domingo, 16 de maio de 2010

DANK U WELL


Como lingüista, a primeira expressão que busquei aprender tão logo aportei em Amsterdã foi “muito obrigada”. A gente não consegue dar um passo em qualquer lugar do mundo sem saber pelo menos isso, na língua do lugar, não é mesmo? É o mínimo de delicadeza que podemos ter ao sermos recebidos como visitantes na casa de alguém. Pois então: “dank u well”, na tentativa de pronunciá-lo com um belíssimo sorriso ao estilo holandês que, diga-se de passagem, é um dos sorrisos mais floridos do norte europeu.

Não é preciso pronunciá-lo com perfeição. Os holandeses são gentilíssimos e sabem que a sua língua só consegue ser falada por eles mesmos ou com muito custo e boa vontade (além de um esforço quase sobre humano), por algum ser desavisado (ou muito bem avisado?) que resolve morar lá. É por isso que quase todos eles tem a delicadeza de falarem inglês... mas dank u well é mesmo irresistível de se dizer (w com som de v e ll com som de l mesmo). Soa bonito, amável, charmoso. Além disso, é só você experimentar o viço de Amsterdã que se sente compelido a agradecer: pelas pessoas e para as pessoas, pela beleza da cidade, pela vida ter proporcionado a oportunidade de estar lá: dank u well!

Amsterdã só pode ser mais um dos capítulos à parte em minha vida. Se é que eu não faça um capítulo à parte de tudo. Não posso reclamar. A vida tem sido pródiga comigo, tanto nas alegrias quanto nas tristezas, nos prêmios e nos aprendizados duros, fazendo com que desfrute ou frutifique na medida das dores e das alegrias, sempre muito bem contrabalançadas. Temperada, assim, a minha existência, acho que só tenho a agradecer. Nada veio manso e as fortes crises salpicadas de descansos, me ensinaram que os dias devem ser vividos passo a passo, sem perda de vitalidade. E Amsterdã foi um desses prêmios. Um doce prêmio.

Passear pela praça da estação de trens, bem no centro da cidade, em pleno verão, é encontrar carrocinhas de sorvete com cartazes escritos: “estamos no verão, tome sorvete!” Só mesmo Amsterdã poderia ter a idéia de contar desta forma aos seus cidadãos e aos turistas, em duas línguas (o cartaz também estava em inglês), que chegara o verão, já que ostenta seus 16 graus centígrados, em pleno mês de julho. Com o aquecimento global, quem sabe, tenha melhorado. Preciso voltar para conferir.

Uma das coisas mais interessantes que observei foi o movimento do final do dia. Aqui, as pessoas vão para casa, muitas vezes, passando pela padaria para levar pão para o jantar ou para o lanche. As holandesas passam pela floricultura. É extremamente interessante estar perambulando pela cidade no final do expediente e observar a quantidade de mulheres carregando ramalhetes de flores para casa. Faz parte da rotina. Flores frescas, lindas, coloridas, combinando com as peles brancas das jovens e das senhoras, cujas faces ostentam, muitas vezes, um leve tom rosado. Flores para cá, flores para lá, passeando pelos bondes amarelos que não param para você passar de jeito nenhum. Se bobear, passam por cima, pois quem está errado é você. Eles tem um tempo rigorosamente preciso para parar em cada ponto e saírem desabalados outra vez para atenderem à escala de seus horários. Eu mesma quase fui atropelada por um desses e o motorneiro reclamou comigo naquela língua sonora e incrivelmente ininteligível... O bonde amarelo de Amsterdã deveria ser peça tombada da cidade. Quem foi, sabe. Será que ainda existe?

Talvez possa dizer que Amsterdã seja, de certa forma, o Rio de Janeiro da Europa. A graça, a piada sempre pronta, o jeito, a ginga, embora “a la” européia, está presente nos cidadãos. Brincam até com o fato incontestável de saberem que sua língua é impossível e que inglês é o único acesso a nós. Mas, também, só dão chance ao inglês. Lembro-me de um cartaz de rua, cuja foto fiz questão de tirar. Estava saindo do Rijksmuseum, o maior museu da Holanda, de visita obrigatória, pelas artes e pela história. Senti dificuldade de acompanhar o passeio turístico com um folheto todo em inglês, com tantos termos técnicos. Sentia falta de algo em francês ou espanhol, línguas em que tenho mais facilidade. Nada. Assim, depois de muita paciência e dedicação à arte, com leitura cuidadosa, lá estava eu saindo do museu, quando me deparei com o tal cartaz, de frente para o museu, com apenas esses dizeres: “Oui, monsieur! The problem is: I don’t speak French”. Esta é (ou foi) a Amsterdã que eu conheci.

Havia (ou há) uma praça onde consumir drogas é permitido publicamente. Eu não sabia e também esqueci o nome da tal praça. O fato é que descobri da forma mais engraçada possível. Comprei postais numa loja e resolvi escrever ali mesmo para amigos brasileiros. Naquele tempo, usava-se mandar postais. Hoje escrevemos mails em nossas viagens. Pois bem... achei uma praça e me sentei numa escadaria (a tal escadaria da praça, onde as pessoas consumiam drogas) e comecei minha tarefa. Pessoas a minha volta, começaram a me oferecer as mais diversas drogas. Eu, gentilmente, recusava, como já tinha me acostumado a fazer em toda cidade. Sim, porque, naquela época, passar pela rua e oferecerem drogas para comprar era um hábito natural aos transeuntes. Você agradece, acena que não com a cabeça, segue em frente e não é mais incomodado(a). Mas ali, cada um que me oferecia fazia uma cara estranha ao me ver negando. Começou a me incomodar de tal jeito que percebi que os estava incomodando também. Foi aí que percebi que estava no meio de uma roda de pessoas me olhando com cara de parede, sem saber o que fazerem comigo, que me negava o que, segundo a tradição e os costumes, eu estaria ali para fazer. Saí de fininho, quase pedindo desculpas. Se soubesse como se pedia desculpas em holandês, juro que o faria.

É muito difícil eu beber. Em viagem, então, nem pensar. Fico com medo de pagar algum mico, já que apenas duas taças de vinho são mais do que suficientes para me deixarem bem alegrinha. Mas bebi uma taça de vinho, ao jantar num simples, mas excelente restaurante na parte velha da cidade. Uma área romântica, muito interessante de ser visitada. E, como lá, no verão, só anoitece em torno das 22.30, saí caminhando por ali, rumo ao hotel, observando o lugar. Foi quando pensei que estivesse realmente muito bêbada. Ocorre que comecei a achar os prédios tortos. Atravessava a rua para ver melhor e achava que os prédios estavam tortos. Olhava para a base dos prédios e os achava tortos em relação à calçada, em relação aos postes. Fiquei zangada por ter bebido. Irritada mesmo. E fui dormir de mal comigo. Na manhã seguinte, voltei para curtir o romantismo do lugar e constatei que os edifícios estavam mesmo... tortos!!! Há uma parte da cidade em que eles simplesmente afundam e ficam tortos!!! Fui conferir no manual turístico que levava comigo. Era isso mesmo. Os prédios eram rigorosamente fiscalizados pela prefeitura, por conta da segurança. Você poderia imaginar uma coisa dessas? Pois é. Tirei muitas fotos para nunca mais me esquecer da sóbria bebedeira que tomei...

A última e mais bela lembrança de Amsterdã deu-se também à noite. Eu acabara de passar por uma loja de souvenirs e vi um postal com uma lua cheia enorme, uma espécie de montagem, pois uma lua alta não pode ser tão grande. Iria embora no dia seguinte e comprei o postal apenas por achá-lo muito bonito, nessa montagem com o centro velho da cidade. Saí por ali, já noite alta. Deveriam ser umas 23 horas e a pouca luminosidade dessa parte antiga da cidade, deixava mais lindas e românticas as luzes que enfeitavam os canais que são numerosos por toda aquela região. Mas havia muita luminosidade para as poucas lâmpadas, que não poderiam refletir tanto prateado nos rios que serpenteavam preguiçosos por baixo das pontes àquela hora da noite. Levantei os olhos e me deparei com uma lua cheia enorme, como nunca vira. Por coincidência, mais ou menos no mesmo lugar do postal que levava em minha bolsa. Fiquei estarrecida. Uma bola de luz, uma lâmpada enorme, resplandecente, espalhando seus raios por toda parte... Não era montagem. Busquei o recanto do postal. Não o encontrei, mas tirei uma foto mais ou menos no mesmo ângulo, para levar de recordação. Não sei explicar por que a lua alta, em Amsterdã, pode ser tão grande e bela a tão altas horas da noite. Sorte a minha estar lá na lua cheia. Noite suave e branda... e incrivelmente branca.

Saí de Amsterdã com a sensação de que voltaria. E voltarei, estou quase certa disso. E não mais só pela beleza e delicadeza da cidade, mas porque, hoje, tenho lá uma querida amiga brasileira, dessas que acham um holandês, com ele se casam e tem três filhinhos adoráveis. Voltarei. Quero vê-la para matar as saudades, para conhecer seus filhotes, pois seu marido eu já conheço e, com certeza, para vê-la falando holandês e provar a mim mesma que é possível aprender aquela língua depois de adulta e conseguir se fazer entender. De brinde, mato saudades da cidade também.
Dank u well, Amsterdã. Guardo você em meu coração.

3 comentários:

Celina disse...

eulália querida,
Há muito nos esbarramos no blog da Patricia, mas só depois que ela me disse que você tinha um é que, num click te encontrei; amo Amsterdam! foi lá que decidi ser uma viajante iveterada e morar onde estão meus sapatos. vamos trocar aventuras... ai vai meu blog

http://maladerodinhaenecessaire.wordpress.com/

pblower disse...

Este texto eu já conhecia , mas no blog ficou ainda mais gostoso.
mil beijocas
pat

Tomate disse...

Entrei aqui por acaso...

Voltei recentemente de Amsterdam e o que mais me chamou a atenção foram a beleza e os sons da cidade e a forma rápida, organizada e tolerante com que os holandeses se locomovem.

Amsterdam é muito mais que as drogas e a Red Light District. É um lugar para ser olhado, passeado, curtido. Não há estresse e as pessoas são belíssimas.

Foi o lugar onde pude dar um "reset" na vida tumultuada que estava vivendo e "sentir" o movimento da cidade.

Amsterdam... Sons e movimentos.