sábado, 17 de dezembro de 2011

CRIS


Cristina apareceu na minha vida num momento delicado. Tínhamos nos esbarrado em congressos, mas eu sou mesmo um desastre no que se refere a guardar fisionomias. Para você ter idéia, já passei algumas vezes direto por conhecidos bem conhecidos, até por vizinhos. Parece descaso, mas não é mesmo. Já avisava aos meus alunos, no primeiro dia de aula. "Se eu passar sem cumprimentar, não se aborreçam, por favor. Sou cegueta de fisionomia". Além de muito distraída quando ando na rua, sou mesmo uma negação nesse item.

Colegas profissionais de congresso, jamais fizeram exceção. E foi assim que topei com Cris, em plena cidade do Porto, num congresso internacional de Linguistica. Passei direto por ela, claro, e se ela não me travasse o passo, ficaria por isso mesmo. Felizmente, isso não aconteceu, pois foi o início de nossa estreita amizade, que permanece até hoje.

Cris mora em São Paulo e eu no Rio. Mas o milagre da internet faz com que saibamos mais uma da vida da outra do que a maioria de nossos outros amigos que convivem conosco, em nossas cidades. É que nos escrevemos quase todos os dias!

Mas nossa amizade, na verdade, começou meio atropelada. É que coincidiu com meu encontro com um dos casos amorosos mais gostosos da minha vida, que você já conhece, se leu o conto “o gabonês”. Pois então: estar no congresso era ficar ali apenas para as palestras que interessavam. Fora isso, dávamos um jeito de sumirmos, os dois, para curtirmos o tempo livre juntos.

De vez em quando, esbarrava em Cris, que me convidava para almoçar, sairmos juntas. Evidentemente, não tinha com ela a mesma intimidade que tenho hoje e não me sentia à vontade de apenas dizer que meu tempo já estava todo ocupado com uma pessoa muito especial. Assim, resumi nosso contato ao mínimo, educada e formalmente, mas, na verdade, o que eu estava fazendo era fugir de encontra-la.

Não me lembro muito bem como (Cris, com certeza, com sua memória de elefante, saberia descrever passo a passo!), a vida fez com que nos encontrássemos, no Brasil, em outros congressos e nosso contato foi sempre muito ameno e cordial. Passei também a reconhece-la mais e, conseguia - embora raramente, confesso - falar com ela, antes que ela falasse comigo. Ela não sabia, mas reconhece-la, no meio de tanta gente, para mim, já era um fato de destaque para meu apreço pessoal, já que minha memória fisionômica é mesmo um desastre.

O fato é que, um dia, resolvemos almoçar juntas. Tínhamos, então, mais intimidade. Nossa forma de pensar sobre aspectos lingüísticos e educacionais é muito parecida e essa companheirice começou a fazer-se cada vez mais evidente nos encontros, simpósios e congresso. Nesse almoço, estávamos falando exatamente sobre isso, quando ela me sapecou uma pergunta bem em cheio. E Cris é Cris! E esta é uma das razões por que gosto dela, para citar apenas essa, é claro. Nesse almoço, ela foi direta e simples:

- Você se lembra de nosso encontro no Porto?

- Não muito bem.

- Tive a impressão de que você não ia com a minha cara. Me evitou o tempo todo. Tentava marcar uma coisa com você, mas você estava sempre desconversando. É engraçado como agora estamos sempre juntas.


Não pude me conter. Dei uma boa risada.

- Cris, você não vai acreditar. Mas é que eu estava de caso com um congressista francês, do Gabão. Fugia de tudo para conseguir ficar só com ele!

- Ora bolas, por que você não me disse logo? E eu achando que você não queria conversa comigo!

- Não queria mesmo, mas era por isso!


Um ano depois, mais ou menos, nos encontramos em Lisboa, para outro congresso. Desta vez, no entanto, sabíamos que nos encontraríamos lá. Mas, logo ao ver-me, Cris perguntou:

- Você está de caso com alguém?

Soltei outra bela risada.

- Não querida, acabei de chegar. Mas dessa vez, juro, se acontecer, você será a primeira a saber.

- Ok, assim eu sei por que você some.


Não conheci ninguém. Aliás, nunca estou deliberadamente a procura de alguém quando viajo. É que, às vezes, acontece...

O fato é que nós duas nos divertimos a valer. Cris tem um faro especial para descobrir lugares interessantes, restaurantes especiais que servem ao nosso delicado paladar. É também dessas companheiras de histórias infindáveis. Se não nos dermos conta, atravessamos a noite. Mas é que queremos aproveitar bem o dia seguinte e ficamos nos vigiando, para dormirmos razoavelmente cedo.

Aliás, o conto dessa semana é uma homenagem a Cris. Veio de São Paulo para passar quatro dias comigo aqui no Rio. Que delícia! Enquanto ela se prepara para dormir, meus dedos inquietos vieram escrever esse conto, para postar amanhã. Uma surpresa, para que ela leia, ainda aqui, ao acordar. Já que ela não perde nenhum dos meus contos, este a surpreenderá.

Haverá outras oportunidades, em que poderei contar algumas de nossas façanhas conjuntas. Por ora, queria apenas fazer-lhe este mimo, uma homenagem a sua visita, coisa rara, mas querida.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ah, Eulalia querida,
agora entendo melhor por que razão lá naquele congresso em Portugal você vivia olhando pra trás, como se procurasse se certificar de que não estrava sendo seguida! E eu, que cheguei a pensar que talvez fosse a presença de um outro cara de quem vc quisesse escapar ... Cheguei a ficar inseguro na ocasião. Mas se era apenas uma futura amiga de SP, então, tudo ok! No próximo congresso, não me esconderei de vc!
bjs,
assinado
o gabonês

pblower disse...

Como é bom ter amigos!!! E vc é uma amiga muito especial de todos os seus amigos!!!