sábado, 14 de janeiro de 2012

SENTA, QUE LÁ VEM HISTÓRIA


Facebook. Facebook e aquele meu anjo que atende os meus pedidos aventureiros. Desta vez eu queria que me aparecesse um interlocutor inglês. Estou treinando meu péssimo inglês. Quero coloca-lo num nível de conforto. Assim, me decidi por aulas particulares com meu queridíssimo atual mestre, já que curso para mim não adianta. Patrícia, exímia professora da Cultura Inglesa e, mais tarde, diretora acadêmica da mesma, já tinha me desiludido:

- Curso para você não adianta, amiga. É inglês típico de acadêmico esse que você tem: leitura, certa compreensão e complexo de cdf para falar. Não tem curso para esse tipo de aprendiz aqui no Brasil.

Assim, decidi mesmo pelas aulas particulares. Mas faltava um “sal”. Aquele "sal" que estimula, que empurra, que aguça a curiosidade, o diálogo constante.

Nunca liguei para televisão a cabo. Quase não vejo TV... mas acabei contratando, só para grudar na BBC. Está funcionando, mas... e o “sal?”

Pois é aí que entra o anjo. O anjo e um inglês britânico que me achou não sei como, no Face. Me mandou uma gentil mensagem e começamos a trocar frases e expressões verbais. Sopa no mel.

O homem regulava com a minha idade, era o que me dizia. Só que começou a parecer apaixonado demais para o meu gosto e também para a idade dele. Romântico demais da conta, coisa assim, que não dá muito para acreditar. Mais para o lado do esquisito. Vai daqui, vai dali, ele pede para ouvir a minha voz.

Medo. Medo de dar o número do celular e medo de falar com alguém em inglês, só ouvindo a voz e tendo de me virar. Seria um exercício e tanto! Um desafio. Não tive idéia de comprar um chip só para isso. Hoje em dia é tão barato... Mas aprendi com a experiência. Da próxima vez eu faço isso. Enfim, depois de muito titubear, dei o número.

Ligou. Consegui falar! Consegui entender e responder, ele muito paciente, falando devagar. Depois daí, ele me ligou mais umas vezes. Muito gentil.

Fiquei na dúvida, peguei o número do telefone. Conferi o prefixo: Inglaterra. Mas o prefixo da cidade não conferia. Por via das dúvidas, mandei um mail para uma amiga muito querida que mora lá. Queria saber se aquilo era estranho ou eu é que estava pondo minhocas na cabeça. Ela disse para eu não me preocupar, pelo menos com o número. O número era inglês e os prefixos nem sempre coincidiam com os prefixos das cidades.

Tá.

Mas continuei com o pé atrás. Muito romântico demais. Desculpe o preconceito, mas homem pede, pelo menos, fotos. Quer saber se você tem filhos, quer saber mais da sua vida. Não cai de amores só pelo sorriso da foto do Face. Mas fui levando, afinal, o exercício de inglês estava ótimo... o “sal” pedido ao anjo!

Fim de ano. O gentil inglês pede meu endereço para mandar uma lembrancinha de virada do ano. Pode ser muito gentil, mas meu endereço não dou não. Fui delicada mas direta:

- Não te conheço senão por aqui. Não posso dar meu endereço. Podemos continuar conversando, aceito seus votos de feliz ano novo.

- Faço questão de enviar um presentinho.


Fui ao correio disposta a abrir uma caixa postal paralela. Nem pensar. Todas ocupadas, trinta pessoas na fila de espera. Custei a responder e ele, de lá, insistindo:

- Por favor, querida, estou indo a trabalho para o México, quero postar antes de partir.

Então, tá, vai... sapequei o endereço de minha caixa postal e seja o que o anjo quiser.

Ele agradeceu muitíssimo e a partir daí vivi setenta e duas horas de adrenalina para charlatão nenhum botar defeito. Se você leu meu conto “Golpe de Mestre”, se prepare, que foi parecido. Mas o anjo me põe, o anjo me tira...

A lembrancinha era composta de um pacote com 2 laptops da HP, 2 Iphones, 4 perfumes, um cordão e um anel de ouro, uma rosa e fotos pessoais. Ah, e uma soma de dinheiro escondido dentro de um dos laptops que daria para comprar um bom carrinho. Assim, de um soco só.

Para uma mulher burra, um senhor presente. Mas, desculpe a modéstia, não me encaixo. Ou o cara era totalmente maluco de pedra, o que seria o suficiente para eu cair fora, ou ali tinha... ah... tinha. Até porque nem maluco rasga assim dinheiro de graça. Meu pisca-alerta ligou. De qualquer forma, não era presente para se receber, mesmo que, em última hipótese, ainda houvesse algum maluco no mundo que fizesse isso. Respondi imediatamente:

- Não me mande isso. Pensei que seria um souvenir de Reveillon, alguma coisinha inglesa da virada de ano. Nem pensar.

- Já mandei querida, não se preocupe.


Não me preocupe? Claro que passei a ficar preocupada, na verdade, preocupadíssima. Alarme ligado. Luzes em vermelho.

Perguntei a um amigo o que ele achava. Bem, a vida dele tinha dado uma guinada por uma coisa dessas, inesperadas, e tinha dado certo. Nada mais normal do que ele achar que poderia ser uma aventura a ser vivida.

Mas meu pisca-alerta continuava ligado. Fiquei mesmo muito invocada. Conversei com outro amigo. Ele também achou a coisa esquisita. Bom... “dois” achando esquisito. Só podia caber na minha cabeça que alguém que estivesse tão interessado e tivesse essas supostas condições financeiras, iria preferir mil vezes pegar um avião e vir me conhecer do que mandar um pacote assim. É óbvio! Já havia acontecido isso comigo antes. Se você leu o conto “A ponte”, sabe do espanhol que se despencou de Barcelona para o Rio só para me conhecer. Essas coisas acontecem. Mas um homem não vai mandar um pacote desses para uma mulher com quem ele trocou palavras no Face por 20 dias. Não um homem sério ou, pelo menos, um “homem normal”.

Não deu outra. No dia seguinte, recebi um mail da Malasia. O emissor identificou-se como policia alfandegária, dizendo que o pacote tinha sido barrado lá e, pela descrição do conteúdo, se eu quisesse recebe-lo, teria de depositar imediatamente a “irrisória” soma de 850 dólares, caso contrário, o pacote seria confiscado. Nome da conta, etc, tudo direitinho. O depósito deveria ser feito via Western. Muito chique. E era para ser imediatamente.

-Ah! Era esse o golpe, concluí. E agora? Com que espécie de quadrilha eu estava envolvida? O que fazer?

O anjo me põe, o anjo me tira. O problema era como fazer para me sair. Isso o anjo nunca conta. É a parte onde ele me faz viver a aventura...

Havia algumas saídas:

- Simplesmente não responder e sumir;

- entrar no Face e perguntar se ele me considerava uma idiota. Pergunta desnecessária: é óbvio que ele me considerava uma perfeita idiota;

- bancar a burra, fingir que tinha caído no conto e arranjar uma saída de mulher “burra”. Uma mulher muito muito burra que aceita que um pacote que sai da Inglaterra precisa dar a volta ao mundo, passar pela Malásia, para chegar ao Brasil. Isso, fora todo o absurdo da história em si.

A primeira alternativa parecia mais simples: sumir. Mas não era: ele tinha meu número de celular e, também, o endereço de minha caixa postal. Eu não sabia - e não sei – com que espécie de quadrilha eu estava envolvida, nem suas condições de ataque para me arriscar. Era botar a cabeça para funcionar!!!

Não respondi ao mail, fiquei muda. Alguma coisa iria acontecer e fingi que não tinha lido mail nenhum, nem aberto o Face, naquele dia. Dar tempo para pensar, ver o que fazer.

O segundo amigo, aquele que também estava achando tudo muito esquisito, me deu um bom suporte. Felizmente, ele é bem relacionado e disse que, se eu precisasse, tinha um parente para ir à alfândega comigo, se o pacote chegasse. Tinha feito uma consulta e, quem o instruira, era ligado à polícia federal. Ok, não vai precisar. Pelo tipo de golpe, era só uma isca para eu depositar os tais 850 numa conta da Malasia. Pelo andar da carruagem, não havia pacote algum para chegar. Eu não estava envolvida com contrabandistas. Menos mal... menos mal.

Tracei um plano, o anjo que me ajudasse. Fingi que não tinha recebido o mail, mas já sabia do conteúdo. Horas depois, ligação internacional – não era de prefixo da Inglaterra. Atendi. Era diretamente da “alfândega da Malasia”. Imagine, um serviço alfandegário tão perfeito que liga para o receptor para avisa-lo que tem um pacote preso lá! Quanta gentileza! Fingi não estar entendendo o inglês do homem. Na verdade, não estava mesmo. Só que eu sabia previamente do que se tratava:

- Por favor, ligue para o emissor do pacote, não estou entendendo nada.

Mais uns minutos, liga o gentil inglês, voz parecendo muito aflita!

- Querida, eu recebi um mail da Malasia, você também recebeu?

- Sim, mas não entendi direito. Acho que é para pagar uma taxa ou coisa assim.

- Estou muito preocupado, eu...


Interrompi imediatamente:

- Desculpe, acho que você está nervoso, não estou entendendo nada. Estou em casa. Vamos trocar mensagens pelo Face?

Fazia parte do meu plano ter tudo por escrito. Por via das dúvidas, se desse algum problema, teria provas escritas para mostrar para a polícia daqui, se fosse o caso. Fomos para o Face. Ele fez o “papel de desesperado”. Queria a minha ajuda de qualquer jeito para o depósito, pois havia muitos bens no pacote! Inclusive dinheiro. E muito! Que eu pagasse a taxa e, quando o pacote chegasse ao Brasil, eu poderia resgatar a quantia tirando o dinheiro que estava incluído nele. Ele não estava na Inglaterra, não poderia tomar qualquer providência! Não poderia fazer nada do México. Retruquei:

- Não fique tão preocupado. Já estive no México. Também tem Western aí. Então, é só você ir lá e tudo está resolvido!

- Não posso, a instituição daqui não permite, Já expliquei tudo isso a eles, mas eles não querem me deixar ir. Estou em pleno mar trabalhando, não posso ir à terra, por favor, me ajude, você é minha única esperança.

- Ok, mas por favor, ligue para a Malásia e diga para eles fazerem o pacote voltar para a Inglaterra, pois terá um problema muito maior aqui! Não quero receber esse pacote! Dará mais problemas ainda na alfândega daqui!


Eu era tão “burra” que ainda o estava ajudando a me dar o golpe...

- Ok, querida, então eu deposito em sua conta tão logo eu volte para a Inglaterra, prometo.

- Ok, não se preocupe, a gente vê isso depois. Eu deposito amanhã.

- Você faz isso? Ah, que alívio, que Deus a abençoe.


Pronto. No dia seguinte, de manhã, ele me ligou preocupado:

- Querida, você já depositou?

- Não tenho o dinheiro comigo, pedi emprestado a um amigo e ele disse que vai trazer para mim.


Pronto, além de burra eu não conseguia nem ter 850 dólares.

- Estou muito preocupado. Eu...

- Não estou entendendo você direito, mas escreverei no Face depois. Não estou em casa.


Pouco depois, liga a alfândega da Malasia, muito preocupada com a segurança do meu pacote. Quanta gentileza! Digo para eles ligarem para o emissor.

À tarde, liga de novo o gentil inglês:

- Você depositou?

- Meu amigo ainda não veio com o dinheiro. Escrevo para você no Face, hoje à noite.


Nisso, me encontro com meu amigo de verdade e conto meu plano. Disse-lhe que preferia a versão da mulher burra, por via das dúvidas. Ele teceu considerações comigo, me ajudando na melhor interpretação do papel. O anjo não dá respostas, me deixa dar tratos às bolas para sair dos apertos, mas... sempre me envia aliados... é só eu estar atenta!

Saí e fui viver o resto do meu dia, com meus afazeres. Tinha de deixar o tempo passar. Fazia parte do papel de tentar arranjar o dinheiro. À noite, quando cheguei, escrevi uma mensagem “desesperada”:

- Meu amigo não me deu o dinheiro, disse que não acreditava na sua honestidade e ainda por cima, disse que tem um amigo da polícia federal e que vai contar tudo para ele. Eu estou desesperada, não quero me envolver com a polícia. Na verdade, estou com muito medo de tudo isso. Não posso ajuda-lo. Você é um homem muito esperto e com certeza, encontrará um amigo na Inglaterra ou algum membro de sua família que poderá fazer isso para você. Sinto muito não poder ajuda-lo, estou em pânico.

Na verdade, fora o fato de eu saber mais ou menos com quem eu estava tratando, estar com medo, era pura verdade. Um medo reativo, mas presente da cabeça aos pés.

Poucos minutos depois, a resposta, no Face:

- Oh, meu Deus, como fui acreditar em você! Estou perdido!

Não respondi. Deixei para o dia seguinte, como se tivesse escrito e desligado o computador. Ainda tinha um problema a resolver. É que este meu amigo, o tal que tinha mesmo um conhecido da polícia federal, tinha sido muito assertivo:

- Feche sua caixa postal e mude o número de seu celular.

O problema era esse. Eu não queria fechar minha caixa postal. Tenho a mesma, com várias correspondências do mundo todo, há 20 anos! E o meu celular é o ponto central do meu trabalho como terapeuta! Todos os meus clientes só falam comigo pelo celular. E tenho clientes desde 2001! Eu tinha de bolar um jeito de resolver isso também!

E essa era a minha cartada final, por isso não respondi logo. Precisava deixar o tempo passar, exercitar a minha paciência, saber dar os passos, deixa-lo na expectativa do que eu iria fazer.

Enquanto isso, uma hora depois dessa troca de mensagens, novo mail da Malasia, desta vez ameaçador. Com certeza, passaram a investir nas palavras medo e pânico que eu tinha usado ao dizer que não queria me envolver com a polícia.

O mail era bem explícito: dizia que tinham “escaneado” o pacote e detectado uma soma de dinheiro muito grande ali e que isso era ilegal e se a tal taxa de 850 dólares não fosse depositada imediatamente, as polícias dos dois países, Inglaterra e Brasil, seriam avisadas, para que tomassem as providências necessárias com os dois envolvidos.

Não respondi. Imediatamente, abri meu celular, tirei o chip e liguei do meu fixo para ele para ver o que acontecia. Não toca. Dá direto na mensagem:

- Sua ligação está sendo encaminhada para a caixa postal, deixe sua mensagem após o sinal.

Ok, eles não entendem português. O que eu queria é que não tocasse o sinal de chamada. Entrando direto na mensagem, pode ser qualquer coisa, inclusive dizendo que o número tinha sido desativado. Era a impressão que eu queria dar, o toque final que eu precisava.

Entrei no Face:

- Estou fechando minha caixa postal e também mudando o número de meu celular. Por favor, me esqueça.

Resposta, minutos depois:

- Oh, Deus, não acredito que você esteja fazendo isso comigo!

Não respondi. Abri o Face, no dia seguinte. Nenhuma mensagem. Também nenhum outro mail da Malásia. Ufa, que alívio. Eu era burra, pobre e medrosa demais para eles perderem tempo comigo.

Por via das dúvidas, fiquei três dias com o celular desativado. Quando liguei novamente, havia apenas uma chamada do exterior, com horário próximo ao da minha última postagem no Face. Nunca mais recebi nenhuma ligação internacional.

O anjo põe, o anjo tira. E fiquei sem meu “sal inglês” novamente. Entrei em chats. É uma “chat-ice". A conversa é sempre a mesma: de onde você é, etc... e a linguagem é essa da internet, não é boa para treinar.

Meu bom anjo protetor, obrigada por esta aventura. Mas, desse pão, já chega. Dá para me mandar outro alguém só que bonzinho? Já tive a minha cota de adrenalina para esta vez.

Obs.: o título foi tirado de um antigo programa infantil da Rede Brasil (antiga TVE); a foto da página inicial do Facebook.

6 comentários:

Anônimo disse...

minha amiga, que conto eletretizante este de hoje! Vamos lá com algumas possibilidades de leitura para tentar entender toda essa maluquice:
. hipótese 1: o britânico sabia que vc tinha um blog de contos e queria contribuir com alguma história bem temperada;
. hipótese 2: ele queria ajudar você a desenvolver o seu inglês e começou com uma lição que normalmente não se encontra nos manuais de línguas estrangeiras:"dealing with a picareta";
. hipótese 3: em algum momento ele imaginou que vc também se interessasse por línguas asiáticas e a colocou em contato com a Malásia;
. hipótese 4: teu anjo não conhece muito bem o significado de "sal" - confunde "sal" com "pimenta malagueta"; manda um pequeno dicionário pra ele;
. hipótese 5:- teu anjo deve gostar de uma "sacanagem" de vez em quando;

No final, só não entendi uma coisa: se no pacote havia
2 laptops da HP, 2 Iphones, 4 perfumes, um cordão e um anel de ouro - tudo em par, sempre múltiplo de 2, por que será que o cara só enviou UMA ÚNICA rosa?! Que unha de fome!!!
Bjs pra vc, pois esse tipo de coisa só acontece com quem tem barra pra enfrentar! Décio

Eulalia disse...

Querido, seu comentário merece ser blogado como um conto à parte. Pode? Adorei!!!

Unknown disse...

Adorei teu conto. verdadeira história de detetive. o que os caras não fazem para arrancar dinheiro das pessoas, não é verdade? Quantos não terão caído nesse conto...

Celina disse...

Tô "pasmem" como dizia uma empregada da mamãe!!! Então aquele nùmero singelo deu nessa encrenca toda??? então o presente não era de inglês era de grego, que você tanto gosta!
Amiga, aventura para ninguem botar defeito! Além de treinar o ingles, se formou em adrenalina!
bjs

pblower disse...

ë amiga, depois da correria do final do ano, estou pondo minha leitura blogueira em dia. Que loucura!!!! E como estamos expostos a coisas que nem podemos imaginar. Te cuida e sugiro que volte a estudar ingles de modo menos heterodoxo!!!!

carlos alberto disse...

Fui transportado para o conto...você se insere na história quase que de imediato. Há momentos muito cômicos, mas posso imaginar o desespero e a curiosidade da professora em toda essa trama. A rede social oferece muitos perigos e são necessárias algumas medidas de segurança.A narrativa é enriquecida com muitos momentos de tensão e ri bastante quando a mestra, nos momentos mais difíceis, sempre encontrava uma saída. Desconhecia esse seu lado engraçado, cômico. Parabéns!