Dispensada da vistoria do carro, pois estou de carro novo, fui pegar os documentos de renovação de licenciamento anual direto num dos postos do Detran.
Diziam que eu levaria 10 minutinhos para fazer toda
a operação, depois de agendar pelo site. Diziam, mas, por via das dúvidas,
reservei toda a parte da manhã. Para quem está acostumada com burocracias... vai
que emperra?
Foi assim que desci na estação do metrô da General
Osório em Ipanema, em busca do posto que fica na Barão da Torre, 50. Entrei
distraída pela Jangadeiros e a memória da rua há tanto tempo esquecida, visitou
meus pensamentos. À direita, um pouco antes do posto, o número 42. Lembrei-me
imediatamente do número do apto, no primeiro andar. Lancei meus olhos nesta
direção. Cortinas brancas enfeitaram meus olhos. As janelas ficaram lindas,
vestidas de branco. Quem seriam os atuais moradores?
Passei boa parte da minha juventude frequentando
aquele prédio, subindo as escadas rumo ao primeiro andar. Imediatamente o cheiro
do bife à milanesa de minha ex-sogra invadiu minhas lembranças. O bife à
milanesa mais gostoso que já comi, só superado pelo do restaurante de Milão,
perto da praça da Catedral. Mas aí também é covardia: não dá para competir com
os donos da receita...
Bife à milanesa com purê de batatas. Senti o gosto e
a leveza quase imbatível, principalmente se dito por mim, que nem sou lá
chegada a comilanças. Lembrei-me de domingos de almoços e tardes preguiçosas.
Alcei os olhos para o penúltimo andar, onde morava o
médico da família, um dos maiores e inesquecíveis amores de minha vida.
Andei mais uns passos e as lembranças me fizeram reviver
o barulho desastrado dos engradados das garrafas de cerveja do depósito que
ficava quase em frente ao prédio. Um
barulho seguido dos gritos enfadonhos dos carregadores. O depósito não está
mais lá. A rua está calma e, na esquina, esconde-se um supermercado bem
comportado e limpo.
A saída da favela, hoje chamada comunidade, não
aparece mais ao lado do prédio, onde também existia um posto da CONLURB, que também
não está mais lá. Agora, a entrada para a pobreza se esconde num vão muito bem
disfarçado ao lado do magnífico prédio onde se instala a moderna entrada do
metrô que sustenta um edifício com salas administrativas da prefeitura, espaçosamente
bem distribuídas. Se não se presta muita atenção, passa bem despercebido o vão
que esconde uma ruela, que leva à antiga favela. Mas a entrada está lá e um olhar observador pode notar que,
por traz de tanta ostentação, nada mudou.
Lembro-me, até hoje, do susto que levei, adolescente
de 16 anos, entrando sozinha pela Teixeira de Melo e sofrendo uma ameaça de
assalto. Na época, era bem perigoso andar por ali... Olhei ao longo da rua e me
lembrei do encontro com o rapaz um pouco mais alto do que eu, canivete em
punho, ordenando que lhe passasse tudo. Sem refletir muito, quase que
instintivamente, apenas disse:
- Mas eu moro ali, no 42!
- Então passa, passa...
Sorri. Sempre há uma "ética" natural onde
quer que você vá. Os marginais do pedaço não assaltavam os moradores daquele
trecho... nunca mais me esqueci.
Entrei no prédio rumo ao segundo andar, onde se
instala um novo Detran e... dez minutos depois (!) estava com a nova carteira
na mão! Tinha dispensado uma manhã inteira por não acreditar na eficiência de
nossos serviços. Tenho de confessar: muitos deles estão ficando ótimos, apesar
de tudo...
Com o tempo ganho, em vez de pegar o metrô ali
mesmo, pois havia passagem direta do Detran para a estação, preferi voltar para
a General Osório e ver como estava o que ficara perdido num passado distante.
A Rua Teixeira de Melo continua igual. Com exceção
do tal supermercado bem comportado, a aparência da rua continua praticamente a
mesma. A loja de ferragens, a de material esportivo... como pode não ter
mudado quase nada depois de décadas?!
Na esquina com a rua principal, Visconde de Pirajá, o supermercadinho antigo continua
o mesmo. Lembro-me que Vinícius (o tal médico) o chamava de "pé
sujo". Olhei de fora, não tive vontade de entrar. Continua o mesmo
"pé sujo". Tentou dar um jeito, nota-se uma reforma, mas a alma continua
a mesma. Nada atraente. Em plena Ipanema, é de se lamentar.
A praça me entristeceu. Cercada por um gradil em
toda a volta, aprisionou igualmente o meu coração. Perdeu o charme, virou praça
comum. Na minha época, era toda aberta, agasalhando a Feira Hippie aos
domingos. Soube, depois que trocou de nome e agora se chama Feira de Artesanato.
Mas é certo que as pessoas da minha geração ainda devem continuar chamando de
Feira Hippie. Não quis atravessar a praça. As grades me incomodaram.
Era terça-feira. Sorri reconhecendo a feira ao ar
livre, que marca a sua presença semanal, como há tantos anos atrás.
Do outro lado da praça acabei por visitar o novo e
conhecido "supermercadão". Quer dizer... novo para mim... ele já é
falado há anos, por sua pizza impecável.
Eu gosto de pizza. Quem me conhece, sabe que gosto.
Aliás, sou bem exigente em pizzas. Não poderia deixar de provar essa. Afinal,
tão falada...
Que decepção! Continuo achando que, apesar de
carioca confessa, pizza tem de ser mesmo a paulista.
Retornei contornando a praça, em busca da estação do metrô. Já havia feito a minha tournée.
Retornei contornando a praça, em busca da estação do metrô. Já havia feito a minha tournée.
Ao subir a escadaria da estação, me virei para uma
boa olhada panorâmica pelos arredores... pelas lembranças... e tirei uma foto
descontraída, sem pensar que acabaria escrevendo um conto.
Saudades? Nenhumas. Apenas recordações.
Me enfiei escada abaixo em busca do Túnel do Tempo.
Em quinze minutos estava no presente, com a
documentação renovada, caminhando pelo meu calçadão de Copacabana.
O sol, batendo em meu rosto, me mostrava como é bom
visitar o passado e me sentir renovada no presente.
2 comentários:
Texto lindo e realmente é muito rapido tirar os documentos
Querida Lali,voltei no tempo com você !
Me lembrei do hospital onde meu pai trabalhou e muitas histórias vieram na memória.
bjsss
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