Namoro
o Rio. Me encanto com os meneios hipnotizantes dessa cidade que me seduzem a
cada esquina. Passeio pela cidade até hoje, como uma turista deslumbrada e sem
pressa... dessas que desejam encontrar muito além do que se acha nos roteiros turísticos.
Caminho com o mesmo entusiasmo de quem quer chegar ao coração furtivo e puro de sua essência para que possa
conquista-la e ficar aqui para sempre. Só que fiquei mesmo. Finquei pé com
menos de dois anos de idade e declarei que daqui não pretendo sair. Realizei meu
sonho.
Me
largo por aí, de carro ou a pé, de metrô ou de ônibus, para revisitar, descobrir,
descortinar os meandros de seu coração. E, por incrível que pareça, tem sempre
algo novo me esperando, como característica da boa e dedicada anfitriã que essa cidade sabe ser.
Outro
dia – na verdade, faz tempo-, saindo da acupuntura em horário não rotineiro, dei de
cara com uma feira de rua. Tive de vir para casa por outro caminho, dando a
volta por uma rua não conhecida. E toca a subir... a subir... em pleno coração
do Jardim Botânico. Não deu outra, aliás, como acontece com quase todos os
cantos dessa cidade: o Cristo estava lá... mas... de um ângulo não conhecido.
Minha alma carioca não resistiu... fui fuçando as ruas e subindo cada vez
mais, até dar numa pracinha: Praça Luis Mignone. Desci do carro, tirei fotos e nada
mais me chamou a atenção, a não ser o ângulo novo do Cristo para minha coleção.
Neste
ano, levando para rodar por aí uma grande amiga amante de fotos, como eu, me
lembrei daquele cantinho do Rio e embiquei o carro por aquelas subidas sem fim,
em busca da tal pracinha. O objetivo era o Cristo, mas, logo que descemos, o
centro da praça nos chamou a atenção imediatamente: uma estátua de branco
puríssimo com um vaso verdejante, disputava com o Cristo o bucólico simbolismo
do lugar. Havia um segurança por ali e perguntei-lhe sobre a estátua e o que
simbolizava. E também queria saber quando tinha sido colocada ali.
- Ela esteve aí
desde sempre, só que abandonada e cheia de lodo. Um dia resolvi dar uma
limpadinha para ver se tinha jeito e descobri que o que ela precisava era mesmo
só de banho, pois está em perfeitas condições.
Agachou-se,
mostrou-me os detalhes dos dedos dos pés da estátua, intactos. Depois, alisou seus
cabelos perfeitos. Sorriu.
- Limpei tudo.
Depois, achei que ficaria melhor de branco. Pintei. O vaso estava vazio, trouxe
umas plantas lá de casa, juntei terra. Coloco flores que encontro por aqui
mesmo e coloco, no meio da folhagem. Outro dia, encontrei um pingente na rua... achei que ficaria
bem e colei em seu colo. Deu um tom diferente e iluminado, não acha?
Eu
estava impactada. Minha amiga idem. Rodeei a estátua impecavelmente limpa... e
linda! Procurei por uma etiqueta, uma identificação. Nada. Perguntei-lhe se
sabia o que representava.
- Não sei...
parece uma deusa ou coisa assim. Cuido dela todos os dias, ou melhor, dia sim,
dia não, quando é o meu plantão. Agora, as pessoas sempre param quando passam por
aqui, tiram fotos, perguntam sobre a estátua. É bom. Ela é mesmo muito bonita!
- Agora além de
linda, é a sua estátua!
Ele
sorriu de dentro, da alma.
Logo
soube que se chamava Sr. José. E já que ficava por ali o dia todo, cuidava de
sua deusa. Mais romântico do que isso, impossível.
Sr.
José. O guardião da praça, ou melhor, da deusa, que, aliás, tem todas as
características de Demeter. Não à toa, ele encheu seu vaso de uma folhagem tão
caracteristicamente vibrante, de um verde cheio de luz.
Um
cantinho perdido do Rio, mas um canto sagrado ou sacralizado pela presença da
beleza não apenas física, mas da alma. Da alma enfeitada pelo amor, pela
dedicação, pelo cuidado que transborda do vaso de uma deusa para o coração de
um homem.
4 comentários:
Mítico :) Amei.
Seu conto, é mais um encanto do Rio, que contracena com a beleza deste ângulo privilegiado!!! Amei!!
Não basta apenas caminhar e olhar, é preciso dividir o prazer com alguém especial. Uma pessoa que sinta orgulho do que faz, como o Sr. José. Você tem o dom de valorizar e encantar tudo que se encontra ao seu redor. Que bom que você carrega o sinal.
Obrigada pelos comentários! O Rio é mesmo um convite ao alimento da alma!
Sou fanzoca dessa cidade... não tem jeito... :)
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