Eu gostaria de saber quem foi o engraçadinho(a) que
inventou a expressão “mulher de vida fácil”.
E é bem antiga, pois eu era muito jovem quando a ouvi
pela primeira vez.
Vida “fácil”... para contrastar com o quê? Com o
resto das vidas, consideradas "difíceis"?
Nos dias de hoje, com olhar mais atento, talvez a
sociedade perceba que de "fácil" esse tipo de vida não tem nada. Pelo menos,
espero que sim.
Um dia desses, vim para casa pensando nisso, ao
esbarrar com um grupo dessas moças que passou por mim, com seus vestidos
provocantes, saltos extremamente altos, perfumes fortes, rostos bem maquiados...
e você, que me lê com mais frequência, já deve ter-se acostumado com minha
mania de pensar mil coisas sobre a vida, enquanto volto a pé para casa.
Foi pensando nisso que me dei conta do quanto essa
“vida fácil” defende minha vida “não menos fácil” cotidianamente. Trabalho
muito e gosto do meu trabalho. Mas isso me toma, muitas vezes, meu tempo de
caminhada cotidiana, que procuro manter por gosto e por saúde. É por isso que,
com frequência, ela é feita à noite, às vezes até bem tarde, ao longo do
calçadão de Copacabana, à beira mar, o que considero, aliás, um privilégio
carioca.
No calçadão de Copacabana estar à noite é muito
comum. Até as 23 horas, se o tempo e o clima ajudam, ele fica bem povoado de
bicicletas, corredores e caminhantes que ali vão para refrescar a cabeça,
manter a forma ou a saúde. A questão, portanto, não é o calçadão, mas a volta
para casa, entre os quarteirões muitas vezes desertos.
Isso não acontece na região onde moro, pois, a uma
quadra de casa, fica a chamada “Boca Maldita”. A rua é a Prado Junior e lá não
existe noite. Nela estão as boates de streapers, uma farmácia muito iluminada e
conhecida que fica aberta 24horas e desta rua sai a maioria das moças e
mulheres da noite copacabanense, em busca de seus clientes. É justamente por
isso que posso voltar de minhas caminhadas tardias, embicando da praia por ali,
até a esquina de casa. Depois, é dobrar uma quadra e já estou no meu prédio,
sempre em total segurança.
Graças a essas moças noturnas e às boates da "Boca
Maldita" é que tenho o meu sossego e a minha segurança. Mas... em minhas
memórias, reconheço que é muito mais do que isso.
Lembro-me de que, um dia, vinha tão distraída, que
atravessei do calçadão para as quadras um pouco antes do ponto habitual.
Um homem, já um pouco tocado pela bebida se aproximou
para aquele tipo de cantada já tão conhecido... esse tipo de papo que você sabe
que não leva a nada, de quem tenta se aproveitar da situação. Dei um “sai para
lá” e continuei caminhando. Mas o homem insistia e me acompanhava de perto, com
aquelas perguntinhas que não merecem resposta.
Olhei em volta e me senti um pouco assustada: quase
ninguém, a não ser um grupo de moças e mulheres esperando seus clientes, à
beira da calçada, como é hábito ao longo de um trecho da Av. Atlântica.
Instintivamente, procurei me aproximar delas. Tão logo o fiz, elas perceberam a
minha situação, de pronto se aproximaram e se apossaram do tal sujeito, me
dizendo entre dentes: “vaza”.
Ordem dada, ordem obedecida. Me afastei rapidamente
deixando o tal intruso entregue às redes de quem sabe o que fazer.
Mas não resisti. Deixei passar um tempo, dei a volta
e fui agradecer. Me aproximei do grupo,
já sem saber se encontraria as mesmas. A rotatividade é intensa por ali. Mas
elas estavam lá. Engrenamos num papo e pude saber mais delas.
Das cinco que ali estavam, três eram estudantes universitárias.
Estudavam de dia, com muita dificuldade, pois iam do trabalho noturno para a
faculdade, passando em casa apenas para trocarem de roupa e pegarem os livros.
Sustentavam a faculdade e a vida com esse trabalho e esperavam terminar o curso
para seguirem outros rumos.
Por que esse trabalho?
Porque não tinham conseguido colocação em outro ou
porque ficaram desempregadas. Quatro entre as cinco não pretendiam continuar
nessa vida. A quinta me disse que estava esperando aparecer um estrangeiro que
se “embeiçasse” por ela e a levasse embora. Foi quando soube que isso é muito
mais comum do que se pensa. Quase todas elas, por aqui, falam pelo menos um
pouco de inglês.
Falaram um pouco de suas vidas e de como “ralam”
para sobreviver. E contaram também das que trabalham nas casas noturnas, sobre
a miséria que ganham e o quanto tem de fazer, senão são mandadas embora.
Estar perto da realidade é outra coisa bem diferente...
é bom poder viver e conviver com o que
me cerca e poder ter uma opinião de “solo”, ou seja, de experiência “in loco”.
Não é à toa que, quando trabalhava como pesquisadora, meus trabalhos sempre
envolviam pesquisa em campo. E levantar dados diretamente em campo é outra
coisa, outra faceta bem diferente da história que se conta em livros.
Estava
comentando sobre isso com elas, quando soube da quantidade de pesquisas que tem
sido feitas sobre o tema, em dissertações de mestrado, teses de doutorado, em
pesquisas acadêmicas. Uma delas me indicou até bibliografia sobre o
assunto.
Saí dali bem diferente do que cheguei e quase
agradeci à vida pela funesta impertinência do “ilustre cavalheiro”. Quando lhes
perguntei o que tinha sido feito dele, elas me disseram que o trataram
profissionalmente e ele, por falta de saída, escafedera-se.
Após esse tempo de delicioso encontro, no entanto,
as moças logo pediram para eu me afastar, pois precisavam trabalhar: chamar
atenção dos clientes.
Saí dali em busca de casa, lógico, pela “Boca
Maldita”. Por coincidência (?) meu olhar distraído esbarrou com o cartaz de uma
das boates:
“Barbarella
apresenta: A vida é um carnaval”.
É...