sábado, 14 de julho de 2012

QUEBRA-CABEÇA


Na saída do metrô, aquele pisca-pisca ritmado fazia as pessoas pararem, olharem e se decidirem por descer mais rápido ou mais devagar a escadaria do metrô da Kurfürstendamm, a principal avenida de Berlim. Acho que nem eles conseguem pronunciar esse nome com tranquilidade, pois, carinhosamente, é conhecida como Kudam.

Parei ali, pondo a mente para funcionar. Com certeza, aquilo deveria ser um aviso do tráfego metroviário. Só podia ser... mas... como funcionaria? Sentei-me num cantinho da calçada e fiquei matutando. Alguns cidadãos olhavam para ele, conferiam com o relógio de pulso e desciam às pressas.

E eu... olhando. Saí dali encafifada. Não tinha conseguido entender. No dia seguinte, passei por ali, novamente, olhei aquela gracinha de monumento, sem grande expectativa e... eureka! Aquilo era um relógio! Nossa! Como eu não tinha percebido antes? E melhor... como percebia agora? Mas estava claríssimo! Era um relógio super hiper original!!!

Era, definitivamente, um relógio! Aproximei-me para destrinchar o segredo, tentando ler uma placa que ficava abaixo dele, como mostra os dois homens da foto. Em vão: tudo em alemão. Tentei falar com eles para ver se conseguiam me explicar o que significavam as casinhas vermelhas, as casinhas amarelas... Não deu certo. Eles deveriam ser poloneses, suecos, holandeses ou qualquer outro povo de língua inexplicável para mim. Sorrimos os três. Notei que eles também haviam descoberto a “pólvora”, só não sabiam destrinchar como. Tudo indicava que não entendiam alemão também.

Meu ex era colecionador de relógios. Nada mais sedutor do que motiva-lo a deixar suas lojas de trenzinhos e ir visitar minha descoberta. E ficamos ali, matutando, colocando sua cabeça de engenheiro para funcionar. Finalmente conseguimos e tudo pareceu tão simples quanto um relógio comum. Só que muito mais charmoso.

Para completar a façanha, descobri, naquela tarde, que sua miniatura era vendida nas lojas. Trouxemos uma. Pena que foi uma, pois se foi com o divórcio. Mas tudo tem suas vantagens: um dia vou lá ver se ele ainda existe e acabo trazendo um pequeno sósia para me distrair. Para uma mente não consumista, é preciso algo muito especial. Mas a originalidade e a estética acabam com um taurino. Pelo menos com essa taurina.

E acabo, assim, arranjando um motivo a mais (como se precisasse!...) para voltar a lugares de lembranças tão queridas. Se você leu o conto “Quem diria” com certeza me dará razão.



OBS.: Para quem ficou curioso(a) como eu: O pisca-pisca superior, que é redondo, conta os segundos; a primeira linha, com quatro casas vermelhas, conta os minutos – cada casinha se acende a cada minuto transcorrido; a segunda linha conta 5 minutos, ou seja, quando a linha de cima está cheia, e a casa redonda superior completa mais 60 segundos, toda a primeira linha se apaga e se acende uma casinha da segunda linha (pois se referem a quatro minutos + os 60 segundos); a terceira linha conta as horas e a última linha conta 10 minutos em cada casinha. Deste modo, quando a segunda casa da segunda linha se completa (ou seja, marca 10 minutos), esta segunda linha se apaga e se acende uma casinha da última linha. Quando todas as casinhas da última linha se acenderam (4 x 10 = 40 minutos) e todas as casinhas da segunda linha também estiverem acesas (4 x 5 = 20 minutos), todas as luzes das primeira, segunda e quarta linha se apagam e se acende uma casinha da terceira linha, marcando mais uma hora. Assim, para se “ler” que horas são a estratégia é ir, em primeiro lugar, para a terceira linha (para saber as horas inteiras), depois para a quarta linha e ver quantas luzes de 10 minutos estão acesas, depois ir para a segunda linha e somar quantas luzes de 5 minutos estão acesas e, finalmente, ir para a primeira linha e somar os minutos finais. Na marcação do relógio acima, são 2 horas e 49 minutos. Com o tempo você se acostuma e consegue ler tão rápido quanto os apressados alemães que sobem e descem as escadarias do metrô de uma das extremidades da Kudam. Simples, não? (risos)

5 comentários:

Dani Dias disse...

Essa é uma das muitas boas histórias que tive o prazer de ouvir em noites de longas conversas na sua casa. Revisitá-la hoje me fez lembrar de mim encostada na parede de sua cozinha, ouvindo atentamente às experiências dessa viajante observadora e sensível.

Saudade, elo, carinho por vc.

bjs!

Anônimo disse...

Lembrando-me do conto "Cultura irmãs", te pergunto: você tem mesmo certeza de que não estava em Lisboa qdo fez a foto desse relógio tão, digamos, singular?
O detran poderia incorporar a ideia para seus exames de vista para renovação de carteira de motorista!
bjs pra você

Celina disse...

Nada como um motivo para voltar a um lugar. Primeiro a gente volta na lembrança, depois na vontade e quando todos os astros se alinham, a gente está lá! que sua miniatura volte logo, desta vez sua e com mais lembranças para mais um conto!

pblower disse...

Valeu, amiga. Grande tarde que só poderia terminar em seu blog. Mas aqui entre nós, ainda prefiro os relógios de pulso digitais.
beijocas

Eulalia disse...

Dani, sim, lembro-me de estar contando isso, um dia... saudades.

Décio, boa essa... é meio complicado, mas é bonito... e a vantagem é que você não se perde, como em Lisboa... pode, no máximo, chegar atrasado pelo tempo que perde para entender que horas são... rs

Celina, acho que poderíamos marcar um tour só para achar onde estaria o relógio hoje...

Patrìcia... as tardes seriam sempre memoráveis com você. Amei!

beijinhos a todos!!!