sábado, 8 de janeiro de 2011

O HOMEM DE TERNO


Eu acho que às vezes, meu anjo da guarda se concretiza. Não pode me ajudar lá do outro lado, então toma a forma humana, vem e me salva. Já contei a você, no conto "O policial", o episódio de Francisco, o policial louro em cujo carro bati, num dia de chuva fina, em frente à Central do Brasil, tarde da noite. Hoje fico pensando se ele era louro ao acaso ou se o anjo é que era louro, como nos quadros das igrejas barrocas e, na pressa de me proteger, se esqueceu de se vestir como um autêntico brasileiro de raça misturada e ginga carioca.

Pois então... toda vez que esse anjo me aparece, nunca se lembra de que estamos no Rio de Janeiro... e, desta vez, veio de terno, imagine, e, de novo, por conta de uma batida de carro. Um taxi me pegou de banda, ele avançando o sinal.

Aqui se faz, aqui se paga. No dia do policial, eu avancei, neste dia fui “avançada”...

Novamente, em torno das 23 horas, eu, outra vez, voltando da universidade e vindo pela Rio Branco, em busca do Aterro. Sempre gostei de voltar pelo Aterro. Não sei por que me sinto mais segura ali do que vindo por dentro, pelas ruas com tantos sinais, curvas e imprevisíveis transeuntes. Nem sei se é por isso ou pelo fato de eu adorar o Aterro, lindo a qualquer hora do dia ou da noite. Quem sabe... talvez os dois. Pois bem, eu estava bonitinha seguindo o sinal verde, em plena Cinelândia e o taxi me pegou desprevenida, de banda. Quando percebi que ele avançava, em vez de frear eu acelerei e foi a sorte. Me pegou de quina, na parte traseira. Mais um pouquinho e eu teria conseguido escapulir da trombada, mas não teve jeito, bateu mesmo.

O pior é que o taxista, erradíssimo, saiu do carro todo prosa, botando banca, dizendo que eu estava errada. Mas não adiantou. Tinha testemunha dizendo que ele tinha avançado. Sem saída, ele foi entrando no carro, afirmando, então, que essas coisas acontecem e que cada um ficasse com o seu prejuízo. Eu reagi, imediatamente (nem sei como!) dizendo que queria perícia. O homem emplumou-se. Avançou dizendo que iria chamar a polícia. Com isso, talvez quisesse me assustar. Redargui dizendo que polícia era mesmo o que eu queria àquela hora da noite. Só poderia me ajudar. As pessoas juntando e, claro, os que não tinham visto o acidente dizendo que mulher na direção dá mesmo problema. Outros diziam que o culpado tinha sido ele mesmo, desta vez. Uma fofocada à parte, de quem não quer ajudar nada, mas fica por ali, ciscando o conflito.

Foi então que ele apareceu. De terno, gravata e tudo, dirigiu-se em voz pausada para o motorista:

- Você disse que iria chamar a polícia? Faça-nos este favor, pois economizamos tempo. Aproveite e chame a perícia também.

- Quem é você?

- Estou com ela.


Colocou a mão no meu ombro:

- Querida, entre no carro, fique tranqüila. Deixe que eu resolvo.

Pensei logo em cantada, mas fiquei bem quieta. Que fosse. O importante é que estava me salvando daquele bando de homens que rodeavam o carro, em plena Cinelândia, que não é o melhor lugar para se arranjar um tumulto desses, ainda mais àquela hora.

Assim posta a coisa, as pessoas começaram a se dispersar e o motorista não teve outro jeito senão o de esperar pela perícia. O cavalheiro conversava comigo na maior intimidade, coisas do cotidiano, como se fôssemos mesmo um par. Vez por outra, me piscava um olho malandro de quem está se divertindo, em vez de só ajudando.

A perícia chegou, melhor, a polícia e logo após a perícia. Só depois de tudo resolvido e com o motorista dispensado é que nos apresentamos: ele estava numa daquelas boates, esticando o happy hour, quando ouviu dizer que uma moça (quanta gentileza!) tinha batido num motorista de taxi e estava sozinha, meio exposta à chacota das pessoas, tentando se defender, no meio da homarada (esqueceu de assinalar que faltava pouco para eu ter um treco de medo!). Saiu para ver e percebeu logo o meu aperto. Viu quem era quem e tomou o meu partido. Daí por diante, eu sabia da história.

Descobri ali mesmo que não era uma cantada. Era pai de dois lindos filhos e tinha uma linda mulher, pelo que vi em seus retratos na carteira. Mostrou-me vaidoso a covinha do filho mais velho, igual à covinha da mãe. As crianças e a mãe estavam de férias, na casa da sogra. Ele, então, curtia a noite e já estava bebendo uma saideira com os amigos, quando tudo aconteceu.

Esticou a mão para mim, despedindo-se gentilmente. Meu agradecimento estava no aperto de minhas mãos, no meu olhar, na minha voz. Ele tinha deixado seus amigos para vir se aborrecer por alguém que ele nunca vira e...

Ele apenas me respondeu:

- Que nada, foi um prazer... eu até me diverti. Lembra da cara que ele fez quando eu cheguei?

Eu não me lembrava. Aliás, sequer conseguia me lembrar da cara do motorista, tal o susto por que passara ao me sentir ali, sozinha, tentando enfrentar a situação. Mas, por delicadeza, concordei e sorri. Agradeci mais uma vez. Ele ainda gracejou comigo dizendo para eu ir para casa direitinho e esperou que entrasse no meu carro e ligasse o motor. Dirigiu-se para a calçada, enquanto eu me afastava desacreditada do que estava acontecendo. Ainda pude ver seu vulto afastando-se, pelo retrovisor.

Meu anjo de terno desapareceu na noite carioca, sem que eu tivesse tido a oportunidade ou a idéia de perguntar o seu nome. Mas jamais desapareceu dos espaços de gratidão que guardo em um lugar bem especial do meu coração.

4 comentários:

pblower disse...

Amiga, me lembro dessa hstoria e realmente concordo com vc que temos, ao longo da vida, muitos anjinhos por perto. Vc tem sido bem anjinha para muitas pessoas (including me!)

Unknown disse...

Pois é, ainda falam mal (esposas, namoradas e afins..rs) das saideiras e dos amigos. Que seriam dos "points" se não fossem as saideiras do dia a dia, principalmente num dia chuvoso. Só anjos (vestidos à caráter ou não) para manter a ordem das coisas...rssss. Falando nisso, calor está pedindo uma saideira mais cedo. Beijos.

Eulalia disse...

Querido amigo!
Você está infeitando meu blog!!!
(sorriso)
Benvindo!
breijos

Patrícia,você é mesmo um doce! (sorriso)

Unknown disse...

Assim não vale...Tendo um anjo de prontidão dentro da carteira....rsrs
Regina