A natureza é sábia.
E, se soubermos ser
sábios com ela, podemos ler suas medidas e usufruir de seus presentes.
Um bebê não conhece o
medo até o momento que começa a engatinhar. Antes, como não se locomove, não
tem tanta noção do perigo. Quando ele tem três meses, por exemplo, temos de
tomar muito cuidado ao trocarmos suas fraldas em cima de uma mesa: o risco de
ele rolar e cair no chão é evidente. Ele não sabe do perigo. Ainda não o
conhece.
Ao engatinhar, ele já
muda de atitude: titubeia quando chega
ao topo de uma escada...
Estudiosa do
desenvolvimento linguístico e cognitivo por quase toda a minha vida
profissional, este sempre foi um ponto que me chamou a atenção: o conhecimento
instintivo de nossas limitações, principalmente, físicas, mas não só essas.
Refiro-me, é claro, ao
desenvolvimento que segue suas etapas normalmente. Evidente que há exceções.
Hoje peguei uma escada
para alcançar um livro na estante. Quando desci com o livro, me lembrei que há
anos atrás, eu jamais pegaria uma escada. Com meu peso leve, subia da cadeira
para a mesa, de lá diretamente para a estante e, dali, galgava agarrando-me
diretamente às prateleiras até a altura do livro. Depois, era só descer de
volta, como um primata natural. Somos primatas, não somos? Na origem.
Lembro-me de uma vez em
que fiz isso para pegar um livro para uma de minhas alunas que veio estudar
aqui em casa. E o fiz tão naturalmente quanto o fazia cotidianamente. Ao descer, ao me deparar com o olhar arregalado da
aluna, logo percebi que, diante da imagem de "professor" que eu
carregava, isso não fazia nenhum sentido. Para ela, me ver galgar uma estante
com a mesma facilidade, naturalidade e simplicidade com que, outrora tanto eu
quanto, provavelmente, ela galgávamos obstáculos nos folguedos da infância era
fazer desmoronar a imagem da estaticidade acadêmica. Ri muito por dentro,
quando entreguei o livro e fingi naturalidade ao responder ao seu olhar
surpreso:
-
Ué, sou gente como qualquer um.
-
Eu jamais poderia imaginar você fazendo isso! Não combina!
Naquele dia, talvez, eu
tenha, finalmente, me tornado um ser humano comum a seus olhos. E, talvez,
tenha passado a combinar. Gosto de me lembrar disso.
Hoje não faço mais essas
coisas. Aliás, para ser realmente sincera, não faço... muito...
De modo geral, tenho
usado o bom senso do limite da idade. Não que não consiga, pois sei que meu
corpo vai. Mas há a cautela da sabedoria do limite. Sei que, embora saudável,
não tenho o mesmo equilíbrio e a mesma agilidade dos trinta anos.
A natureza nos conta,
passo a passo, como devemos agir ou não. Ela nos aponta, com sabedoria e cheia
de cuidados...
E, quando nos
excedemos, é como se ela mesma dissesse, nas consequências que sentimos:
-
Eu avisei.
Sabiamente ela nos
brinda com o saber, no decorrer da vida. E isto é um presente que só percebemos
com o correr dos anos.
Tenho, no entanto, muitos
clientes que se queixam de que "a idade
está chegando"...
Paro para pensar nessa
expressão de linguagem. Insisto, como linguista, que ela não faz sentido algum!A idade nunca chega! Ela
nunca chegou. É uma expressão pessimista e sem sentido. Para quem sabe ler bem
o livro da vida, ela já está aí, sempre esteve, desde que nascemos, nos
acompanhando e nos presenteando com uma mutação permanente e saudável, transformando fragilidade e dependência em
força e autonomia, força e autonomia em conhecimento, conhecimento em
experiência, experiência em sabedoria.
Nós é que, talvez, não
saibamos brindar as vantagens de cada etapa e preferimos ver o que, com olhos
materiais e superficiais, pensamos estar "perdendo"...
O ponto máximo de nós é
o que nós sempre criamos, cuidamos e nos
tornamos a cada momento, a cada etapa da vida. Mas é difícil para muitos
entender que esse ponto máximo é sempre onde estamos, não onde estivemos, nem
onde estaremos.
Sob outro ponto de
vista, poderíamos dizer que o ponto máximo é alcançar a paz interior, até que,
plenos dela, nada mais nos falte. Não é a idade, portanto, mas o que ela nos
traz como brinde.
Poderíamos designar,
também, como ponto máximo, a consciência de ter vivido bem. E isso não significa,
obrigatoriamente, ter vivido feliz. Significa ter aprendido a viver e, em cada
momento, a seu tempo, ter trazido, para dentro de si, o saber aproveitar o melhor de cada presente.
Desta forma, a idade
torna-se apenas uma referência no tempo e nada mais.
2 comentários:
Mas que lindeza de conto! Parabéns, parabéns, parabéns. E vamos nós caminhando juntas. Beijos!
Com uma amizade como essa vale mesmo muito a pena! :)
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