Lembro-me
de que um dia, quando pequena, não sei mais onde nem como, vi a foto do Mont Saint-Michel,
França, e disse:
- Quero ir lá.
- Ih, minha
filha, isso é muito longe, lá do outro lado do mundo!
Minha
mãe nunca pensou em viagens. Sua visão de mundo sempre esteve voltada para ela
mesma, em seu mundo interior. O máximo que fiz com ela foi o percurso rotineiro
de Rio – São Paulo, para visitar a família, em suas férias....
Mas
aquela foto ficou literalmente carimbada em minha mente.
Já
adulta, cada vez que me deparava com um postal, um cartaz em alguma vitrine de uma
loja de viagens, no entanto, algo aguçava meus sentidos.
Houve
uma época, em que viajei muito. Estava casada e meu ex que, como já disse, era
apaixonado por compras das miniaturas de trens, motivo por ter ido tanto à
Alemanha. Não me queixo. O que conheci daquele país maravilhoso dá contos sem
conta. Adoro a Alemanha! Mas deixei de lado sonhos como o que conto hoje: O
Mont Saint-Michel. Sempre disse que queria ir lá.
- Um dia a gente
coloca no roteiro. Mas é que é tão contra-mão de tudo...
De
fato. O Mont Saint-Michel fica entre o norte e o sul da França, a duas horas de
Caen, que, por sua vez, fica a duas horas de Paris. Seria um desvio de rota “só
para ver um castelo num monte”. Ok, fica, de novo, para a próxima vez. E foi
assim, até que nossos destinos se separaram.
Hora
de reconstituir os meus sonhos perdidos. Mas estava no meio da década de
noventa, reconstruindo minha vida e o problema é que as condições financeiras ficaram
bem precárias.
Em
2001, fui a um congresso na França. E... logo onde? Em Caen! Juro que não foi
de propósito! E como acadêmica esforçada, consegui uma bolsa para apresentar um
trabalho lá. Décio, que você já conhece, se leu o conto “Décio”, professor de
francês, além de Linguista me ajudou com a palestra e lá fui eu, em minha
primeira apresentação em língua estrangeira. Em princípio, estava focadíssima
com meu trabalho, mas é lógico que estava de olho na realização desse antigo
sonho. Felizmente, a palestra foi logo nos primeiros dias e pude respirar,
pensando em uma boa fugida.
Ocorre
que Caen, em si mesma, é uma graça de cidade! Um mimo! E não podia deixar
passar a oportunidade de palmilhar a cidade, entre uma palestra e outra. Buscava,
também, uma excursão àquele lugar aspirado desde a minha infância. Aliás, outra
aventurinha tinha de entrar no roteiro, fato, aliás, que só ajudou a realizar o
sonho:
Três
ou quatro dias depois de iniciado o congresso, eu já desvencilhada do sufoco de
minha apresentação, procurava no imenso roteiro das apresentações, algo que me
interessasse e me deparei, surpresa, com um grupo de nomes bem brasileiros. Ou
seriam portugueses? Não conhecia nenhum deles academicamente. Devem ser
portugueses. Seria naquela tarde, mais precisamente dali a meia hora e, melhor:
sobre educação especial e surdez, minha especialidade. Não iria perder.
Dirigi-me para a ala onde se daria o evento, nos intrincados e
movimentadíssimos corredores da Universidade de Caen. Ao me aproximar, já ouvi
com nitidez de detalhes, o sotaque sulista de nosso país. Um grupo de jovens
conversava animado. Aproximei-me:
- Vocês estão
envolvidos com as pesquisas que serão apresentadas agora?
Voltaram-se
surpresas, por ouvirem uma outra voz brasileira. Eram tão jovens!
- Sim, e
pensávamos que éramos só nós. Quem é você?
- Eulalia
Fernandes.
- Nossa... uma
referência bibliográfica!
- Ok, meninas, a
matusalém vos fala.
Desatamos
todas a rir, elas um pouco sem graça, mas logo viram que eu estava mesmo
levando na brincadeira.
- Chegamos um
dia depois de sua palestra! Não pudemos assistir!
Uma
geração recém entrada na área, pelo que eu estava vendo. Provavelmente, de
iniciação científica, também ali às custas de bolsas universitárias. Não me
conheciam pessoalmente, mas, provavelmente, seus professores seriam meus ou
minhas colegas de trabalho. Nosso país é tão grande...
De
fato, eram alunas de acadêmicos que eu bem conhecia, mas não estavam lá. Aquele
ano tinha sido pródigo em congressos no exterior e você só consegue bolsa para
um. Assim, eu priorizara este e meus colegas outros, por razões pessoais e
também, provavelmente, por razões linguísticas. As pessoas preferem falar em
inglês e congressos na França não eram os mais escolhidos para a minha área
específica de atuação. Como é minha segunda língua, lá fui eu. E encontrei
jovens que aproveitavam a oportunidade. Essas, em especial, eram também alunas
da Aliança Francesa, o que explicava a escolha por Caen.
Ok,
você sabe como são compatriotas que se encontram no exterior. As meninas, por
estarem sozinhas, sem seus orientadores e eu, por meu instinto maternal, logo
ficamos juntas. E o mote “referência bibliográfica” logo virou piada. O
congresso terminaria na sexta. Minha passagem de volta era no domingo. Eu
estava planejando conhecer o Mont Saint-Michel, é claro, o que faria no sábado.
E foi ótimo. A turminha de jovens logo se ouriçou e arranjei excelentes
companheiras de viagem. Em princípio, queríamos ir por conta própria, mas era
meio complicado. Enfim, resolvemos nos incorporar a uma excursão e lá fomos
nós.
O
fato é que a ida ao Mont Saint-Michel fala por si mesma. Perdi as fotos, pois o
filme da minha máquina embolou, sem que eu percebesse. Estávamos em 2001, as
digitais ainda não eram usadas como hoje! Era filme de rolo mesmo! Tenho apenas
três fotos, que guardo com muito carinho.
Mas
acho que foi de propósito. A vida faz assim. É que o Mont Saint-Michel tem uma
característica especial. Todos os dias, no final da tarde, na subida da maré,
ele vira uma ilha. Até lá, é rodeado por um areal, que o turista atravessa a
pé. Quando se chega ao estacionamento, há uma placa avisando a que horas os
carros devem retirar-se para não serem inundados pelo mar.
Meu
sonho era ir a pé pelo areal e voltar de barco, o que é muito comum. Eu não
sabia que a excursão voltaria antes da maré alta. Foi uma bobeada não ter
perguntado.
Assim,
sem fotos e sem ter andado de barco, embora tivesse realizado um dos grandes
sonhos de minha vida, ainda preciso voltar, para completar o percurso!
Não
sou chegada a castelos. Na verdade, sempre me senti meio incomodada ao visitar
os antigos castelos europeus. Não sei se não tive sorte ou os que eu visitei
cheiram a um ambiente de excessiva esquisitice. Não sei explicar... saio um
pouco estranha. O Mont Saint-Michel, no entanto, é banhado todo o tempo pela brisa do
mar. É completamente diferente de tudo o que eu vi, lembrando-me não sei
exatamente de quê. Mas era bom, muito bom... e lindo!!!
Desprendi-me
da excursão e passeei longamente por seus corredores, por seus jardins, pela cidadela
que o entorna.
Sorriso
infantil resgatado da infância. Alegria plena de sonho realizado.
E
volto, ah, se volto. Vou caminhando e volto de barco, no final da tarde ou
início de noite, com a maré alta, quem sabe com a lua cheia...
Foto
de entrada:
(O
Mont Saint-Michel é considerado patrimônio mundial pela UNESCO)
6 comentários:
Você tinha toda a razão de querer conhecer o Saint-Michel. Ele é realmente algo de impressionante. Eu também tive um grande impacto ao conhecê-lo. Viajar é mesmo tudo de bom!
bjs a vc, décio
Eulalia, querida, quantas lindas recordações que tem! Imagino o desejo se realizando! Nenhuma coincidência, não é mesmo?
Beijos.
Val
fico esperando sua volta! e como também ainda não conheço, quem sabe não nos aventuramos juntas! bj querida!
Queridos amigos, sim, as recordações boas de viagem aquecem a alma da gente.
Celina, adorei a idéia. E, no caminho, tem uma cidade que faz sinos para todas as Igrejas da Europa. Não me lembro do nome da cidade, mas tem de marcar com antecedência para poder visitar. Acho que vale a pena dar a parada e ver como aqueles sinos maravilhosos são fabricados!
beijos!
Eu também quero ir!!!!!
È vero. Recordar é viver.
Saber o que nossos lembram com prazer também...JCCA
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