sábado, 13 de novembro de 2010

O CÂMBIO


Londres. Mas minha segunda língua era o francês e bem sabia que não seria bem-vinda à cidade falando uma língua tão adversa à deles. Já tinha ouvido horrores sobre a richa entre os londrinos e parisienses que fingiam não entender um a língua do outro ao menor apelo turístico. A saída, então, era mesmo arranhar meu inglês e ver no que dava.

A primeira chance deu-se logo na entrada, quando me deparei com a necessidade de trocar meus dólares por libras. Perguntei logo ao sair do hotel onde havia o câmbio mais próximo. A resposta, com sotaque inglês impecável, naturalmente, foi a de que me dirigisse à estação de trens, ali perto. Bem, eu tinha conseguido falar... e também...entender. Menos mal. Fiquei um pouquinho mais animada.

Fui arranhando uma tentativa de encontro, mas não achava a estação. Tinha mesmo de perguntar a um outro transeunte. Ensaiei a pergunta, com cautela, em pensamento: “Please, where is the station?” Achei que assim estaria bom.

Ao primeiro transeunte, então, lancei a frase ensaiada, mas só ouvi em resposta:

- What?

Bem, eu deveria ter pronunciado alguma coisa mal e tentei caprichar mais, invertendo a ordem na frase:

- Where is the station, please?

- What?


Não era possível. Eu tinha a frase decorada de meus bancos de colégio. Não poderia estar errada... será que seria minha pronúncia? Resumi:

- The... station... please.

- What?


Não era possível. Será que estaria pronunciando errado a palavra /steition/? Resumi mais ainda:

- Station.

- Wou, station.
O cara estava falando com o “a” aberto: /station/!!!

Isso mesmo... como um brasileiro falaria, com o “a” bem aberto, caso não soubesse a verdadeira pronúncia! Ora, aí já era esculhambação. Se era para falar assim com “a” aberto eu não precisaria ter ensaiado tanto!!! Mas fiquei ali firme e acenei que sim com a cabeça. Num péssimo inglês para o que eu supunha ser inglês, o senhor me apontou a estação, que estava pouco adiante. Muito mais tarde eu soube, por uma amiga que era professora de inglês – a Patrícia, da qual já falei em contos anteriores – que ele deveria ser de uma região da Inglaterra (não me lembro qual) que tinha mesmo o que ela chamou de “inglês terrível”. E eu tinha de cair, logo na estréia com a língua, nas mãos de alguém assim!

O fato é que achei a estação de trem rapidinho e também o guichê de câmbio. Esparramei uns dólares e nada falei, pois era óbvio o que eu queria. Apenas sorri o sorriso dos turistas que mal falam a língua. O senhor me deu notas de libras, sem trocados. Como eu iria me virar com notas tão elevadas? Seria mais do que natural receber uns trocados, não? Que nada... só nota de valor alto.

Minha mente me traia mais uma vez. Como se pede trocado em inglês? A palavra “change” simplesmente sumiu da minha cabeça. Não tinha jeito... ou eu saía dali com aquelas notas ou me virava de outro jeito ali mesmo, com gestos, fala engasgada... o que fosse. Decidi, embora sabendo ser super inconveniente, pronunciar a frase que supunha proibida naquela cidade:

- Do you speak French?

- Mais oui, je suis parisien!!!


Pelos deuses! Essa não!!! Um francês no guichê de câmbio! E, ainda por cima, parisiense! Só se fosse mesmo aquele meu anjo aventureiro encarnado que sempre me acompanha. Era mesmo um francês! E francês, você sabe, quando vê um estrangeiro falando a sua língua em terra estrangeira se desmancha todo. Aliás, ele já se derrama todo quando vê um estrangeiro falando francês em Paris. E eu estava falando francês em Londres, mostrando minha incompetência logo em que país! Estava feita!

O homem só faltou estender um tapete vermelho para eu passar. Levantou-se, sorriu, me cumprimentou através do buraquinho do guichê. Perguntou o que eu desejava e mais parecia um amigo gentil do que um funcionário. Despencou a me perguntar se eu conhecia Paris, se tinha ido à França. Quando disse que sim, passou a discorrer sobre a cidade amada, com mil sorrisos e mesuras, perguntando onde eu tinha ido, se ia voltar, me dando dicas turísticas.

E a fila crescendo atrás de mim.

Com gentileza, disse que não queria atrapalhá-lo, que já havia tomado muito o seu tempo. Na verdade, estava com medo de ser linchada pelos turistas na fila. Mas ele não estava nem aí. Simplesmente me dizia que não falava francês há dias e que estava muito feliz em me servir. Era uma fila, os outros que esperassem.

Fiz o que pude para sair de mansinho, envergonhada. Na carteira todo o trocado, minuciosamente oferecido, exatamente como eu queria. De brinde, uma lição para lidar com a moeda inglesa que, cá para nós, tem uns macetes que só gringo nativo entende. Mas a lição foi boa e eu entendi tudinho... ainda mais em francês...

Saí rindo dali, com a recepção inesperada e também pela dupla aventura: a de um péssimo inglês me levando a um maravilhoso francês.

Um comentário:

Celina disse...

Surreal! Mas cá entre nós, um francês sempre cai bem!ainda mais quando nos salva de uma situação! Eu sou suspeita, mas acho os franceses muito gentis (quando eles entendem o que a gente fala!).