Andei muito por esses
brasis. Fico feliz por isso, pois é uma terra linda de se ver, de se sentir, de
se viver. Passeando ou trabalhando, esse colorido de paisagens e de gente
invadiu-me nos seus mais variados tons.
Na semana passada,
contei sobre minhas aventuras com o Sr. Taurio, em Blumenau. Durante a semana,
fui colorida por essas lembranças, pelos recantos da cidade, seus arredores,
pelos alunos que tive.
Pelos alunos que tive...
Pelos alunos que tive...
Bem... tem sempre uma
turma inesquecível. E esta foi, justamente, a primeira que tive em Blumenau. Vale a pena falar um
pouco sobre ela.
Cheguei a Blumenau num
domingo tórrido de verão, véspera do início do curso. A primeira aula seria no
dia seguinte, começando às oito horas. Sou pontual. Meus alunos costumavam
dizer que, quando eu começava a me atrasar, não se aborreciam, pelo contrário, ficavam
preocupados. Pois é... questão de temperamento... e também de respeito pelos
que nos esperam. Mas voltemos aos fatos.
Às oito horas, estava
entrando em sala. Cheia. Todos os alunos lá. Alguns vindos de cidades vizinhas
com até uma hora de distância. Mas estavam todos lá. Significa que chegaram
antes das oito, é claro.
Mesmo assim, me olharam
com certo espanto. Sabiam que eu era carioca e, para eles, carioca é
descansado, nunca chega com menos de dez minutos de atraso. A pontualidade
carioca é conhecida desta forma e, cá para nós, eles têm lá sua cota de razão. Mas
o que conta é que, pelo que me pareceu, os surpreendi desde o começo.
A turma de “professores-alunos”
estava ali para um curso de pós-graduação lato sensu e eu fora convidada para
dar a disciplina de morfossintaxe. Olhei para eles. Ninguém com cara de sono.
Pelo contrário: prontos, despertos, animados. Pressenti um curso puxado. Mas
gosto disso.
Distribuí a dinâmica em
quatro horas de aulas teóricas pela manhã. O curso oferecia um mísero intervalo
de dez minutos pela manhã e dez minutos à tarde, que a carioca, aqui, estendeu,
desde o início, para quinze. Mas eram quinze mesmo e todos já estavam na sala
após este período. Distribuí a parte da tarde em dois segmentos: no primeiro,
exercícios correspondentes à aula da manhã; no segundo, correção dos mesmos e
entrega de leituras para o dia seguinte.
Pelo andar da
carruagem, foi suficiente a primeira impressão para perceber que a turma
inspirava um curso de muito conteúdo e bem puxado. Se era assim, era isso que
teriam. Felizmente, sempre levo material didático a mais. Vale dizer que quase
metade da turma era descendente de cultura alemã, a outra quase metade, da
cultura italiana. Sobravam uns brasileiros não descendentes, uns pingadinhos de
dois ou três. Vinte alunos no total. Todos pontuais e aplicadíssimos.
Mas foi graças a essa
mistura de costumes e falares que o curso tomou características especiais. A
rusga amigável entre as duas culturas predominantes, davam um toque colorido às
aulas, que se tornaram graciosas, alegres e gentis. Havia sempre um chiste, uma
piada, um mote, um falar diferente e as horas passavam sem que nós
percebêssemos. Eu não me dou conta mesmo. Quando engreno numa aula, peço aos
alunos para controlarem a hora. Mas eles pareciam muito envolvidos,
interessados, cheios de dúvidas e acertamentos.
Era óbvio que não estavam ali para terem um certificado. Era transparente o interesse em saber
mais, em ter o que dizer de diferente e mais consistente aos seus alunos, no próximo período
escolar. Estava bem claro que eles não estavam ali para perderem suas férias à
toa. Estavam ali para ganharem melhores condições de trabalho. Condições
intelectuais, é claro, pois isso não rende aumento, juros nem correção
monetária a salário de professor nesse país.
O clima era de verão e
eles não perdiam a oportunidade de aproveitarem os espaços para se divertirem,
uns com os outros, de se conhecerem melhor, de curtirem a oportunidade.
Fazia muito calor. Não
havia ar condicionado. Estávamos na década de oitenta, numa Universidade
Pública. Fazia um calor desses, bem abafados, como fica o Rio, quando todos derretem.
E não há brisa do mar para ajudar. Nada disso. Perguntei a eles sobre isso, por
pura curiosidade. A resposta veio pronta:
-
No verão, todos fogem para Camboriú. Aqui só ficam os que recebem os turistas e,
claro, nós, os heróis cursistas.
(Para quem não conhece, Camboriú era ou é a cidade de férias dos cidadãos de Blumenau, cidade de praia e, por isso mesmo, mais fresca)
(Para quem não conhece, Camboriú era ou é a cidade de férias dos cidadãos de Blumenau, cidade de praia e, por isso mesmo, mais fresca)
Logo percebi que,
embora fosse mais fácil para mim, era terrível para eles, principalmente porque
a sala ficava do lado do sol à tarde. Podem imaginar...
Tentando contornar a
situação, a coordenação me perguntou se eu me incomodaria de transferir as aulas
para a sala do laboratório da Universidade, a mais fresca que eles tinham.
Claro que não! E lá fomos nós, para as mesas de laboratório, com direito a
cobras conservadas em potes de formol, caveira, pequenos animais da região
empalhados. E foi exatamente isso que me valeu uma das festas de despedida mais
interessantes que eu tive, em cursos fora do Rio.
Ao entrar para dar o
último dia de aula, havia um bilhete em minha mesa:
“À sua direita, aluno
típico do Curso de especialização em Língua Portuguesa, caso a professora
decida dar mais uma disciplina em nossa turma.”
Ao lado, então, estava
a caveira, com um cigarro aceso na boca, um chapéu de papel, improvisado,
representando o que era usado nas festas típicas de Blumenau.
Olhei espantada para a
turma. Como eles davam conta do tudo que eu passava como trabalho e nunca
reclamaram, embora eu ficasse interiormente admirada, mantive o ritmo. Eles
tinham oito horas de aula por dia e ainda levavam leitura para casa. Tinha sido
o curso em que eu conseguira dar mais conteúdo por minuto quadrado da minha
vida! E eles estavam sempre sorridentes, brincalhões, despertos, pontuais e
atentos! Pensei que era uma questão de ritmo deles mesmo...
-
Ué, por que vocês não disseram que estava pesado?
-
Ora, professora, chega uma carioca aqui, toda queimadinha de praia, nesse pique...
e nós, com pinta de europeus... ficamos firmes! Mas temos uma perguntinha a
fazer: na próxima semana, vem outro carioca. Ele é assim também, ou pega mais
leve?
Ri aos baldes.
E, no ano seguinte,
quando entrei na turma, um dos alunos, ao me cumprimentar, disse:
-
Nossa turma dormiu bem neste final de semana, viu professora... já sabemos da
batelada que nos espera.
Não estávamos na sala
do laboratório, havia ar condicionado na turma, e, claro, não peguei tão
pesado. Ao contrário, um mês antes, mandei todo o material de leitura para que
os alunos pudessem ler antes do curso. Assim, uma vez feitos os exercícios em
sala, poderiam descansar sem trabalho extra para o dia seguinte.
E nada de caveira, no
último dia de aula.
Mas o mais gostoso é
que muitos alunos de cursos anteriores vinham para o dia de encerramento da
disciplina. Mesmo de cidades vizinhas. E era ótimo revê-los, trocar figurinhas
e ouvir piadas catarinenses.
Andar por esses brasis
é uma delícia. Em cada ponto um traço, um detalhe, um colorido, uma cultura, um
toque especial de vida.