sábado, 27 de outubro de 2012

MONT SAINT-MICHEL




Lembro-me de que um dia, quando pequena, não sei mais onde nem como, vi a foto do Mont Saint-Michel, França, e disse:

- Quero ir lá.

- Ih, minha filha, isso é muito longe, lá do outro lado do mundo!

Minha mãe nunca pensou em viagens. Sua visão de mundo sempre esteve voltada para ela mesma, em seu mundo interior. O máximo que fiz com ela foi o percurso rotineiro de Rio – São Paulo, para visitar a família, em suas férias....

Mas aquela foto ficou literalmente carimbada em minha mente.

Já adulta, cada vez que me deparava com um postal, um cartaz em alguma vitrine de uma loja de viagens, no entanto, algo aguçava meus sentidos.

Houve uma época, em que viajei muito. Estava casada e meu ex que, como já disse, era apaixonado por compras das miniaturas de trens, motivo por ter ido tanto à Alemanha. Não me queixo. O que conheci daquele país maravilhoso dá contos sem conta. Adoro a Alemanha! Mas deixei de lado sonhos como o que conto hoje: O Mont Saint-Michel. Sempre disse que queria ir lá.

- Um dia a gente coloca no roteiro. Mas é que é tão contra-mão de tudo...

De fato. O Mont Saint-Michel fica entre o norte e o sul da França, a duas horas de Caen, que, por sua vez, fica a duas horas de Paris. Seria um desvio de rota “só para ver um castelo num monte”. Ok, fica, de novo, para a próxima vez. E foi assim, até que nossos destinos se separaram.

Hora de reconstituir os meus sonhos perdidos. Mas estava no meio da década de noventa, reconstruindo minha vida e o problema é que as condições financeiras ficaram bem precárias.

Em 2001, fui a um congresso na França. E... logo onde? Em Caen! Juro que não foi de propósito! E como acadêmica esforçada, consegui uma bolsa para apresentar um trabalho lá. Décio, que você já conhece, se leu o conto “Décio”, professor de francês, além de Linguista me ajudou com a palestra e lá fui eu, em minha primeira apresentação em língua estrangeira. Em princípio, estava focadíssima com meu trabalho, mas é lógico que estava de olho na realização desse antigo sonho. Felizmente, a palestra foi logo nos primeiros dias e pude respirar, pensando em uma boa fugida.

Ocorre que Caen, em si mesma, é uma graça de cidade! Um mimo! E não podia deixar passar a oportunidade de palmilhar a cidade, entre uma palestra e outra. Buscava, também, uma excursão àquele lugar aspirado desde a minha infância. Aliás, outra aventurinha tinha de entrar no roteiro, fato, aliás, que só ajudou a realizar o sonho:

Três ou quatro dias depois de iniciado o congresso, eu já desvencilhada do sufoco de minha apresentação, procurava no imenso roteiro das apresentações, algo que me interessasse e me deparei, surpresa, com um grupo de nomes bem brasileiros. Ou seriam portugueses? Não conhecia nenhum deles academicamente. Devem ser portugueses. Seria naquela tarde, mais precisamente dali a meia hora e, melhor: sobre educação especial e surdez, minha especialidade. Não iria perder. Dirigi-me para a ala onde se daria o evento, nos intrincados e movimentadíssimos corredores da Universidade de Caen. Ao me aproximar, já ouvi com nitidez de detalhes, o sotaque sulista de nosso país. Um grupo de jovens conversava animado. Aproximei-me:

- Vocês estão envolvidos com as pesquisas que serão apresentadas agora?

Voltaram-se surpresas, por ouvirem uma outra voz brasileira. Eram tão jovens!

- Sim, e pensávamos que éramos só nós. Quem é você?

- Eulalia Fernandes.

- Nossa... uma referência bibliográfica!

- Ok, meninas, a matusalém vos fala.

Desatamos todas a rir, elas um pouco sem graça, mas logo viram que eu estava mesmo levando na brincadeira.

- Chegamos um dia depois de sua palestra! Não pudemos assistir!

Uma geração recém entrada na área, pelo que eu estava vendo. Provavelmente, de iniciação científica, também ali às custas de bolsas universitárias. Não me conheciam pessoalmente, mas, provavelmente, seus professores seriam meus ou minhas colegas de trabalho. Nosso país é tão grande...

De fato, eram alunas de acadêmicos que eu bem conhecia, mas não estavam lá. Aquele ano tinha sido pródigo em congressos no exterior e você só consegue bolsa para um. Assim, eu priorizara este e meus colegas outros, por razões pessoais e também, provavelmente, por razões linguísticas. As pessoas preferem falar em inglês e congressos na França não eram os mais escolhidos para a minha área específica de atuação. Como é minha segunda língua, lá fui eu. E encontrei jovens que aproveitavam a oportunidade. Essas, em especial, eram também alunas da Aliança Francesa, o que explicava a escolha por Caen.

Ok, você sabe como são compatriotas que se encontram no exterior. As meninas, por estarem sozinhas, sem seus orientadores e eu, por meu instinto maternal, logo ficamos juntas. E o mote “referência bibliográfica” logo virou piada. O congresso terminaria na sexta. Minha passagem de volta era no domingo. Eu estava planejando conhecer o Mont Saint-Michel, é claro, o que faria no sábado. E foi ótimo. A turminha de jovens logo se ouriçou e arranjei excelentes companheiras de viagem. Em princípio, queríamos ir por conta própria, mas era meio complicado. Enfim, resolvemos nos incorporar a uma excursão e lá fomos nós.

O fato é que a ida ao Mont Saint-Michel fala por si mesma. Perdi as fotos, pois o filme da minha máquina embolou, sem que eu percebesse. Estávamos em 2001, as digitais ainda não eram usadas como hoje! Era filme de rolo mesmo! Tenho apenas três fotos, que guardo com muito carinho.





Mas acho que foi de propósito. A vida faz assim. É que o Mont Saint-Michel tem uma característica especial. Todos os dias, no final da tarde, na subida da maré, ele vira uma ilha. Até lá, é rodeado por um areal, que o turista atravessa a pé. Quando se chega ao estacionamento, há uma placa avisando a que horas os carros devem retirar-se para não serem inundados pelo mar.

Meu sonho era ir a pé pelo areal e voltar de barco, o que é muito comum. Eu não sabia que a excursão voltaria antes da maré alta. Foi uma bobeada não ter perguntado.

Assim, sem fotos e sem ter andado de barco, embora tivesse realizado um dos grandes sonhos de minha vida, ainda preciso voltar, para completar o percurso!

Não sou chegada a castelos. Na verdade, sempre me senti meio incomodada ao visitar os antigos castelos europeus. Não sei se não tive sorte ou os que eu visitei cheiram a um ambiente de excessiva esquisitice. Não sei explicar... saio um pouco estranha. O Mont Saint-Michel, no entanto, é banhado todo o tempo pela brisa do mar. É completamente diferente de tudo o que eu vi, lembrando-me não sei exatamente de quê. Mas era bom, muito bom... e lindo!!!

Desprendi-me da excursão e passeei longamente por seus corredores, por seus jardins, pela cidadela que o entorna.

Sorriso infantil resgatado da infância. Alegria plena de sonho realizado.

E volto, ah, se volto. Vou caminhando e volto de barco, no final da tarde ou início de noite, com a maré alta, quem sabe com a lua cheia...


Foto de entrada:
(O Mont Saint-Michel é considerado patrimônio mundial pela UNESCO)
 

6 comentários:

Anônimo disse...

Você tinha toda a razão de querer conhecer o Saint-Michel. Ele é realmente algo de impressionante. Eu também tive um grande impacto ao conhecê-lo. Viajar é mesmo tudo de bom!
bjs a vc, décio

Valéria Hinojosa disse...

Eulalia, querida, quantas lindas recordações que tem! Imagino o desejo se realizando! Nenhuma coincidência, não é mesmo?
Beijos.
Val

Celina disse...

fico esperando sua volta! e como também ainda não conheço, quem sabe não nos aventuramos juntas! bj querida!

Eulalia disse...

Queridos amigos, sim, as recordações boas de viagem aquecem a alma da gente.

Celina, adorei a idéia. E, no caminho, tem uma cidade que faz sinos para todas as Igrejas da Europa. Não me lembro do nome da cidade, mas tem de marcar com antecedência para poder visitar. Acho que vale a pena dar a parada e ver como aqueles sinos maravilhosos são fabricados!

beijos!

pblower disse...

Eu também quero ir!!!!!

João Carlos disse...

È vero. Recordar é viver.
Saber o que nossos lembram com prazer também...JCCA