domingo, 18 de abril de 2010

NO DAR PAPAYA


“No se puede dar papaya”. Foi com esta frase que o taxista colombiano me alertou, tão logo cheguei a Bogotá, referindo-se à necessidade de não andar pela cidade com jóias, máquina fotográfica à mostra, etc. Sorri: queria ensinar os cuidados de como andar por uma cidade grande. Logo a quem!... a uma carioca não da gema, mas de coração. Por extensão, a expressão significa ao que, por aqui, designamos “não dar mole”.

Pois bem, obedecendo aos costumes, não dei “papaya”, buscando estar atenta a possíveis perigos ou tipos estranhos que pudessem se aproximar. Mas nada vi em Bogotá, diga-se, durante o dia, que me pusesse em risco como turista. Muito pelo contrário!!! Me senti muito mais em risco pelos dezoito mil pesos que o motorista me cobrou para chegar ao centro cultural da cidade do que pelos nove mil pesos que outro taxista me cobrou para voltar. Eu é que dei “mole”... ops... “papaya” pagando, sem o saber, pelo requintado “cuidado” daquele senhor. Acho que acrescentou os nove mil para ensinar-me a tal expressão popular. Muito caro. Mesmo para uma lingüista.

Tão logo cheguei ao hotel, no entanto, mesmo antes dessa pequena aventura, já havia passado por outra, tomando a minha primeira providência na cidade, obedecendo confiantemente a uma recomendação de um grande amigo que já tinha estado na cidade:

- Tão logo chegue, informe-se sobre o chá de coca, pois a cidade fica a mais de dois mil e quinhentos metros de altitude e você corre o risco de sentir muita diferença atmosférica. Tonturas, dor de cabeça, falta de ar poderão atrapalhar você nos primeiros dias. Tome um logo que chegar e poderá se sentir a postos para estar bem desde o início.

Claro, obediente como sou a estas recomendações, fui direto ao assunto. Mas, não, não havia chá de coca no hotel. Tampouco por ali. Um supermercado não soube me informar nada a respeito, nem outras “tiendas” (lojas) , pelas cercanias. Eu sentia um leve torpor e, cuidadosa, andei devagar sempre, principalmente no primeiro dia. Mas, na verdade, felizmente, não passou disso. Como tinha chegado na sexta à tarde, queria logo me desvencilhar dos cuidados com a saúde. Começaria um curso no domingo e queria estar bem para andar à solta, no dia seguinte, aproveitando a oportunidade para conhecer um pouco a cidade. Mas nada achei. Ao invés disso, as pessoas me olhavam com uma cara meio prá lá de esquisita. Lembrei-me de meu amigo e de sua maneira brincalhona de ser. Acho que me pregou uma peça, pensei, me fazendo andar por ali, pagando o mico de pedir um chá de coca!!! E eu caí!!! Voltei para casa, digo, hotel, com a piada na cabeça. “Dei papaia” logo para quem! Para um brasileiro!

Esqueci o chá de coca e tratei de comprar umas frutas e outros pequenos alimentos para ter no quarto. Com minha sensibilidade alimentar, sempre faço isso em minhas viagens e queria preparar-me para uma excelente estadia durante a semana que se seguiria. Foi só o que fiz. Não iria me aventurar a passeios mais longos, naquele dia. Tinha chegado às 16 horas e não estava em Bogotá a passeio. Conhecer alguma coisa da cidade seria um brinde. Deixaria para o dia seguinte. Minha meta era participar de um grande seminário de Reiki com Tadao Sensei e Arjava Sensei, na minha concepção, os melhores mestres de Reiki do mundo. Frank Arjava Petter é meu mestre desde 2004 e Tadao Sensei o mestre de meu mestre. Você pode imaginar, portanto, o que estava a minha espera: um curso dado pelos dois, sendo que Tadao vinha pela primeira vez à América Latina. Imperdível. E foi mesmo imperdível: a vida me “regalou” com o melhor curso de Reiki que já fiz em minha vida!

Assim, cuidadosa para estar bem desde o início, cheguei com uma de minhas melhores amigas brasileiras, Carmen, uma irmã de alma, que mora em Porto Alegre e que se dispôs, como eu, a esta grande empreitada de vida. Minha querida irmã se fechou em seu quarto e de lá não saiu na sexta. A altitude a pegou muito mais que a mim e seria bom que repousasse. Aliás, ela também tinha recebido a tal recomendação sobre o chá de coca... Pelo resto do dia, fiz o mesmo, depois de minha tímida saída pelos arredores, em busca de suprimentos. Me sentia um pouco mareada, mas era só. Por via das dúvidas, melhor desarrumar a mala, organizar as coisas no quarto, sentir-me em casa e sonhar com o curso. Veria o que fazer no dia seguinte. Quem sabe, cautelosa, dependendo de como me sentisse, conseguiria ver, em alguma loja mais alternativa no centro da cidade, se o tal chá de coca era ou não uma “broma” (piada) desse meu querido, mas travesso amigo brasileiro. Se bem o conheço...

No sábado, me sentia bem e me arrisquei para o que diziam ser o melhor de Bogotá: o tour a pé tinha de começar pela parte velha da cidade. Era a indicação de meu amigo brasileiro (o tal do chá de coca), confirmada pelo centro de informações do hotel e também pelos folhetos turísticos. Ótimo! Não sou de fazer compras, não me interessavam os shoppings. Eu queria ver a cidade, levar suas impressões em minhas retinas, sentir os seus sons, sorver o ar em meus pulmões – rarefeito pela altitude, mas cheio de novas impressões para esta alma brasileira. Me soltei, assim, desde cedo, em busca de aventura. Bairro da Candelaria, centro histórico da cidade, local onde teria sido fundada. Impossível não começar pela praça de Simon Bolivar, este homem que tomou como missão de vida fazer a independência das colônias espanholas, por onde quer que passasse por esse mundo dos meus deuses. Há de se encher a boca para falar desse herói, quer você esteja na Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e sei lá mais em que países da América do Sul. Minha amiga Patrícia, que mora em Caracas e conhece toda sua extensa biografia, teria muito a nos contar sobre ele... mas do que eu já sabia das lições que ela já havia me dado foi o suficiente para começar meu tour fazendo as honras a este desbravador das terras antes espanholas.

Chegada ao centro, uma visão surpreendente: uma praça enorme, bem ao estilo espanhol, como não poderia deixar de ser. De um lado, a velha catedral, de outro, o atual prédio do Congresso da República. Mas... o que estaria incrustado nas paredes desse prédio? Seriam formigas? Sim, um monte de formigas gigantescas, grudadas em suas paredes. O que significariam? Por ali, não tive como tomar informações. À noite, corri à internet, esta maravilhosa varinha mágica para respostas desse tipo e descobri ter sido obra do artista Rafael Gomezbarros. O nome da obra é “Casa Tomada”. Então, lendo a descrição e críticas sobre a obra, descobri que são mil e trezentas formigas em fibra de vidro, cada uma de 95 cm de comprimento. Suas cabeças e corpo tiveram como molde um crânio humano e tem essa cor de terra escura, pois o artista as cobriu com a terra de Chocó, de El Cerrejón, que foi uma conhecida mina de carvão da região de La Guajira. Assim, a idéia é remeter à representação especial que, segundo o artista, seria uma metáfora ao “desplazamiento forzado” (são chamados “desplazadas”, as pessoas que, sob violência, foram expulsas de suas terras nos campos, por grupos não controlados). Representava, também, tudo de bom que são os colombianos, como trabalhadores que buscam uma forma de viver melhor. As formigas se espalham pelas paredes do Congresso como se o estivessem invadindo e dão um impressionante impacto a quem chega à praça. Assim, pelo que pude ler, a obra pretende levar a uma consciência social, a uma reflexão sobre o cotidiano do povo, chamando nossa atenção para os fenômenos sociais ante os quais não devemos ficar impassíveis. O projeto, reconhecido como um “liberador de consciências” viajará para a Argentina, México, Chile, Estados Unidos, Canadá, Alemanha e Espanha. Segundo as críticas, um espetáculo “provocador, embora inofensivo”.

Esta foi, portanto, minha primeira impressão sobre a cidade. Antevi uma forma especial de ser apresentada a ela, uma forma impressionante, que, no entanto, longe de tirar o encantamento pelo resto da manhã, me fez pensar, naquele momento, em muitos de nossos também iguais problemas sociais. Países irmãos.

Mas voltemos ao passeio, que se tornou suave e pleno a partir de então. Seguiu-se uma maravilhosa visita ao Museu Del Oro, onde se concentram obras interessantes de xamãs colombianos de outras épocas, povos originários de regiões antes desconhecidas, enfim, das origens do país. O museu, muito bem montado, exibe obras de artesanato em ouro realmente magníficas.

Não pude deixar de visitar, também, o Museu de Fernando Botero, logo adiante, embora não esteja entre meus pintores prediletos. Mas como ir a Bogotá e não prestar honras a seu mais renomado pintor? A visita, embora rápida, me brindou com um ambiente magnífico de seus jardins internos, acolhedores e aprazíveis.

Passeei, enfim, pelas ruas em torno que apresentaram uma Bogotá primitiva, com suas casas coloniais. Buscava, sem o saber, alguma aventura. Deparei-me, então, com uma farmácia homeopática. Sorri. Pensei comigo que, se existisse o tal chá de coca, seria uma chance de meu amigo brasileiro não receber uma boa bronca em minha volta, pelo vexame que passara até então. Entrei e pedi o tal chá. A farmacêutica também sorriu. Pela primeira vez, me senti em casa. Foi quando me explicou que o governo atual havia proibido a distribuição desse chá, antes liberado para que uma colônia de indígenas o fornecessem à cidade, visando aos turistas. Perguntei por que e ela me disse que teria sido apenas por uma questão de falta de licença de fabricação. Dificilmente eu o encontraria agora, em alguma “tienda” da cidade. Ofereceu-me, então, uma medicação homeopática que comprei imediatamente, pensando em minha amiga brasileira que não conseguia afastar-se do hotel por conta de seu mal-estar com a altitude. E voltei, toda feliz, com um vidrinho de “Soroche”, uma planta da região, manipulada homeopaticamente. Mais do que isso, reconheci a boa vontade de meu querido amigo brasileiro, desculpado desde então. Felizmente, Carmen já estava melhor e preferiu não se arriscar com o medicamento. Fiquei mais tranquila e guardei o medicamento para uma possível emergência.

Falar sobre os dias seguintes, seria descrever o melhor curso de Reiki que já fiz em minha vida. O curso me trouxe um conhecimento mais profundo das raízes do Reiki, arte terapêutica a que venho me dedicando desde 1997 e que chegou ao clímax agora, depois de ter-me aposentado desde 2003, para dedicar-me inteiramente a ela. No final do curso, recebi um certificado especial, sob a forma de pergaminho (em seda e papel de arroz, com quase dois metros de comprimento) que deverá fazer parte de meu consultório de hoje em diante. Foi uma opção minha encomendá-lo desde agora, já que apenas no próximo nível de curso ele se tornará obrigatório aos alunos. Ansiosa por ter esta jóia, no entanto, eu o encomendara desde já e o receberia no último dia.
Você pode imaginar, portanto, a emoção desta viagem e dos dias que se sucederam. Mas trazer este documento para o Brasil, foi um espetáculo à parte, com um sério problema alfandegário, que me custou momentos dramáticos, que contarei mais adiante.

Por ora, quero dizer o quanto Bogotá representou como cidade, com seus cidadãos tão gentis que me lembravam a todo instante o jeito e o sorriso cariocas nesse povo irmão. Onde quer que fosse, a gentileza e a delicadeza brindaram este coração em festa, nessa semana maravilhosa. Saí de lá, levando a amizade do vendedor de frutas, do padeiro, dos funcionários do hotel, de meus colegas de curso, enfim, da alma colombiana tão parecida com a nossa!

Destaco, no entanto, que receber, no último dia, o tal pergaminho, me deixou totalmente emocionada, já que estou estudando por estes caminhos há tantos anos. E logo no dia seguinte à noite, começamos nosso árduo caminho de volta, minha amiga brasileira e eu. Por esta vez, apenas eu trazia o pergaminho, esperando que ela o queira receber da próxima vez, quer por opção, quer por trilhar os caminhos do grau superior.

Após tantas aventuras, com tantas novidades, passei a pensar na publicação desse conto, incentivada mais ainda pelas passagens que marcaram nosso retorno, a partir mesmo do aeroporto. Aí, então, começa o capítulo dos sustos. Como já lhe disse em contos anteriores, tenho um anjo que me oferece certos tipos de aventuras, cheias de sensações fortes e experiências especiais. Você que leu meu “Golpe de Mestre” já se familiarizou com isso. E, certamente, ele se fez presente, mais uma vez.

Chegamos ao aeroporto em cima da hora, graças a uma colombiana que, embora muito gentil e nos tenha levado para almoçar neste último dia, parecia nunca ter viajado. Perto das 17 horas, só conseguíamos pensar em nos dirigirmos ao aeroporto. Estávamos bem longe, era sexta-feira e queríamos evitar “el trancon” (o engarrafamento) próprio do final do dia, principalmente, numa sexta-feira. Mas prefiro pular o desespero que se seguiu para conseguirmos chegar ao aeroporto às dezenove e quinze.

Feitos os procedimentos necessários, nos dirigimos à sala de embarque. Eu estava cansadíssima e não queria outra coisa senão sentar-me para a pequena espera do vôo iminente. Eu e o pergaminho que trazia agarrado ao meu colo. Claro que estava fora de questão despachá-lo. Ele viria comigo, após tantos anos de espera por recebê-lo. Para o tipo de curso que fiz e repeti tantas vezes, recebê-lo, finalmente, neste ano, foi uma honra e o trazia ao colo como a um bebê.

Ao ouvir meu nome, meu coração pulsou. O que seria? Algum problema com a documentação? Minha amiga brasileira também assustou-se um pouco. Tentei tranqüilizá-la (e a mim mesma) com meu sorriso e me apresentei no balcão da sala de embarque. A comissária, com semblante sério me informou:

- A polícia federal quer revistar sua bagagem.

- Qual delas, perguntei, já que tinha despachado a mala e tinha, além da mala de mão, apenas o tal pergaminho, super cuidadosamente embalado.

- Sua mala despachada.

Pensei rápido e concluí aliviada:

- Ah, tudo bem, já sei do que se trata.

O que se tratava era, com certeza, de uma panela de metal, elétrica, com que sempre viajo para emergências nos hotéis. Com ela faço meus chás noturnos ou alguma sopinha extra para meu delicado aparelho digestivo. Estava resolvido o problema e, pela minha expressão de segurança e tranqüilidade, vi que a comissária não conseguiu manter sua rudeza inicial. Voltei à cadeira, expliquei o problema a minha companheira de viagem. Ofereceu-se para ficar com minha bagagem de mão e meu pergaminho, enquanto eu me dirigia à vistoria. Tentei brincar com ela e apenas disse:

- Fique despreocupada. Se eu for presa, levarei o pergaminho comigo. Não sei se foi impressão, mas ela me pareceu um pouco preocupada, mas acho que meu sorriso de confiança, já que estava certa do que se tratava, acabou por tranqüilizá-la. E, ali, tramado, talvez, pelo meu anjo aventureiro, estava delineado o início de minha aventura da volta.

Fui levada, corredor afora, sob os olhares curiosos dos demais passageiros, que não sabiam o que estava acontecendo com aquela passageira acompanhada pela representante portuária. Seria eu uma terrorista? Com essa cara inofensiva? Nunca se sabe. Fantasiei assim minha mente com essa conjectura. Sei que aventuras percorrem os dias de minha vida e lá estava eu, mais uma vez.

A polícia colombiana é extremamente formal, mas respeitosa. Ou terão sido meus cabelos grisalhos, meu semblante calmo e risonho de quem não deveria matar uma formiga? Nunca saberei.

O oficial me esperava numa espécie de corredor, que fica entre a sala de espera ao avião e o setor de embarque das bagagens. Me deparei com ele apenas acompanhada pela tal representante portuária. Estávamos, então, os quatro: ele, eu, a representante feminina e a mala suspeita. Não pude conter o sorriso diante do cerimonial. Eu poderia ser liberada ou presa e parece que apenas eu sabia que seria, incontestavelmente, liberada, pois nada havia ali de suspeito, com certeza. O problema seria me sair da situação da melhor forma possível, sem muito constrangimento. E a melhor forma que encontrei foi estar solícita, destrancar o cadeado e eu mesma colocar tudo que fora cuidadosamente arrumado de manhã, mala afora, pelo chão do recinto, já que não havia mesa ali. Foi o que fiz, dizendo a ele, antes, que eu suspeitava do que se tratava. Tão logo abri a mala, mostrei-lhe a tal panela. Sim, não era outra coisa. Mas ele continuava sério demais para o meu gosto e eu queria me livrar da situação de tensão. Continuei tirando as coisas da mala e as espalhando, convidando-o a perceber que eu estava completamente aberta à vistoria que, realmente, foi totalmente minuciosa. Vi cada ponto da mala ser revistado, inclusive remédios pessoais que estavam cuidadosamente embalados. Não sabia o que dizer, nesse ambiente de formalidade e semi-cordialidade, até que tive a idéia de agradecer-lhe pelo cuidado da vistoria. Foi então que ele parou e me perguntou por quê. Felizmente, tenho espanhol suficiente para ser entendida nestes momentos e respondi-lhe:

- Ora, se o senhor está tão cuidadoso com uma mala como a minha, posso viajar muito tranqüila, pois vejo que a segurança colombiana mostra-se muito atenta a qualquer possibilidade de colocar-nos em risco. Longe de estar aborrecida, só poderia agradecer-lhe.


Senti que o desarmara. Pela primeira vez, ele sorriu e retrucou:

- É a primeira vez que vejo um passageiro agradecer-nos por ser importunado.

Senti que o conquistara. Estava ganha a situação:

- Pois todos deveriam se mostrar agradecidos por esse tipo de iniciativa.

Dali por diante, mudou-se o rumo da prosa e, embora a vistoria continuasse, ele começou a perguntar sobre o material que estava encontrando em minha bagagem, ou seja, CDs e livros sobre Reiki e outros materiais sobre o curso. Acabamos nosso papo com informações sobre esta técnica maravilhosa de cura e ele acabou por mostrar-se interessado por conhecê-la melhor, já que estava se sentindo muito estressado. No final, estávamos íntimos e ainda brinquei com ele:

- Você pode me fazer um favor?

- Sim, claro!

- Tome conta para que esta mala não se extravie e chegue ao meu país em paz.

- Pode ficar tranqüila,
me respondeu ele, eu cuidarei disso pessoalmente.

Sorrimos e nos despedimos. E mais: com este final feliz, acabei por ter o privilégio de vê-lo me ajudando a refazer a minha mala e, o melhor, a me conduzir diretamente para o avião. Assim, quando minha amiga entrou no avião, eu já estava confortavelmente alocada, como primeira passageira a ter tomado meu lugar, antes de o vôo ser liberado para os demais.

A primeira fase do susto, tinha sido, então, ultrapassada. Mal sabia eu que o pior ainda estava por acontecer!

A viagem de volta foi cansativa, num vôo noturno de cinco horas e meia, com duas interrupções para o lanche noturno e o café da manhã. Quem conseguiria dormir com um barulho desses? A chegada a São Paulo ainda me aguardava com uma conexão para o Rio. E, ufa, uma conexão rápida que não me deixava intervalo sequer para muito espaço de tempo. Seria pegar a bagagem, correr para o novo check in e me dirigir, às pressas, ao salão do novo embarque. Para mim, no entanto, seria apenas a última etapa e nada mais poderia ocorrer.

Me despedi satisfeita, mas já um pouco saudosa de minha querida amiga, que mora em Porto Alegre. Mal consegui despachar a mala, fui correndo para a sala de embarque. Foi aí que vivi o verdadeiro susto da viagem. Ao passar minha bagagem de mão pela esteira de inspeção, eles cismaram com o meu Gokai (o tal embrulho do pergaminho), porque ele vem embalado numa caixa de madeira e, segundo eles, madeira não pode acompanhar o passageiro. Não poderia passar de jeito nenhum. Que eu voltasse ao salão de embarque e o despachasse como bagagem. Para evitar maiores confusões, apenas comecei explicando que se tratava de uma espécie de certificado, que era japonês, feito em seda e papel de arroz, muito delicado e que teria de levá-lo comigo. A madeira era balsa e quebraria ao mínimo choque. Tinha vindo com ele em meu colo desde Bogotá e não tinha havido problema algum de embarque naquele país. De nada adiantou. Dali não passaria, teria de ir no bagageiro. Comecei a ter um treco por dentro. O que faria? O documento é super frágil e delicado, não poderia ser despachado e ademais de ter-me custado caríssimo, como ocorre com qualquer arte japonesa feita totalmente à mão, qualquer pequeno tranco colocaria em perigo sua integridade. Teria de defendê-lo a ferro e fogo. Aquilo não iria para o bagageiro nem que tivesse de dar uma de doida naquele momento. Mas parecia não ter jeito. Chamaram outro fiscal que me exigiu o mesmo. Então, tive mesmo de apelar. Meu coração estava em estado de alerta. Parecia que eu tinha mesmo de ter um treco explícito ali e respondi:

- Despachar isso? Nem pensar, isso vai comigo ou eu não vou. Estou disposta a ser revistada ou seja o que for, mas isso não vai no bagageiro de jeito nenhum!

- Mas madeira não passa minha senhora.

- Esta madeira é balsa e quebra ao mínimo toque. Ela apenas está protegendo um certificado dado pelo meu mestre japonês Tadao Sensei, após quatro anos de espera por sua primeira vinda à América Latina. Eu sinto muito, mas não posso me separar dele. Isto vai no meu colo ou teremos de arranjar uma alternativa parecida. Não vou me separar dele. No bagageiro ele não vai.


Na minha cabeça, não haveria mesmo outra alternativa. Eu estava disposta a desistir do vôo para vir de ônibus, pois colocá-lo no bagageiro significaria correr o risco quase certo de vê-lo danificado. Imagine você! Uma espécie de “pergaminho” escrito em papel de arroz, protegido por uma tela de seda, escrito em kanji japonês, guardado em uma caixa delicadíssima de madeira tipo balsa, por sua vez guardada em uma outra caixa de presente, em material delicadíssimo e de finíssima estrutura, bem ao estilo japonês. E eles queriam que eu colocasse essa jóia no bagageiro! Nem pensar! Voltaria de ônibus, se não tivesse outra alternativa. Mas, antes, iria criar uma confusão ali mesmo, é claro, tentando defender meus direitos.

Quiseram abrir a caixa. Estava disposta a fazê-lo, mas exigi uma sala especial, explicando que o documento media quase dois metros de comprimento por sessenta de largura e, efetivamente, não iria espalhá-lo pelo chão nem por um decreto. Além de perigoso, seria um desrespeito ao que significava para mim. Eu acho que parecia bem disposta a enfrentar qualquer autoridade. E parecia, pelo menos por fora, demonstrar uma confiança que, por dentro, estava longe de sentir. A única coisa que pensei no momento foi que, por uma coisa dessas, não poderiam me prender, mas que eu estava bem enrascada, isso eu senti que estava sim!

O impasse estava criado. Por via das dúvidas, eu segurava meu Gokai como quem segura um tesouro, enquanto lhes dirigia a palavra, mostrando a intenção de que não me arrancariam a prenda das mãos, digo, braços. Todos se entreolhavam, impondo autoridade. Eu tentava ignorar a importância que queriam dar a essa autoridade, exigindo um oficial superior. Dali não arredaria pé. Mas por dentro já estava disposta a desistir do vôo que, por sinal, piscava o embarque imediato no telão em frente, incluindo minha mala já no bagageiro. Que boa enrascada!

Não teve jeito. Chamaram o oficial superior. Pedi proteção a todos os deuses olímpicos. Não me esqueci, é claro, do meu anjo aventureiro. Seria minha última chance. Surgiu uma mulher. Uma oficial superior e, embora séria e compenetrada, segura de seu posto, estava mais accessível e aberta a diálogo. Expliquei novamente que viera de Bogotá com o certificado no colo e desfiei a ladainha do que significava.

- É... mas madeira não pode passar. Posso ver o material?

- Não deve, mas pode,
expliquei novamente, semi tendo o tal treco explícito.

Ela insistiu que deveria ser levado no bagageiro.

- Nem pensar,
insisti. Levei quatro anos para consegui-lo. Se ele não vai passar, vou ter de desistir da viagem e ir de ônibus para o Rio, pois ele tem de ir comigo. No bagageiro ele não vai.

Ela notou que eu falava mesmo para valer e parece que percebeu a seriedade da coisa. De repente, por dentro, fiquei tranqüila. Já tinha feito o pior trecho da viagem e depois de tudo que já tinha passado, não iria deixar barato, não podia “dar mole”. Eles que decidissem. Eu não me separaria do meu Gokai. Danem-se, viajo de ônibus. Por dentro, com a decisão tomada, consegui mostrar-me mais calma e decidida. E pode ser que isso tenha sido definitivo para a decisão final.

- Pesa? perguntou-me a fiscal. Não sei exatamente o que significava a pergunta... talvez uma madeira que pudesse ser um arma, durante o vôo.

- Não, pode pegar. Não deveria abrir, mas o farei, se for necessário. Mas pegar o pacote, você pode.

- Foi dado por quem mesmo?


- Por meu mestre japonês Tadao Sensei. Esperei por recebê-lo por quatro longos anos. Falei tentando emitir o tom solene que a situação exigia. Não sei se consegui. Também tentei sorrir. Acho que não consegui. De qualquer forma, foi uma frase de impacto. Até porque eles viram que eu não iria mesmo arredar pé da decisão. E o vôo estava de saída, pelo menos na tela que mostra os embarques.

Ela pegou o embrulho e avaliou o peso. Olhou para seus companheiros e finalmente decidiu:

- Pode embarcar.

Toda a cerimônia não deve ter levado mais de dez minutos, mas para mim, dez longuíssimos e intermináveis minutos...

Não me lembro se agradeci. Acho que sim. Saí correndo pelos corredores de Guarulhos, rumo ao portão 26 que, como alguns sabem, é o último, no final daquele infindável corredor. Depois de uma viagem de noite inteira e depois de duas inspeções federais, tinha passado por uma overdose de emoções. Meu coração deve estar muito bom mesmo. Em excelente forma!

Cheguei ao portão 26 com a língua de fora. Olhei em volta. O avião já estava estacionando para o vôo de conexão. Tanta correria, mas, felizmente, o embarque não tinha começado. Mas para quem estava viajando desde a véspera, esta última espera, depois de tantas intempéries, virou um recreio.

Depois de tanta correria, esperei por quarenta minutos pela hora de embarque, tempo suficiente para eu me sentar e fazer uma rápida retrospectiva de tudo que tinha passado, desde minha chegada a Bogotá até a volta ao Brasil.

Sorri. Numa conclusão simples pensei no que diria a um amigo ou a amiga que tivesse de passar pelas mesmas situações:

- Para a altitude, tome vinte gotas de Soroche, três vezes ao dia, nos primeiros dois dias; para as intempéries que possam acontecer durante a viagem, seja forte, “no puedes dar papaya!”

3 comentários:

pblower disse...

Fotos super bonitas e texto de arrepiar. Mas amiga... pedir chá de coca na Colombia é coisa de biruta!!!!

beijocas

nrtaddei disse...

Que delícia que deve ser ter, por fim, e depois de tantas aventuras e percalços, o seu
Gokai, finalmente, em mãos!
Que máximo que vc fez o curso com o Tadao!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
E de quebra ainda conheceu Bogotá!
Um barato a foto da instalação das formigas. Super simbólico!
Um beijo

Anônimo disse...

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