domingo, 17 de maio de 2015

IDADE


A natureza é sábia.

E, se soubermos ser sábios com ela, podemos ler suas medidas e usufruir de seus presentes.

Um bebê não conhece o medo até o momento que começa a engatinhar. Antes, como não se locomove, não tem tanta noção do perigo. Quando ele tem três meses, por exemplo, temos de tomar muito cuidado ao trocarmos suas fraldas em cima de uma mesa: o risco de ele rolar e cair no chão é evidente. Ele não sabe do perigo. Ainda não o conhece.

Ao engatinhar, ele já muda de atitude:  titubeia quando chega ao topo de uma escada...

Estudiosa do desenvolvimento linguístico e cognitivo por quase toda a minha vida profissional, este sempre foi um ponto que me chamou a atenção: o conhecimento instintivo de nossas limitações, principalmente, físicas, mas não só essas.

Refiro-me, é claro, ao desenvolvimento que segue suas etapas normalmente. Evidente que há exceções.

Hoje peguei uma escada para alcançar um livro na estante. Quando desci com o livro, me lembrei que há anos atrás, eu jamais pegaria uma escada. Com meu peso leve, subia da cadeira para a mesa, de lá diretamente para a estante e, dali, galgava agarrando-me diretamente às prateleiras até a altura do livro. Depois, era só descer de volta, como um primata natural. Somos primatas, não somos? Na origem.

Lembro-me de uma vez em que fiz isso para pegar um livro para uma de minhas alunas que veio estudar aqui em casa. E o fiz tão naturalmente quanto o fazia cotidianamente. Ao descer,  ao me deparar com o olhar arregalado da aluna, logo percebi que, diante da imagem de "professor" que eu carregava, isso não fazia nenhum sentido. Para ela, me ver galgar uma estante com a mesma facilidade, naturalidade e simplicidade com que, outrora tanto eu quanto, provavelmente, ela galgávamos obstáculos nos folguedos da infância era fazer desmoronar a imagem da estaticidade acadêmica. Ri muito por dentro, quando entreguei o livro e fingi naturalidade ao responder ao seu olhar surpreso:

- Ué, sou gente como qualquer um.

- Eu jamais poderia imaginar você fazendo isso! Não combina!

Naquele dia, talvez, eu tenha, finalmente, me tornado um ser humano comum a seus olhos. E, talvez, tenha passado a combinar. Gosto de me lembrar disso.

Hoje não faço mais essas coisas. Aliás, para ser realmente sincera, não faço... muito...

De modo geral, tenho usado o bom senso do limite da idade. Não que não consiga, pois sei que meu corpo vai. Mas há a cautela da sabedoria do limite. Sei que, embora saudável, não tenho o mesmo equilíbrio e a mesma agilidade dos trinta anos.

A natureza nos conta, passo a passo, como devemos agir ou não. Ela nos aponta, com sabedoria e cheia de cuidados...

E, quando nos excedemos, é como se ela mesma dissesse, nas consequências que sentimos:

- Eu avisei.

Sabiamente ela nos brinda com o saber, no decorrer da vida. E isto é um presente que só percebemos com o correr dos anos.

Tenho, no entanto, muitos clientes que se queixam de que "a idade está chegando"...

Paro para pensar nessa expressão de linguagem. Insisto, como linguista, que ela não faz sentido algum!A idade nunca chega! Ela nunca chegou. É uma expressão pessimista e sem sentido. Para quem sabe ler bem o livro da vida, ela já está aí, sempre esteve, desde que nascemos, nos acompanhando e nos presenteando com uma mutação permanente e saudável,  transformando fragilidade e dependência em força e autonomia, força e autonomia em conhecimento, conhecimento em experiência, experiência em sabedoria.

Nós é que, talvez, não saibamos brindar as vantagens de cada etapa e preferimos ver o que, com olhos materiais e superficiais, pensamos estar "perdendo"...

O ponto máximo de nós é o que  nós sempre criamos, cuidamos e nos tornamos a cada momento, a cada etapa da vida. Mas é difícil para muitos entender que esse ponto máximo é sempre onde estamos, não onde estivemos, nem onde estaremos.

Sob outro ponto de vista, poderíamos dizer que o ponto máximo é alcançar a paz interior, até que, plenos dela, nada mais nos falte. Não é a idade, portanto, mas o que ela nos traz como brinde.

Poderíamos designar, também, como ponto máximo, a consciência de ter vivido bem. E isso não significa, obrigatoriamente, ter vivido feliz. Significa ter aprendido a viver e, em cada momento, a seu tempo, ter trazido, para dentro de si,  saber aproveitar o melhor de cada presente.

Desta forma, a idade torna-se apenas uma referência no tempo e nada mais.

2 comentários:

Dani Dias disse...

Mas que lindeza de conto! Parabéns, parabéns, parabéns. E vamos nós caminhando juntas. Beijos!

Eulalia disse...

Com uma amizade como essa vale mesmo muito a pena! :)