da praia de Copacabana. A Agremiação Alegria da Zona Sul já fazia seu público ensaio carnavalesco, dando água na boca aos turistas. Um breve prelúdio do que estaria por vir:

Os primeiros passos da porta-bandeira com seu mestre sala, o passista...


Japoneses aos montes tirando fotos e fazendo filmes. E americanos, franceses, brasileiros de várias regiões em seus sotaques tão distintos do norte ao sul... isso pude ver, num breve momento para registrar fotos para este conto. Pena que não consegui blogar os filmes para que o som pudesse também ser ouvido.

Uns passos adiante, o barulho do mar, o colorido das cangas... a música andina:


Mais dois passos, perto do final da praia, o silencioso apelo da conservação de nossas riquezas naturais.



Ao fundo, amantes da natureza curtiam o mar das mais variadas formas, enquanto barcos aguardavam, com suas redes, os pescadores da madrugada que se aproximava.


E os bicleteiros devolviam as bicicletas alugadas, uma iniciativa maravilhosa que nos permite não ter de guardar mais esse “móvel” dentro de apartamentos.


E enquanto o final de domingo seguia manso pelas ruas vizinhas...


...e a orquídea sustentava sua beleza singela numa árvore perdida,


a praia de Ipanema se preparava para mais um de seus grandiosos visuais do entardecer.


A praia e a pedra do Arpoador enfeitavam-se com a platéia que se acomodava para ver, mais uma vez, o maravilhoso espetáculo do astro-rei...


... que não se fez de rogado e se recolheu majestoso e preguiçoso, abençoando seus filhos daqui e de além, sem distinções, roubando os já tão conhecidos aplausos em seu último suspiro do dia.


Um olhar em volta foi suficiente para registrar a quantidade de expectadores desse encantado momento carioca. Por trás, a lua se mostrava para o raro, mas cotidiano encontro dos dois amantes – lua e sol - que apenas neste rápido momento sempre se vislumbram face a face: “Feitiço de Áquila”.


No mais, a promessa de uma belíssima e fresca noite de verão, sob o testemunho do Pão-de-Açúcar ao fundo.


Tão logo se desce das pedras, ouve-se o músico que vai ali para enfeitar o entardecer de Ipanema. É comum vê-lo principalmente às terças, sextas e finais de semana. Sua música suave e branda, doce e calma, contrasta com a tarde abusiva de bulício. As cores da noite enfeitam o céu e o som de seu doce instrumento enche o ar.


Depois é ir voltando para casa e encontrar, no colorido da noite, a calma do calçadão há duas horas freneticamente carnavalesco.


O pipoqueiro...


...a gari, cuidando da limpeza da praia para os banhistas do dia seguinte...


...quiosques ao som de música popular brasileira...


... artesanato nas calçadas...


... cariocas aproveitando os últimos suspiros do domingo.


Em duas horas e meia, vive-se um dia.

E voltei para casa com a visão multifacetada desse domingo. O coração amante dessa cidade ficou em festa, mais uma vez.

Mas, não sei por que, ao mesmo tempo que uma profunda gratidão pela vida me invadia como uma luz interior, uma imagem do dia se destacou das demais: a da lua e do sol, desejosos de se encontrarem no vislumbrante espetáculo do entardecer.

O sol, sob o olhar do Cristo, a lua, sob o olhar do Pão-de-Açúcar, em distâncias e momentos que não podem vencer, desfazer, eternizar. Ambos, ansiosos e impotentes, como a Paz, tão ardentemente desejada por nós, que não consegue aplacar a angústia das guerras.

Era isso. O desejo de um verdadeiro, definitivo e vitorioso encontro da verdadeira Paz com a guerra. A visão desses dois astros que jamais se encontram e jamais se tocam. Uma paz que buscamos para o cotidiano pessoal, para as nossas relações humanas, para nossas culturas, para nossos povos, para a humanidade.

Segui meus passos, lentamente, guardando, no entanto, a esperança de que, um dia, quem sabe, esse feitiço se desfaça.


Obs.: Feitiço de Áquila - É a história de um casal que é vitima da maldição de um Bispo de Áquila (uma cidade medieval famosa por sua prisão). Eles estão sempre juntos, mas não podem concretizar seu amor porque, durante o dia, ela se transforma em um falcão e, durante a noite, ele se transforma em um lobo. Os únicos momentos em que se vêem, sem conseguirem se tocar é durante poucos instantes no alvorecer ou no crepúsculo.

7 comentários:

Miriam disse...

Poesia escrita com letras e luz!

Carlos Alberto disse...

Caminhar, observar, meditar... Uma prática diária, para colocarmos pensamentos e idéias em ordem. Para apreendermos mais da realidade que nos cerca. Um pássaro que canta ou um galho de árvore que se move, ou quem sabe o gesto de uma pessoa idosa,que ensina mais do que aparenta.Que terapia deliciosa! Quando morava no Rio gostava de ver as pessoas caminhando cedo para o trabalho, a cidade pulsando mais um dia. Maravilhoso esse conto, ilustrado com belas fotos de nosso povo, um povo alegre e criativo em tudo que faz. Você sempre extrai o melhor de tudo.

Anônimo disse...

minha amiga,
concordei com tudo, mas ... noite fresca de verão??!!! Vc jura que é isso mesmo? Estou fervendo nesse Rio-caldeirão, esperando ansioso o ionverno chegar! kkkkkkkkkkkkk
beijos, décio

Celina disse...

Amei! Esse momento em que a gente se coloca como observadora, e festeja cada visão, e comtempla com olhos de sentir. E as fotos mais indeléveis, são as que ficam guardadas no nosso mais particular "cartão de memória".

PS:Também amo esse filme. É uma metáfora que "uso" para umas tantas coisas...

Inez disse...

Parabéns, Eulália. Gostei, e muito, desta história do Feitiço, amplamente ilustrada com suas fotografias. Só um coração cheio de amor por este Rio de Janeiro, e Copacabana em especial, pode escrever esta história. Parabéns.
Inez

Eulalia disse...

É incrível como uma postagem sobre o Rio mobiliza! Pois é... é mesmo uma cidade iluminada!
Obrigada pelos comentários, queridos!

E... Décio, por incrível que pareça, por aqui, as noites tem sido frescas (considere a beira da praia, claro!). Um ventinho bom.

pblower disse...

Que conto!!!! Que paisagens!!!! Que passeio pelo Rio vc nos proporcionou!!!! Maravilha!!!!