O primeiro foi um cachorro que
não tive. Aliás, o segundo, oficialmente, também não.
O fato é que os dois marcaram uma
presença muito especial em minha vida, cada um a seu jeito.
Do primeiro Tim, muita coisa eu
só sei do que me contaram. Mas tenho marcas indeléveis que trago de minha
infância; o segundo, foi um Tim desses que, tanto eu quanto ele, tivemos um tipo
de amor à primeira vista.
Os dois, cheios de histórias...
vamos a algumas delas.
Tim, o primeiro, era um cachorro
da família. Não sei como ele apareceu lá em casa, pois eu ainda nem era
nascida. O que me contaram é que ele era um excelente pai, um cachorro desses
cheio de responsabilidades. Um vira-latas de filme. Na verdade, um
cavalheiro exemplar.
Soube de histórias que me fazem
sorrir. Uma delas é que tinha uma cadelinha em casa que intitularam Peteca, se
não me engano. É que a danada adorava dar umas voltas pela rua, paquerando
todos os cães da vizinhança. E ficou grávida... e teve muitos filhotes. Oficialmente,
pelo menos, Tim era o pai e vestiu o papel de progenitor até as últimas
consequências. Peteca, ao contrário, era dessas que não queria mesmo nem saber
dos filhotes. Tim tomava conta deles e ia buscar Peteca à força pelas
vizinhanças, na hora da mamada. Na verdade, essa era a história que mais me
impressionava em Tim. Peteca, não conheci, mas o Tim era um amor de cachorro,
embora já fosse bem velhinho, quando eu já tinha uma certa noção do que era a
vida e podia admirá-lo.
Não sei por que eu me encantava
em observar o Tim. Pacato, tinha muita paciência comigo. Lembro-me de uma vez
que voltei do cabeleireiro, onde minha mãe mandara cortar meu cabelo bem
curtinho. Chegando à casa, olhei para ele e pensei: "Ué... ninguém corta o cabelo do Tim". Peguei uma
tesourinha e praticamente tosei o solitário cãozinho. Lembro-me de sua
paciência ao me ver cortar todo seu pelo daquele jeito desengonçado que uma
criança de uns cindo anos sabe fazer. O seu pelo já era quase rente e ficou
todo muito esquisito, com o rosa da pele aparecendo. Mas ele aguentou tudo quietinho,
paciente que só ele. Levei uma bronca daquelas e fiquei de castigo. Mas me
lembro que ele veio ficar ao meu lado, no canto da sala, acompanhando meu
castigo naquele dia, como se dissesse:
-
Liga não... eu não me incomodei nadinha...
Eu também cismava de catar pulgas
no Tim... e ele ficava quietinho, quietinho, embora eu lhe desse uns bons
beliscões involuntários. Ele tremia um pouco, levantava o focinho, mas ficava
quietinho outra vez. Uma paciência de Jó.
As pessoas da casa diziam que,
quando eu nasci, ele não deixava ninguém estranho entrar no quarto, pois
rosnava e era preciso afastá-lo para que algum visitante pudesse me ver. Se eu
saía de casa para o médico, por exemplo, minha mãe colocava uma peça de roupa
com o meu cheiro para que ele pudesse sentar em cima e se acalmar até que eu
voltasse.
Tim morreu comigo muito nova. Não
tinha seis anos completos. Mas acho que tínhamos algo em comum, uma solitária
solidariedade que poucos por ali conseguiriam identificar. Eu não sei se o Tim
fez tanta falta para os outros como fez para mim, quando morreu. Sei que o
olhei com olhos de quem não iria nunca mais se esquecer dele. E não me esqueci.
O outro Tim apareceu quando eu já
era adulta. Eu não me lembro muito de qual era a raça, mas era um cão forte,
porte médio, caramelo e muito bonito. Era o cão de um de meus irmãos.
Desde a primeira vez que me viu,
abanou o rabo e ficamos muito íntimos. Quando eu chegava, era uma festa.
Lembro-me que não era desses cães
muito dóceis. Na verdade, já mordera as crianças da casa. Diziam, no entanto,
que era só não irritá-lo e tudo estaria bem.
Mas parece que isso não valia
para nós dois, ou eu não conseguia irritá-lo, pois, de pronto, criamos uma
cumplicidade intrínseca.
O quadro mais nítido que tenho de
sua presença em minha vida é o de um dia em que visitei meu irmão e me sentei
na rede de sua casa para descansar. Queria me balançar e procurava algo em que
segurar para me puxar. Tim se aproximou, virou de costas e levantou o rabo. Não
me fiz de rogada. Peguei o seu rabo e puxei. Ele ficou ali, como quem está se
divertindo muito e eu conversando com ele. Achei aquilo a coisa mais incrível
do mundo. Estávamos assim, felizes da vida, quando um de meus sobrinhos chegou
assustado dizendo:
-
Não toca no rabo dele, não toca no rabo dele, pois é assim que ele morde!
-
Ué, mas foi ele que apontou o rabo para eu fazer assim!
-
Não acredito!
-
Então, fica aí e observa.
Dali para diante, era coisa certa. Eu não podia
sentar na rede que lá vinha o Tim apontar o rabo para eu balançar. Mas isso era
privilégio só meu, o que, de certa forma, me deixava até um pouco constrangida...
Sempre que me levantava para ir
embora, ele tinha um ardil para mostrar seu protesto: vinha por trás de mim,
enfiava sua grande cabeça entre minhas pernas e levantava o focinho. Desta
forma, impedia meu passo e eu não podia avançar. Tinha, literalmente, que
desmontar dele para conseguir andar. Ele fazia a mesma coisa outra vez e outra
vez, até eu alcançar a porta. Eu sempre ia com o coração na mão, pois sentia
que ele queria mesmo que eu ficasse.
Tim foi dado de repente, pois
mordeu meu irmão. Com isso, ele assinou o término de seu contrato com a família
e foi dado a uma outra pessoa, que o levou para um sítio.
Eu não soube do fato e, quando
fui visitá-lo, ele não estava mais lá. Nem pude me despedir...
Tim nunca me mordeu. Para mim,
como o outro, foi sempre um verdadeiro cavalheiro e um amigo inesquecível.
Eu acho que tenho uma certa
cumplicidade com os animais. Entre cachorros, gatos e canários não saberia qual
escolher... e também fico na dúvida se quero ter bichinhos presos, mesmo que muito amados. Assim, não tenho nenhum deles por perto.
Quem sabe, um dia eu mude de
ideia. Até lá, no entanto, sei que tenho lindas e gostosas recordações de todos
que já enfeitaram minha vida.
E tem o Jota... mas sobre ele eu
conto outro dia.