domingo, 18 de setembro de 2011

A LAREIRA


Voltar desses cursos de Reiki é como voltar de um país longínquo, de outra cultura, de outras linguagens. Não, não é “como voltar de um país longínquo”... é mesmo “voltar de um país longínquo”, em todos os sentidos: encontrar-me com meus mestres e com seus ensinamentos traz um monte de duplos sentidos...

Os ensinamentos são baseados em uma cultura oriental, com mitos e costumes que desconhecemos. A forma de encarar processos de cura são diferentes dos nossos. A filosofia é outra. A língua de aprendizado é outra. Um banho de cultura para a alma e para o coração, para a mente e para as raízes da intuição, da percepção, do convívio com o humano, com nosso interior.

Voltar de três semanas como essas, uma em Buenos Aires e duas no Brasil é como voltar de um país distante. Três semanas que valeram por três meses. Uma semana com Arjava Sensei e duas com ele e Tadao Senseis, pela primeira vez no Brasil. Muitas línguas juntas, em tão pouco tempo. Ainda meio anestesiada, impossível transformar a experiência em conto.

É como se o mundo “paralelo” se transformasse em realidade e o cotidiano é que se transformasse em “mundo paralelo”. Difícil pescar um “peixe-conto”. Era o que eu pensava, numa das gélidas noites de Buenos Aires, sentada ao lado da lareira do hotel, com o mais recente livro de Arjava Sensei nas mãos.

A gentilíssima gerente do hotel passou por mim e comentou:

- Não acha que você está muito perto da lareira? Vai assar!

Resposta sorridente dessa carioca acostumada aos 40 graus:

- A intenção é essa!

Um frio do cão! De resto, Buenos Aires e Reiki são duas expressões que se casam para mim. Lá conheci meu atual mestre de Reiki, em 2004. Para lá voltei mais três vezes para estudar Reiki novamente e, claro, para desfrutar daquele paraíso de cidade, que também agasalha um casal de afilhados muito queridos.

Desta vez, no entanto, amedrontada pelo frio, fiz apenas um breve, digo, brevíssimo passeio às margens do Tigre aproveitando o horário mais quente do dia da chegada. Pelo resto da estadia guardei todo o calor interno possível apenas para ir da pousada ao curso e vice-versa.

Os dias estavam lindíssimos, mas traiçoeiros: era só colocar os pés na rua que o vento do Tigre tomava conta dos meus ossos, da minha alma. Para mim, acostumada com os trinta graus do Rio, nem pensar. Volto no verão.

Mas Buenos Aires, para mim, é puro encantamento e, só de pisar lá, me lembro de histórias sem fim. Lareira é lugar para o romance, o sonho, a recordação. E eu estava assim, ao lado da lareira, “assando”, lendo o livro e, volta e meia, descansando meu olhar nas chamas mágicas, divagando sobre as lembranças gentis que esta cidade me trazia.

Os que insistem em dizer que os argentinos são grosseiros e antipáticos precisam me mostrar onde e como. Você se senta num café, se acomoda e se esquecem de você. Uma vez, fiquei em um, na Rigoleta - um dos bairros impossíveis de não se visitar. Tinha andado tanto que as cadeiras me atraíram como ímãs. Entrar para um breve café para descansar as pernas era tudo o que eu queria. O garçom serviu o tal cafezinho como se estivesse servindo uma refeição e fiquei ali, esquecida do tempo, saboreando um café antecedido da tradicional água gelada e um biscoitinho delicioso de brinde. Faz parte da cultura você tomar um cafezinho de quarenta minutos ou mais quase pelo mesmo preço de nosso café em pé. O mesmo que nos cafés europeus...

As chamas do fogo buscavam por outras recordações...

Uma vez, comprei um casaco de couro num modelito diferenciado. Quando voltei para casa onde estava hospedada, minha afilhada me olhou admirada:

- Que lindo! Onde você achou?

- Não achei. A vendedora era tão simpática que desceu as prateleiras para me servir. Quando eu já estava até sem graça e lhe pedi mil desculpas por não ter achado o que queria e ter dado tanto trabalho, ela sorriu, pensou um pouco e me disse:

- "Tenho uma coisa lá em cima que acho que vai lhe agradar." Pedi-lhe que não trouxesse, pois se eu não gostasse, teria dado mais esse trabalho. Mas ela disse que esta era a sua função e ela a realizava com o maior prazer. Daí desceu com esta pérola. Olhei em torno, envergonhada pelos dez ou mais casacos que tinha experimentado, mas ela se adiantou:

- É uma questão de minutos colocar tudo no lugar, não se preocupe.


Essa foi a antipatia argentina que conheci. Não fosse outra língua, pensaria que estava no Rio...

Em outra vez, tomei um taxi para me levar do centro da cidade ao local do curso, San Isidro, bem distante. Naquela época não havia GPS e o taxista deu tratos às bolas para descobrir o local do curso. Não tivéssemos acertado o preço antes, acharia que era embromação. Mas fomos conversando como dois bons cariocas, ops... argentino e carioca, povos irmãos, inimigos só no futebol, como me dizia o sorridente taxista.

Volta e meia, no entanto, ele se remexia no banco. Acabei por perguntar-lhe se estava sentindo alguma dor. Disse que sim, sofria muito de dor nas costas. Chegamos cedo ao local e como era rua sem movimento, o encontro acabou com uma belíssima sessão de Reiki de 20 minutos, em suas costas, no próprio carro. Ele saiu dali já com um cartãozinho de uma colega reikiana argentina. Espero que tenha ficado cliente, pois saiu dali renovado.

Antipatia argentina? Pode ser, não duvido, mas, se for, sempre topei com as exceções... para confirmar a regra.

Meus olhos titubeavam entre as chamas que me traziam recordações e o livro aberto em minhas mãos. Sentia-me aquecida e confortável. Preguiça boa.

Notei que dois hóspedes que jantavam numa mesa um pouco mais distante (quem agüenta fritar ao lado da lareira?), de vez em quando, paravam de conversar e me olhavam. Falavam um alemão um pouco esquisito para meus ouvidos de linguista. Será que era alemão mesmo?

Continuei a leitura até que eles levantaram. Distraidamente, levantei os meus olhos. Um deles me olhou e me perguntou, num espanhol estranho, de onde eu era.

- Do Brasil, respondi.

Ambos sorriram e ele me respondeu num português com um sotaque muito meu conhecido:

- Somos de Blumenau!

Imediatamente identifiquei o alemão esquisito como o dialeto falado pela colônia alemã que vive no Brasil, língua materna de grande parte da população daquela região: Brasildeutsch. Sorri.

Um deles se aproximou disposto e tirar um dedo de prosa. Queria saber o que tanto eu lia, com tantas palavras japonesas. Sorri de novo. Ele se referia aos kanjis e outros símbolos de Reiki, abundantes no livro que eu tinha nas mãos. Falei um pouco sobre Reiki, e emendamos num papo sobre minhas aventuras por Blumenau. Que saudades! Ele me contou que estava trabalhando numa empresa alemã, e rodava o mundo. No momento, morava naquele hotel em Buenos Aires e, provavelmente, ficaria por mais um tempo. Conseguira o emprego graças ao alemão, sua língua materna.

Soube das novidades de Blumenau. O Hotel Garden fechou (nossa!!!), mas o Gloria Hauss continua fazendo as mesmas tortas deliciosas. Falamos de tudo e de nada, enquanto a noite seguia rápida em suas horas.

Lareira é um lugar para o romance, o sonho, a recordação... e ficamos assim, dois brasileiros, aconchegados pelo fogo da lareira, em uma pousada perdida na região do Tigre, neste final de inverno, nos falando sobre coisas do Brasil, da vida, de nós mesmos...

Voltar ao Brasil e emendar no curso daqui apenas prolongou o encantamento. Volto, aos poucos, das viagens marcadas pelas chamas do fogo da lareira e do meu coração.

Outro dia conto mais.

3 comentários:

Celina disse...

Seja bem vinda querida! O calorzinho do Rio já está voltando (e eu louca para ir para o inverno de Londres!)A volta é sempre assim... beijos

pblower disse...

Seja bem vinda! O calor tá começando junto com a chegada da primavera e de dias lindíssimos.
Adorei a tarde ontem.
beijocas

Marcelinho Martins disse...

Hoje um dia de solzinho, iluminado e brilhante!!! Tá um loucura, lí A lareira, volto pros mais antigos... e vou e volto, subindo e descendo.. querendo comentar em todos!! kkk... você sabe que não dou conta de cabeça...kk Saudadessss demais de B.A. que amei, que fui tão bem tratado, mais até do que aqui por algumas lojas e restôs. Que delícia de viagem... viajei com você para esta lareira do texto! Bjuxxs