sábado, 9 de março de 2013

SR. JOSÉ



Namoro o Rio. Me encanto com os meneios hipnotizantes dessa cidade que me seduzem a cada esquina. Passeio pela cidade até hoje, como uma turista deslumbrada e sem pressa... dessas que desejam encontrar muito além do que se acha nos roteiros turísticos. Caminho com o mesmo entusiasmo de quem quer chegar ao coração furtivo e  puro de sua essência para que possa conquista-la e ficar aqui para sempre. Só que fiquei mesmo. Finquei pé com menos de dois anos de idade e declarei que daqui não pretendo sair. Realizei meu sonho.

Me largo por aí, de carro ou a pé, de metrô ou de ônibus, para revisitar, descobrir, descortinar os meandros de seu coração. E, por incrível que pareça, tem sempre algo novo me esperando, como característica da boa e dedicada anfitriã que essa cidade sabe ser.

Outro dia – na verdade, faz tempo-, saindo da acupuntura em horário não rotineiro, dei de cara com uma feira de rua. Tive de vir para casa por outro caminho, dando a volta por uma rua não conhecida. E toca a subir... a subir... em pleno coração do Jardim Botânico. Não deu outra, aliás, como acontece com quase todos os cantos dessa cidade: o Cristo estava lá... mas... de um ângulo não conhecido. Minha alma carioca não resistiu... fui fuçando as ruas e subindo cada vez mais, até dar numa pracinha: Praça Luis Mignone. Desci do carro, tirei fotos e nada mais me chamou a atenção, a não ser o ângulo novo do Cristo para minha coleção.

 
Neste ano, levando para rodar por aí uma grande amiga amante de fotos, como eu, me lembrei daquele cantinho do Rio e embiquei o carro por aquelas subidas sem fim, em busca da tal pracinha. O objetivo era o Cristo, mas, logo que descemos, o centro da praça nos chamou a atenção imediatamente: uma estátua de branco puríssimo com um vaso verdejante, disputava com o Cristo o bucólico simbolismo do lugar. Havia um segurança por ali e perguntei-lhe sobre a estátua e o que simbolizava. E também queria saber quando tinha sido colocada ali.

- Ela esteve aí desde sempre, só que abandonada e cheia de lodo. Um dia resolvi dar uma limpadinha para ver se tinha jeito e descobri que o que ela precisava era mesmo só de banho, pois está em perfeitas condições.

Agachou-se, mostrou-me os detalhes dos dedos dos pés da estátua, intactos. Depois, alisou seus cabelos perfeitos. Sorriu.

- Limpei tudo. Depois, achei que ficaria melhor de branco. Pintei. O vaso estava vazio, trouxe umas plantas lá de casa, juntei terra. Coloco flores que encontro por aqui mesmo e coloco, no meio da folhagem. Outro dia, encontrei um pingente na rua... achei que ficaria bem e colei em seu colo. Deu um tom diferente e iluminado, não acha?

Eu estava impactada. Minha amiga idem. Rodeei a estátua impecavelmente limpa... e linda! Procurei por uma etiqueta, uma identificação. Nada. Perguntei-lhe se sabia o que representava.

- Não sei... parece uma deusa ou coisa assim. Cuido dela todos os dias, ou melhor, dia sim, dia não, quando é o meu plantão. Agora, as pessoas sempre param quando passam por aqui, tiram fotos, perguntam sobre a estátua. É bom. Ela é mesmo muito bonita!

- Agora além de linda, é a sua estátua!

Ele sorriu de dentro, da alma.

Logo soube que se chamava Sr. José. E já que ficava por ali o dia todo, cuidava de sua deusa. Mais romântico do que isso, impossível. 


Sr. José. O guardião da praça, ou melhor, da deusa, que, aliás, tem todas as características de Demeter. Não à toa, ele encheu seu vaso de uma folhagem tão caracteristicamente vibrante, de um verde cheio de luz.

Um cantinho perdido do Rio, mas um canto sagrado ou sacralizado pela presença da beleza não apenas física, mas da alma. Da alma enfeitada pelo amor, pela dedicação, pelo cuidado que transborda do vaso de uma deusa para o coração de um homem. 



4 comentários:

Dani Dias disse...

Mítico :) Amei.

Miriam disse...

Seu conto, é mais um encanto do Rio, que contracena com a beleza deste ângulo privilegiado!!! Amei!!

Carlos Alberto disse...

Não basta apenas caminhar e olhar, é preciso dividir o prazer com alguém especial. Uma pessoa que sinta orgulho do que faz, como o Sr. José. Você tem o dom de valorizar e encantar tudo que se encontra ao seu redor. Que bom que você carrega o sinal.

Eulalia disse...

Obrigada pelos comentários! O Rio é mesmo um convite ao alimento da alma!
Sou fanzoca dessa cidade... não tem jeito... :)