sábado, 21 de setembro de 2013

DESEJOS



Duas semanas em Paris. Sonho acalentado, planejado, realizado... duas semanas inteirinhas, como quem mora lá, sem atropelos, sem a correria de quem vai por "dias curtos" e haver um monte de passeios a fazer. Nada disso.

Morar em um lugar por duas semanas faz toda diferença. Com todo respeito a quem pensa diferente, para mim, é muito melhor do que sair correndo para visitar cinco países em vinte dias, no frenesi de que você tem de engolir o mundo, como se ele fosse acabar depois de suas férias.

Nada de hotel. Alugar um pequeno apto, o suficiente para se sentir em casa. Não é apenas mais econômico, é algo como ter uma chave da cidade, representada pela chave nova em seu chaveiro antigo. Faz toda diferença! É um lugar "seu" para se voltar todos os dias.

Sem hora para acordar, sem ter de sair como um(a) doido(a) atrás do tempo. Sem hora para dormir, porque não existe um passeio no dia seguinte que começa às 8. Nada de dizer que "descanso na volta", pois é como assassinar a cidade com olhos que não têm tempo para "ver".

Duas semanas. Fazer de cada dia de sonho, o descanso da alma e do coração. Deixar que o físico diga quando você deve se levantar e ele que diga quando você deve voltar para casa... as noites custam a chegar e dá para caminhar quanto quiser. Voltar de madrugada, com a alma sorrindo em festa. Sair sem olhar para o relógio.

O que fazer amanhã? Amanhã eu vejo, depois de acordar...

Nada de atropelos e, sobretudo, dar lugar a antigos desejos.

Estive em Paris, ou melhor, estivemos em Paris, pela primeira vez, em 1975. Três dias. Não sei por que, ao passar pelo Café de la Paix (talvez por causa do livro de francês do colégio?), tive ímpetos de entrar. Sentar lá, pedir um chá, em frente ao Opera de Paris e sonhar por quantos séculos aquela cidade é um dos centros do mundo.

- Não temos tempo para isso, deixa para outra vez.

Voltamos a Paris em 1977. Três dias.

- Não temos tempo para isso, deixa para outra vez.

E foi assim, nas décadas de setenta, oitenta, noventa, sempre por dois ou três dias. 

Estive lá, novamente, em 2001, por conta de um congresso, mas uma greve da companhia aérea me privou de chegar uma semana antes e tive de voltar logo depois. Seria a primeira vez que eu poderia fazer o que quisesse, sem ninguém a interferir nos meus passos. Mas ainda não deu para me sentir em Paris, pois o congresso foi em Caen, o que me valeu uma visita a outro sonho: o Mont de Saint Michel. Mas isso é outra história, talvez outro conto. Passei, na volta, por Paris e fiquei só dois dias na cidade. Dois dias. Não deu nem para sentir seu aroma...

Agora, 38 anos depois da primeira vez, eu tinha a liberdade de não escolher fazer a volta à Europa em vinte dias. Afinal, eu não estava querendo competir com "A volta ao mundo em oitenta dias", pois, finalmente, não havia nenhuma competição com o tempo.

Passar pelo Café de la Paix, entrar e pedir um chá. Sem pressa, sem contornos, sem acompanhamentos desnecessários. Eu não queria bolo, biscoitos, saladas, crepes. Eu queria um chá. Uma chá de menta, aquecido como estava o meu coração.

No bulício da cidade grande, sentada em frente ao Opera, na antevéspera de voltar para o Brasil, eu me sentia plena e pronta para brindar duas semanas gloriosas, revivendo passo a passo, algumas de tantas aventuras de livros, que fazem de Paris uma das cidades de meu coração. 

Eu estava ali, 38 anos depois, saudável, feliz, sem pressa, olhar perdido no Opera... na verdade... olhar perdido para dentro de mim, para dentro de meu desejo enfim realizado.

Teve mais do que sabor de festa. Teve o sabor sensual de pertencer a Paris.

Após duas semanas de tantas aventuras - de me deitar na grama e olhar a Torre Eiffel, esperando anoitecer...  de brincar horas sem fim com o GPS do Louvre, procurando obras, detalhes...  de  assistir a um concerto na Sainte Chapelle, com os vitrais à meia luz, nesse ambiente que enfeitiça olhos e ouvidos...  de visitar museus que encantam como o olhar hipnótico de uma sábia serpente...  de andar por castelos e jardins ensolarados...  de fazer Tai Chi Chuan no Jardin des Tuileries (!!!)...  de voltar à Notre Dame e buscar, no "ponto zero" de Paris, a referência do mundo...  de esperar o por-do-sol nas Pirâmides do Louvre...   de banhar minha alma com esse verão glorioso e gentil, que me carregou, muitas vezes sem rumo, por essa cidade de sonhos.

Desejos... pequenos grandes desejos, carinhosa e cuidadosamente enfim realizados, num brinde à vida, mostrando que as escolhas são muito pessoais, divinas, incontestáveis... e fantasticamente inesquecíveis.

Café de la Paix. 

O chá mais caro e mais feliz que tomei em toda a minha vida!

4 comentários:

Celina disse...

Querida, senti sua plenitude em cada letra, em cada espaço preenchido por sua alegria. Morar em Paris não é um sonho, é um quase voltar, para onde nossa essência realmente pertence. Estou saltitante de felicidade que tenha sido tão bom! Já marcou a próxima, né?

pblower disse...

QUE DELICIA!!!!!!!

Miriam disse...

Isso é viver, ser pleno! Tornar sonho realidade, sem pressa, não importa quanto tempo leve, importa que se concretize, que amadureça na alma serenamente! Bjs.

Eulalia disse...

Obrigada pelos comentários! Curti tudinho, mais uma vez :)