sábado, 20 de outubro de 2012

DÉCIO


  
Foi mesmo assim. E quando é muito intenso, é difícil de contar. Talvez por isso não tenha conseguido escrever até hoje sobre este encontro. Mas foi único, em sua essência. E é assim, até hoje. Um irmão de vida.

Décio apareceu aos meus olhos, pela primeira vez, descendo por uma das rampas da Universidade, recém concursado. Eu já havia feito parte da banca de três concursos anteriores, para nosso Departamento. Hora de descansar. Assim, naquele ano, declinei do convite. Aliás, nem sei se foi bem isso. Acho que foi mesmo negar a participação.

É que ser de banca não é fácil.

Julgar o melhor caminho que uma formiga pode fazer no seu percurso já é tão difícil!... Digo isso porque, quando pequena, ficava observando as formigas em seus caminhos e ficava imaginando porque não tiravam uma linha reta entre o alimento e o formigueiro. A vida me ensinou, muito aos poucos, que julgar é perigoso, difícil, escorregando para o terrivelmente parcial. Depende tanto de nossa maneira particular de ver o mundo!... Agora eu vejo que é impossível compreender o mundo das formigas, conhecer seus melhores caminhos pelo solo, os pedregulhos da estrada. Nem sempre a linha reta é o melhor percurso para alcançar uma meta. Aprende-se muito, mesmo com as formigas...

Voltemos ao concurso. Eu me sentia em saia justa comigo mesma a cada vez que participava de uma banca, fosse para que fosse. Ser justo é muito enganador, embora você queira ser “justo ao máximo”. Não me arrependo de nenhuma das bancas das quais participei. Isso não quer dizer que eu tenha sido justa, embora tivesse sempre saído com essa impressão... o que conta, para essa história é que sempre que pude, declinei da oportunidade. E, desta vez, especialmente, foi uma das melhores coisas que me aconteceu. Não por ter me livrado de julgá-lo, mas porque foi muito melhor conhecer Décio, como conheci.

Mas, com essas considerações, acabei deixando Décio descendo pela rampa em minha direção, acompanhado de um de nossos colegas. Voltemos aos fatos:

Meus olhos se depararam com seus olhos inquietos e sorridentes. Passo firme e apressado. Como os meus. Algo dentro de mim bateu mais forte e não era apenas o coração. Algo que me instigava dizer:

- Que bom te ver de novo, que saudades!

Dizer isso e abraçá-lo, não sei bem por quê. Mas, é claro, minha capa de postura acadêmica apenas sorriu e lhe disse:

- Seja benvindo ao Departamento.

Muitos anos depois, conversando descontraídos sobre nossa amizade impecável, numa das mesas do bar do décimo primeiro andar - onde nos encontrávamos, vez por outra, entre horários de atividades acadêmicas -, trocávamos impressões sobre nossa tremenda e mútua empatia. Foi quando tive coragem de contar a ele essa minha primeira impressão. Ele sorriu, lembrou-se do encontro e disse maroto, com aquela expressão que lhe é tão peculiar:

- Pois é, minha amiga, quem sabe apenas nos reencontramos.

Décio não é lá chegado a essas convicções. Sei que foi só uma brincadeira. Mas eu, embora sem convicções religiosas, acredito piamente que não foi a primeira vez. É afinidade demais para dar tão certo desde o primeiro olhar.

Não há explicações acadêmicas, sociais ou cartesianas para o que nos uniu de forma tão instantânea, fraterna e sincera desde o primeiro instante.

Fomos parceiros de luta, ou melhor, de lutas. Fomos parceiros de cafés, de decisões, de postos funcionais, de conteúdos acadêmicos, de confidências pessoais...

Mais tarde, fora da universidade, continuamos a ser parceiros de vida, em vários momentos fáceis e difíceis daqui e de lá. Comemoramos cada um de nossos encontros, agora mais raros, por conta de duas vidas agitadas, cada uma a seu modo: ele ainda acadêmico e eu no meu consultório e nos meus cursos. Mas as almas, com certeza, uma vez irmãs, serão sempre irmãs.

É difícil falar de Décio, mas é fácil representar esse sentimento. É só perceber, enquanto escrevo estas linhas, meus olhos embaçados pelas lágrimas agradecidas à vida por tê-lo conhecido.

Tenho amigos assim. E quanto mais próximos, mais difícil transformá-los em palavras...

Tim-tim!

 Obs.: imagem - Facebook

5 comentários:

Celina disse...

Eu acredito piamente em "reencontros". Embora não tenha nenhuma teroria a respeito. Acho que são almas e energias que se conhecem e se reconhecem. É quando dá aquele "quentinho" no coração. bjs

Valéria Hinojosa disse...

Realmente, quando isso acontece naturalmente o melhor mesmo é dizer: Que bom te reencontrar! Bjsss

Anônimo disse...

minha amiga,
adorei estar no teu conto! Aliás, no nosso conto, né? Afinal, estamos construindo uma deliciosa amizade há muito tempo ... talvez mesmo há mais tempo do que eu imagino!E foi essa amizade que te inspirou! Esteja certa de que ela também me inspira.
bjs a vc,
décio

pblower disse...

Acredito mesmo em reencontros... E como bom quando a gente sabe que eles avonteceram!

Eulalia disse...

Meus amigos dão um colorido especial em minha vida.

Bom saber que vocês existem!